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Os yogas se perdem no tempo sua duração, modos, limites, escrituras e corpos, pois rizomáticos, não arborescentes. É moderna a narrativa mítica de sua origem "nobre" no Yoga-Sutra, onde yogares hatha-yoguicos "preparam" para um nível superior|nobre|arya de Yoga (raja) e o Vedanta, resumo do livro sagrado de uma elite sacerdotal, se entorna como "base sólida e indiscutível” dentre tantas outras epistemes yoguicas possíveis. Esse mito fundador foi se legitimando na parceria Eliade-Dasgupta, no mesmo tempo em que os indianos eram invadidos por europeus, igualzinho ao cenário colonial brasileiro, quando filhos de uma elite sudestina se entendiam mais brasileiros do que nortistas e nordestinos, estes, regionais e folclóricos.


Tudo foi uma escolha da intelectualidade indiana que lutava por sua independência do jugo britânico, e o yoga foi a principal bandeira nacionalista desse movimento, conhecido na história do país como Renascença Indiana. E deu tanto certo que talvez até você tenha tatuado no corpo, motivos e signos indianos, também aprendido sânscrito, começado a praticar yoga, cursado astrologia védica, consultado por médicos ayurvedas, tornado-se vegano, considera hoje as vacas, animais mais sagrados do que pardais, parou de rezar a Ave-Maria para mantrar a uma criança com cabeça de elefante, passou a desejar conversão ao hinduísmo (mesmo que impossível) e, quiçá, venha vivendo na persona cosplay de sacerdote hindu errante, na esperança de conquistar maior autoridade em telas de silício.


Surge, neste mesmo período (início do século XIX até 1947), um resgate da potência ancestral indiana que estava sendo subjugada pelo racionalismo e pragmatismo anglicano, anteriormente, muçulmano e, antes, budista. Mas nem tudo são flores e o crescente nacionalismo indiano carregou consigo ideais aniquiladores de tudo o que não eram eles, a elite hindu: veja só Narendra Moodi ainda hoje reverberando o mesmo espírito.

Os primeiros núcleos evangelizadores yoguicos aparecem a partir dos swamis Vivekananda, Sivananda e Kuvalayananda. Cada um constrói, pela primeira vez na história do Yoga, escolas ensinando yogares para exportação e divulgação da cultura indiana hinduísta para fora da Ásia. O yoga moderno nasce com eles, depois é claro, muitos outros nomes tão importantes quanto, seguem o mesmo modelo: o yoga inicia seu processo de transplantação para coletivos sem motrizes hinduístas, como os Estados Unidos, a Europa e América Latina, por exemplo.


Essa linha-de-fuga yoguica é extremamente inovadora e responsável pelas novas dobras em yogares modernos, em simultâneo, cresce o jogo de forças sobre o consenso do que é, pode ou deve ser considerado yoga, ou não. Estamos vivendo 100 anos de dominação do yoga-darsana, ou perspectiva hinduísta yoguica realizada por Patanjali (século II ou V a.C.) e legitimada por Mircea Eliade, H.Zimmer e G.Feuerstein. Houve, assim, um projeto bem orquestrado na disseminação de um yoga e suas cores pelo mundo, sobretudo, a partir da geração Beatnik, da banda The Beatles, movimento religioso Nova Era e a terapeutização da espiritualidade yoguica e, claro, todos os yogins indianos e suas proposições soteriológicas modernas.


Esse gigantesco deslocamento yoguico que ocorreu no século passado, dobra-se mais uma vez no início dos anos 2000, quando vão se gestando as primeiras experimentações de yogares com estéticas não-indianas, como as africanas, dos povos originários ameríndios, de cristãos, no Brasil com os kardecistas, mas também flertando com o cientificismo. É até curioso, pois a Ciência, ao invés de laicizar práticas e crenças yogas, encanta corpos em ajuda yogins modernos erigir novas mitológicas yoguicas para “vidas plenas”.


De certa forma, é lícito pensar, que o século XXI vê os yogares (re)aproximarem-se mais uma vez da ética fincada na estética da existência imanente e filosofias da diferença, e se afastarem da transcendência e essencialismos, que marcaram tanto os yogins modernos. Mesmo raro e tímido esse afastamento de estéticas yoguicas do além, já se ouve ecos de uma nova série surgindo com ventos do sul. Talvez, de tantas flexões, torções, invertidas, retenções, contrações e hiper-extensões, novas reflexões tornaram possíveis disposições nomádicas e selvagens, opondo-se ou apontado contradições da postura sedentária em que viveram tantos corpos yogins no Brasil dos anos de 1950 até 2000. Afinal, tanta força para indispor corpos a se locomoverem, só poderia liberar (em algum momento) fluxos de sentido contrário para flexibilizar o que nada passava, passava despercebido, ou totalmente insensível.


Os yogares antes da colonização britânica, ou seja, os pré-modernos ou antigos, sempre foram híbridos, portanto, em nomadismo, canibais, selvagens, pois não se deixavam domesticar. Havia então, não um ou dois, mas múltiplas motrizes de experienciar|viver Yoga. Elas disputavam entre si, não a dominância de quem era ou estava com a verdade do yoga, mas lutavam contra aparelhos-de-captura por uma única versão do yoga; abriam frestas o quanto podiam, ventilavam e conviviam bem com suas contradições: nathas, aghoris, aranyakas, nagas e as múltiplas facetas tântricas eram, são e continuarão sendo yogares diferentes que se orgulham dessa disposição ou indisciplina (tapas) por discordar. Mais fácil, ao invés de buscarem reviver e|ou replicar, inventavam yogas para continuarem em devir.


Com o modernismo, yogas se tornam apenas versões de outros yogares, não inovações. Todos os yogares modernos leem os mesmos livros e seus gurus devotam-se aos mesmos deuses. Por isso sempre concordo com yogins modernos quando afirmam que os "yogares contemporâneos deram errado, são marginais, periféricos e menores"'; eles estão corretos, todes os yogares em estéticas não-indianas, vivem devires minoritários e suas micropolíticas são devoradoras de yogas elitizados, brancos, sem asceses, assépticos, hierarquizados, masculinos-alfas. Desejo vida longa aos corpos desses yogins menores, corpos trans, vira-latas caramelos derrubando latas-de-lixo para comer os yogares-dominantes derramados pela rua. Todes yogins contemporâneos são contra Yogas-Estado, por isso resgatam o nomadismo não-aryano das yogins dravídicas loucas que, cavalgando em suas onças-pintadas, decepam cabeças de todos yogas cafonas, replicantes e sedentários, como se fossem o que nunca poderiam alcançar, pois seus terceiros-olhos abriram-se na nuca.


Por amarmos a Índia e seus yogares xamânicos, sacerdotais, florestais, canhotos e dos crematórios, não desejamos sê-los, isso seria uma afronta, por isso o devoramos como yogins antropofágicos que somos, filhes de africanos, caboclos, quilombolas, indígenas e de todos os bruxos, bichas, bailarines e feiticeiras da Europa ibérica desterrados pelas bandas de cá; estes mesmos que, antes sob jugo dos mouros pretos, aprenderam a sambar em roda nos terreiros aos pés de mantiqueiras, chapadas e urubicis, embriagados cantam em alto e bom som de tambores, sitares e maracás.




Há uma comunhão existente entre o corpo|sujeito e a sociedade que o compõem também. A coletividade são as populações que o habitam, ou a sociedade de outros corpos|eus assujeitados, mas que se compõem como um só ser organizado. Cada um singular: revoada de pássaros. A quebra de um tabu ou crença rompe essa tessitura coletivizante de assujeitamentos ajuntados. Se, mesmo que momentaneamente, acontecer uma perda de confiança (confides) ou fé no ordenador de realidade que os organizam (cosmologias, mitos, signos), tudo pode (e vai) ruir. Todos únicos, mas atravessados por subjetividades similares. Em uma só palavra: desterritorialização.


Essa desorganização, se abrupta ou imprudente, forçará uma reorganização ou reterritorialização descuidada, desatenta, às vezes grosseira. Toda reorganização de si, é uma incorporação (possessão de espectros) de antigos tabus, inovações com novas crenças: ora mantendo práticas tradicionais (consensuais) ou rompendo antigos padrões, ora “feitura” de novas crenças|tabus e práticas; um novo culto surge dissidente de antigas seitas ou religiões, jeitos outros de pensar, clinicar, participação política, etc. Em suma, toda "perda de chão", um movimento de reterritorialização faz morrer algo para (re)nascer outro. Uma coisa é certa, nada, mas nada pode ficar fora do lugar, se não corpos adoecerão. Nós humanos organizamos tudo.


Toda cura, então, não é outra coisa do que uma restauração da ordem.

A doença é algo fora do lugar, por isso muitas doenças da área psi, médicas ou xamânicas|espirituais podem envolver o reviver da situação inicial que rompeu o ordenamento. Esse deslocamento que permitiu a doença deve ser vivido, experienciado para “produzir a liberação do afeto associado ao trauma”: do trauma de um tecido orgânico, do inconsciente psicanalítico, psicofisiológico e|ou social.


“Fulano não tem nada clínico, a questão ali é do campo espiritual”.
“Não, não é possessão demoníaca, é histeria”.
“Depressão é causada pelo espírito da cobra que o estrangula e o deixa sem se mover”.
“A questão da impotência sexual é energética, precisamos fazer voltar a circular prana no chackra básico”.
“O estresse ou TDAH são inimigos de qualquer um, por isso a meditação para relaxar e diminuir os vrttis ou turbilhão da mente”.

Antes de ser serotonina, dopamina, beta-endorfina e melatonina, toda terapêutica no yoga, operava no campo mítico dos chackras desalinhados, o sêmen não controlado, a urina não ingerida, um sutra ainda não incorporado e|ou mantra não dominado. Um dia não foram as explicações neurobiológicas, mas da fisiologia sutil de uma Índia medieval com seus alquimistas, sadhus e terapeutas ayurvédicos consensuais.


Não se perde, são perspectivas e não “evolução cognitiva” de como o corpo funciona que está em jogo. Você, pensador sudestino urbano brasileiro, que conhece mais (e melhor) o mundo e seu corpo do que um carijó que viveu em 1245 em Meiembipe (antiga ilha do Desterro, hoje Floripa). Não se dominam corpos alegres. Mito e fisiologia oscilam dependendo da tecnologia clínica empregada, mas sobretudo, que construção sentido a dados corpos em espaços sociais. Revisite L.Strauss descrevendo o canto de um xamã Cuna panamenho ajudando|curando no parto de uma mulher da aldeia com pouca dilatação. O xamã se transforma num espírito (ou o evoca), entra pela vagina e remove o que constrangia sua abertura e impedindo de criança sair a vida.


Há sempre uma restauração da ordem. A reorganização, seja invasiva de uma cirurgia médica, espiritual de um médium kardecista ou de um prof. de yoga moderno, desbloqueando chackras por mantras mágicos, é psicofísica, social e histórica, tudo em simultâneo. Um só corpo aqui é pouco. Entrementes, cada xamã, yogin, médium, médico e doente precisam compartilhar das mesmas crenças|mayas ou ordenadores de realidade para a terapêutica ser eficaz. Sim, eu sei que não preciso acreditar no bisturi do cirurgião para se rasgar minha pele, mas a eficácia da ação (suas explicações de porque e como se deu ou não certo o procedimento), sim.


A cura ou eficácia se relaciona com as ativações das dimensões míticas e fisiológicas, há que expressar estados ainda não formulados: reorganizar o que seja lá que tenha causado

desordenamentos: dietas, yogas, assepsia do lugar... ah os efeitos placebos… mil rolês.


O poder não está nas palavras, toques ou aliados (mantras, asanas ou cristais), mas no “contexto situacional em que toda essa tecnologia será empregada”. A situação é performática. Exemplos: o estresse é um mal a ser extirpado a qualquer custo do corpo de qualquer yogin; relaxamento, uma espécie de encantamento que liberta ou desobssedia corpos doentes (em avidya e mayas?); e a homeostase (esse lugar psicofisiológico e espiritual onde o estresse-mal não se arvora).


Veja bem, estamos aqui destruindo a barreira natureza-cultura: natureza herdada, genética, comum a todos e cultura com todos os signos e subjetividades que nos enxertam goela a baixo socialmente. Corpo e o simbólico aqui se relacionam; não se sabe com clareza onde um começa ou acaba (haveria distinção?).


“A eficácia simbólica de uma dada terapêutica depende dos procedimentos que se operam na dimensão do pensamento, da moral e da fisiologia”.

Há, antes, que se construir um espaço poroso ou “entre” para a efetividade do símbolo conseguir atravessar o psicofisiológico pelo social e o histórico do sujeito|corpo imanente.


O samadhi é anti-estruturante, o agrimensor que possibilita yogins processar seus sadhanas em desterritorializações para se reorganizar de outros jeitos; pois do jeito que está, adoece.

É um voo místico ou despedaçamento do corpo para só depois, reagrupar seus pedaços de novo. O “entre”, aquela porosidade corpórea, precisa restaurar para voltar a fazer passar fluxos ou linhas-de-fuga: o encontro terapêutico propriamente dito.


Entenda, há uma lógica aqui, cada yogar autêntico possui uma lógica clínica também, e são infinitas as possibilidades terapêuticas.


O médico que visita Maria e informa que a paciente não tem nada clínico: “o problema dela é espiritual”.

As duas benzedeiras-médicas, atuando em conjunto com o médico da família no SUS, foram até Maria e começaram a rezar, e a medida que rezavam, pediam a paciente que abrisse os olhos.


Depois 3x o “Pai Nosso”, uma das médicas-benzedeiras correu até o banheiro e vomitou. Quando voltou junto a cama, abraçaram-se e aqueles três corpos começaram a chorar.

Seria a prática de yoga uma clínica? Teriam os espíritos obsessores do ordenamento de realidade espírita kardecista, na cosmologia yoguica contemporânea, sido corporificados em estresse? Seria o relaxamento yoguico uma terapêutica ou aliado clínico para o mal-estresse?



Quando alguém, iniciado ao plano da imanência yoga moderno, começa a meditar para “aumento de serotonina e dopamina” em si (ou auxiliando outros corpos) estaria num dos estratos que antes eram os “chackras em desalinho devido à má circulação prânica”? Não são a mesma coisa dita de outra forma, não isso não; são mitológicas fluindo, deslocando-se por outros corpos, coletivos e compondo novos signos, construindo uma subjetividade outra.


Seriam esses processos vitais (orgânicos e míticos) o motriz dos yogares vivos lá na Índia antiga e agora, aqui no Brasil?

Se injetarmos microdosagens serotoninérgicas e dopaminérgicas nas medidas verificadas em meditadores experientes, produziremos dalais lamas e krishnamurtis? Obviamente que não, pois não somos apenas uma organização biológica ou uma psique hospedada em corpos que perecem, mas composições singulares sendo afectadas por tudo que nos compõem: tudo é natureza, seu corpo inclusive. Yogar como processo terapêutico no cuidar de si: crenças coletivas, signos|subjetividades, acúmulos de tempo, duração e a psicofisiologia nos transformando em seres viventes eternamente sendo.


Não à toa nos autodenominamos de SER-humanos e não apenas, É-humanos. Queridos professores de yogares autênticos, relaxem, é totalmente compreensivo sentirem-se angustiados.

O yogar foi capturado por uma sociedade não mais do espetáculo, mas do pedagógico - salve minha amada Milla Derzett @miiladerzett e querido Thiago Oliveira @_thiagopersonal. A eficácia yoguica e suas terapêuticas exigem bem menos luta por yogas e suas verdades, e muito mais diálogo com a sociedade (e entre si). São vocês, yogins-vivinhos-da-silva que estão (re)produzindo um campo de yogares-clichês que tanto abominam, mas é o amor pelo diferente e não retóricas de aniquilação que resolveram a parada.


 

Referência Bibliográfica:


BANET, O. Do que estamos falando? Eficácia simbólica, metáforas e o "espaço entre". In: TAVARES, F. & BASSI, F. (orgs.). 2013. Para além da eficácia simbólica: estudos em ritual, religião e saúde. Salvador: UFBA. pp.101-120.


OLIVEIRA, T. 2022. Tateamentos de mundos no Yoga: ofertas, demandas, encontros. Orientador: HENS, A. TCC (graduação) – Curso de Psicologia, Faculdade de Psicologia, Universidade Federal de São Paulos, Santos.


DA CUNHA, M. & STRAVAZZON, A. 2020. Espiar e curtir: Como o yoga se transformou num produto exposto numa vitrine a venda nas redes sociais. (no prelo)


Tudo o que é estranho, esquizito, diferente, não pertence a pólis, são corpos que não aprenderam os modos (esses aí que não sabem se com-PORTAR) à mesa, são bárbaros: os incivilizados. Civilizados são todes os corpos educados, já possuem o habitus certo, por isso, pensam, andam e dançam certos, os bárbaros se deslocam errado (ou nem pensam lá muito bem): analfabetos. Civilizados possuem linguagem e vivem em cidades, já os bárbaros falam em dialetos e habitam aldeamentos. Vem comigo e não se perde, estou desformando, há uma transformação operando, uma nova racionalidade. Corpo aqui é a base epistêmica bárbara, sua máquina-de-guerra contra os aparelhos-de-captura civilizatória. Enquanto civilizados conhecem pela mente|alma, bárbaros são des|almados (teriam alma os indígenas?), são feiticeiras campesinas em conluio com os encantados da floresta|natureza, são quase-humanos, animais-bichos.


Os civilizados, ao contrário, dominaram a natureza, seus deuses não habitam mais as árvores, rios ou corpos, foram des-incorporados. Seus deuses são outsiders, estrangeiros naturais, vivem em outros mundos. Ironia de Gaia expulsar os deuses civilizados do natural, dos corpos, obrigando-os a viverem em mundos|kitnets|studios alugados no transcendental.

Toda essa leitura é um despacho na encruza com Seu Zé para quebrar-a-demanda|maya que desincorporou seu cuidar de si, é daí que nasce a necessidade de todes yogins escolherem seus sadhanas ou asceses corporais (e não mais espirituais). Ascese corporal? Ora bolas, e haveria outro jeito? Salve Fernanda!


Ascese aqui não tem nada a ver com mortificações físicas, deixe isso aos essencialistas que se esquecem de seus corpos. O corpo indiano medieval (século X d.C.) e de um americano (do mesmo período) eram|são diferentes. Suas fisiologias e anatomias iguais, mas corpos outres. Yogins hindus, jainas ou budistas das bandas de lá sentem, sentam, se pintam e cantam em ritmos diferentes: cada corpo, uma estética em existir. Eles foram sendo estratificados em castas (civilizados), nós aqui, povos florestais, organizados de tal forma e ritmicidade contra toda e qualquer Estado: somos herdeiros de povos pretos e ameríndios (bárbaros). Mas e o yoga tiozão? Qual? O seu, não sei.


Não é nem ético ou estético replicar yogares como filiação formal; como se fosse apenas colocar corpos nas mesmas posições daqueles manuais do hatha-yoga para nos dispor (pensar, viver, sentir) como eles - seria isso possível? Há que se descobrir quais yogares melhor se encontram com seu corpo epistêmico compondo coreografias que libertem corpos|saberes - seria kaivalya|moksa um saber in the flesh?


Aos corpos yogins bárbaros, mente|alma|espírito|purusa é uma parte do corpo: uma incivilidade aos corpos de yogins civilizados viver|pensar|sentir-se assim. E não se perde em maniqueísmos. Não é bárbaro contra civilizados, nômades ou sedentários, modernos e antigos, yogins da floresta contra os yogins da urbe. Nada disso, mas isso tudo se esbarrando uns nos outros, borrando margens e compondo campos yoguicos contemporâneos: Mitológicas. Salve seu Cláudio Francês!


Todo corpo é natural, mas o saber dele é construído. Os desatentos, capturados ou enfeitiçados por mayas, se esquecem (avidya) de seus corpos. É todo um programa civilizatório para o esquecimento corporal. Sem corpo, só com a alma desencarnada, todes alienam-se de si (avidya).


O movimento, e mais precisamente as múltiplas transformações do corpo, podem ser então consideradas, como uma frase, não mais como enunciados, mas como processos de enunciação.

No yogar nosso de cada dia bárbaro|estrangeiro (ESQUIZOYOGA) não se busca palavras evocadas dessa prática|ética (PRÁXIS), mas o yoga está no fluxo da linguagem que emerge desse rolê dançado. Cada yoga autêntico é dançado e não praticado, pois enunciado. Mais conciso: yogar é um discurso (nem escrito ou oral, mas incorporado) associado ao contexto em composição com outros corpos. Há um processo de alfabetização corporal (espero que agora você compreenda que haja aulas de educação física em todos os anos de sua escolarização - se foi boa ou não, é outra história). Essa alfabetização no (e não do) corpo|sujeito é simultâneo e não sucessivo. Entenda ser impossível pronunciar duas palavras ao mesmo tempo, mas o corpo fala - e aqui você já entende a grandeza de um swami Guimarães Rosa, aquele que dá corpo ao texto.


Mas na espisteme yoguica corporal bárbara, há "modulações sucessivas e progressivas da vida corporal que não pára de se transformar; são de uma natureza totalmente distinta [estrangeira ao consenso] das relações formais [civilizadas] entre certos elementos de uma totalidade"

Quase sempre se pensa yoga como algo realizado "sentado com a espinha ereta, a mente quieta e o coração tranquilo"; temos aqui um protótipo topográfico estático e sedentário: civilizatório. Tudo bem, pode se ESTAR assim também, mas há infinitas outras possibilidades coreográficas de se yogar. Por exemplo, deitado ou em movimento com a espinha torcendo-se ou se curvando em dobras. A mente|cérebro e o coração, esses órgãos civis podem (e vão) acelerar, lentificar-se e também estabilizar para logo depois voltar movimentar-se em novos ritmos, mesmo porque, lembre-se, o yoga natha inventou novos órgãos, tá ligado? Não é aonde se chegará, mas as transformações (e deformações) do tempo durante, nos intervalos inclusive, salve Bergson! Yoga acontece nas coxias, nos palcos, em shalas, mats, telas de silício, mas também em cadeiras, panos, rebolando e enrolados com bichinhos de pelúcia do Tamar. O saber yoguico é coreográfico e não topográfico, não vive nas anatomias, livros, salivas despóticas ou fisiologias, mas nas "ínfimas modulações do corpo em processo de transformação".


Pensamos aqui um yogar filosófico coreografado (corporeidade) menos em suas tecnologias. Yogar como processo de alfabetização de corpos-sujeito, carregando experiências não ditas e até mal-ditas. Agora espero que você esteja percebendo que não estamos apenas coexistindo, mas ombro-a-ombro, letras sendo corporificadas e incorporando, impregnando peles, entrando pelos poros, atravessando e, sobretudo, transformando quem éramos e como somos sendo agora. Mas se liga, não importa tanto o quanto você me entendeu até aqui, a racionalidade coreografada|corpórea é outra da lógica topográfica dos conceitos se encaixando numa tabela de Excel da sua mente, todo professor de yoga nômade e selvagem quer a diferença do corpo do outro. Neste terceiro ato de nossa coreografia-escrita há que se ater na experiência da estranheza; meus esforços escritos carregam em si essa barbárie do estrangeiro que causa espanto: como o meu yogar está atravessando-o, como venho lhe afectando? Seu yogar percebe só maior rigidez e higidez do corpo organizado de um organismo bem-comportado?


Que lindeza é estar dançando com você agora e não sozinho. Mas, nunca houve ou haverá alguém sozinhe, sempre estamos sendo. Amor Fati.

Yogins fisiologistas e anatomistas param o movimento|tempo yoguico para estudá-lo; yogins-coreógrafos - aqueles xamãs em suas técnicas arcaicas do êxtase - percebem as infinitas transições que compõem o ato de dançar|yogar. Tudo isso é percebido como uma impostura que indisciplina (põe em perspectiva certezas) corpos yoguicos civilizados: temem des-organizar-se!


A tradição do yogar autêntico estaciona sua kombi na praia, bebem suas brejas, chais, fervem ervas comemorando nenhum lugar para ir e nada a alcançar, pois nômades e selvagens. Nenhum corpo é "veículo utilitário" que transporta informações de um ponto a outro (tudo é ponto B), pois corpos não "expressam" emoções, vive-as. Yogar autêntico (seja "clássico", antigo, medieval, moderno ou contemporâneo) está no RITMO, nunca na NOTA ou em pentatônicas. A ritmicidade nos auxilia, yogins bárbaros, aqueles que cultuam Oxalá como Brahman, Ganesha ao lado de outros Exús-Mirins e dispõem Maria Padinha para trocar ideia sobre política e subversão feminina com Durga e Kali. Todes de mãos dadas compondo saberes coreográficos yoguicos brazucas em seus sadhanas antropofágicos.









Seja Bem-Vinde

Você adentrou um espaço em desconstrução. Desacreditamos metafísicas, por isso bricoleurs ou feiticeiros do Yoga quebrando a demanda de todo maya que lhe enfeitiça. Mas entenda, tudo é maya.

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