top of page
Buscar
Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Atualizado: 4 de ago. de 2022



Corpo não é plural, pois pluralismo pressupõe acúmulo e sobreposição de signos; corpo é multiplicidade ou coreografia de modos ou jeitos. Para se compreender corpo, há que desestruturar-se antes.


O corpo yogin em yogamento é movediço, por isso não o encontramos na anatomia ou fisiologia, mas em sua coreografia (tensões e intenSões): jogo de forças pedindo passagens e fechamentos. A tecnologia corporal indisciplinar yoguica, como seu arsenal de asanas ou im_posturas, mudras ou gestos, pranayamas ou condução dos ventos, kriyas ou limpezas e etc., são ensaios coreográficos a serem utilizados|incorporados na performatividade da vida. Tode yogin é um|a filósofe do corpo ou inventor de conceitos encarnados em potencial.


Quanto de vida|intensidades passam nas veias abertas de ideias|mentes tensionadas na duração de um franzir (dobras na pele) da testa? O quanto de movimento se faz necessário no gesto de dobrar os joelhos com as mãos juntas ao peito no fechar e abrir dos suryas ou numa torção da coluna. Tudo contém o organismo, corpos ou populações corporíficas estão sob (e sobre) estratos em relação.


Relembre o quanto (de força e distensão na intenção atenta) é preciso ser mobilizado em velocidades, repousos ou estabilidades num savasana?

Jnana prepara para o Hatha e todos os yogares são programas. O que me atravessa enquanto sentado lendo, pois olhar é corpo em movimento! Yogar é muito mais metabólico do que cinestésico. Por mais que se possa analisar fáscias e hormônios, estes não medem yogas - muito menos yogins em seus yogares.



Yogar|Meditar, como aprendizado freireano, é um fazimento de corpos enquanto corpo e seus afectos.


Aquilo que o comove, o toca, o abala, o fere, as formas como ele reage não expressivamente, mas performativamente àquilo que o afeta.

Yogar, seja uma sessão de prática num mat ou agora, enquanto lê, é um esforço (tapas) para:


(1) Sentir ou não passar intensidades (gunas), mas também, e sobretudo;


(2) Manter a atenção no que está passando;


(3) Não deixar de fazer passar, mas não tudo e nem qualquer coisa: não se trata de liberar geral, pois há que se construir uma espécie de barreira hematoencefálica das afecções decompositivas, abrindo os canais do que nos compõem e fechar-se as decomposições.


(4) Há que cuidar muito bem para não se atingir o pico|clímax|ejaculação. Isso não significa castrar-se, pois aí é não sentir; pelo contrário, é cozer no tempo certo seu corpo pelo fogo do yoga; tudo para não esfriar ou fritar: é ampliar sua superfície em afetar e ser afetado pela vida|natureza|corpos.


Seria isso um Nirvana, Moksa, Kaivalya e ver despedaçado toda a sua organicidade?

Seria yoga|yuj atar-se novamente aos fluxos vitais?

O corpo resiste sempre, enviando sinais sempre que nada passa ou passa muito. Populações de quimiorreceptores detectam hipoglicemia: “tô com fome, preciso comer”; ou percebem aumentos de CO2: “falta de ar, preciso respirar”. Todo excesso ou falta sinalizada para manter níveis ótimos de intensidades: homeostase divina!


A todo bloqueio, acúmulo ou esvaziamento, falta: formigamentos, dores, medos, raivas, choros, catarses como bichos selvagens enjaulados gritando passagens.

Todo corpo são encontros de populações, uma antropologia do corpo: revoada de pássaros, cada um singular mas um só corpo, uma inconstante unidade que alimenta o maya|ilusão de um Eu|alma|Self: acúmulo de tempo e acontecimentos que somos.


 

Inspiração: Laplatine, F. O modelo coreográfico.

Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Atualizado: 2 de ago. de 2022


O atharva veda é um monstro. Recheado de encantamentos, maldições e curas mágicas, nasce de yogins-xamãs e não dos yogins-sacerdotes. Enquanto os textos revelados (srutis) são gestados por filiações reprodutivas de uma elite profissional em escolas assépticas, o quarto veda gesta-se de filiações incestuosas com doulas no rio, por isso “olhada com desprezo pelos brahmanes”.


Entre os anos de 1800-1500 a.C. ocorre o declínio da cultura matrilinear Harappa/Mohenjo-Daro por profundas alterações climáticas e geológicas que afetaram o continente indiano, diluindo toda uma caosmótica xamanidade urbana - a geofilosofia favoreceu o sedentarismo de alguns brâmanes. Mas aqueles yogins-xamãs não morreram, se mudaram da urbe em direção às florestas. Sua natureza, no entanto, mantém-se viva ainda hoje, sobretudo em yogares de culto à terra, aos animais e divindades dançarinas - demônios|daimon ou espectros - seriam eles os sidhantas, aqueles aliados de yogins de encruza e crematórios?


Estes yogins-xamãs, os formuladores da magia atharvica são os dasas, anaryas ou drávidas; “aqueles selvagens, bárbaros, demônios e|ou infiéis”, em suma, todes corpos não-arianos: inimigos, monstros, contagiosos, poderosos, por isso temidos.


Narcisos acham feio todos aqueles que não são seus espelhos.

Arya passou a ter uma então uma conotação de distinção social entre brahmanes, enquanto que anarya designou todos os que ficaram fora do estatuto religioso brahmanico, incluindo aqueles que foram apelidados de demônios e se dedicaram a práticas mágicas.

Os “outros” são os não-védicos (dasas ou anaryas), enfim, os pertencentes a diferentes ordenadores de realidade; são indisciplinados. Não se perde aqui no rolê tiozão.


A estrutura da cultura mudou pouco de lá para cá. Foram os corpos, metamorfoseados pela alquimia dos encontros, que se transformam pensando novas ideias. Sim, as formas talvez cambiais, mas as forças continuam as mesmas: de um lado os que se imaginam donos dapohatoda, e do outro, os demais corpos entre. Se atente a simbologia do atharva que está no Vedas; mesmo como “capítulo menor”, impregna uma escritura perfeita em si-mesma. Ação subversiva.


São gestos que gestam a intensidade dos periféricos xamaneiros yogins de outrora vivendo hoje (e sempre contemporâneos) no peito de todes dançarinos rituais: de Durga a Shiva, Ariadne a Dionísio e Lou Salomé com Nietzsche… Todes yonis e lingas em savasanas vivos.


Yogas monstruosos que aterrorizam o sono delirantemente imaculado dos ascetas guardiães das essências que imaginam viver (avidya na sua mais perfeita tessitura de maya). Mas mesmo com toda a organização de corpos, letras e hinos, nada conseguiu dar conta do contágio das carnes se encontrando sob luas cheias orgiásticas que insistem em devorar cordões brancos, nomadizando yogares selvagens que não se deixam domesticar por instituições.


Sobre o que você estava falando mesmo?

Sobre filiações pouco intensivas de yoguicas epidianas védicas buscando castrar a magia de corpos em relações potentes multiplicadores de yogares-outres.


Se yogas vivem hoje são graças a corpos em voos místicos jaguares, macacos, peixes… Afinal não foi assim que nasceu os Nathas, mãe do Hathas? Um peixe ouvindo Shiva ensinar Yoga à sua esposa (ou foi o oposto, por isso ela dormiu, em tédio do aluno Shiva distraído?) num rio indiano (seria iraniano ou egípcio?). Esse mesmo peixe atento e pleno aos encantos yoguicos metamorfoseia-se em homem, ensinando a Goraksa, esse com jeito e cara de vaca. Ambos budistas e Shiva|Durga, uma velha bruxa da floresta, por isso andrógina?


Os poderosos aqui são os que nada temem, não precisam de castas para se distinguir, pois sabem da singularidade natural de todes. As poderosas aqui são yogins|daimons de parentesco incestuoso sem temer misturas, hibridismos, pois nem pai ou mãe sabe quem são (ou seriam todes?). Os yogins-xamãs-anaryas, aqueles de pensamento selvagem que renegam com orgulho qualquer filiação aryana, contagiam e miscigenam yogares com tambores, baixos elétricos e sintetizadores em festivais de yoga pelo mundo; eles pitam enquanto entoam o sagrado mantra OM em rodas de samba e hinários por aí.


Saravá seu Zé e Padilha, salve os loucos e mestre Irineu: eles sabem amar de verdade o yogar nosso de cada dia.




Vou tentar aqui cartografar meu yogar pra você. Irei atravessar, passo-a-passo, minha dança com o yoga. Ele é igual ao seu, mas difere. Semelhante nos estratos mas diferente nas composições.


(1) Parto sempre do plano da imanência e não da transcendência. Essa minha impostura amplia as dobras yoguicas por aliança e não por filiação. Me aliando horizontalizo, filiando-me verticalizo. Meu yogar, portanto, se insere na natureza|corpos traçando relações com a cultura, por isso seu afundamento é no perspectivismo - não relativismo ou absolutismo.


(2) Toda minha práxis (teoria praticada ou prática teórica: ética, enfim) enche a cara de existência no supranatural, longe do sobrenatural. Somos xamãs ameríndios e não sacerdotes asiáticos. Estão mais próximos da magia dravidica do que a letra ariana.





(3) Samadhi  (e suas intensidades: gunas) são afectos e não estados. É nessa transa metamorfoseada que gestamos um corpo-sem-órgãos-yogi (CsO-yogin), ou seja, um corpo não organizado. Todo esse esforço (tapas) para fazer (sentir) passar yoga ou qualquer outra coisa. Yoga é parça, não caminho moral.


(4) Antes do encontro com O espelho (Purusa), entrementes, há que se desterritorializar para abrir espaços por onde o yoga deve passar. Desterritorialização é abrir uma fresta e perceber o que antes passava despercebido (ou nem passava): corpos porosos nada fica, corpos duros bate e volta e corpos anestesiados, até passa, mas não sentem (avidya).


(5) Por aqui, no yogar selvagem (não-domesticado) e nômade (sempre em devir), o conceito de maya é amoral. Ele se configura como feitiço ou demanda que distrai e impede de ver a realidade como um estrato. A verdade está dada, é a natureza. Mas como somos partes da natureza, ou modos do real, seremos sempre inacabados. Yogar é uma quebra de feitiço feito nas encruzas da vida.


(6) Cada prática yoguica é um sacrifício do maya em que se está em voos místicos criadores de linhas-de-fuga. Promovemos um banquete ritual devorando maya, mas inventado outros numa eterna inconstância. Não almejamos des-ilusão mas se ligar em qual estamos sendo para {pensar certo}, salve Paulo.





(7) O processo yoguico selvagem e nomádico é rizomático, nunca arborescente em busca de algo. Somos plenos no inacabamento, por isso cessa a busca. Tudo é sertão aqui; por isso Patanjali, Matsyendra, Hermógenes e Guzman são personagens de um conto roseano sob a pena de Clarice.


(8) Mas há uma operacionalidade do ritual sacrificial canibal. Não é qualquer coisa numa roda de samba. Independente da tecnologia a serem dispostas rumo ao item 3, esse mergulho temporário (e temerário também, pois pode não dar certo) para fora de nossos planos de imanência (ou maya), é um programa: autogestão, relaxamento, escolha da âncora, técnica bem definida e os loopings que virão, salve xará. Há que se buscar um lugar adequado e aliados. Tudo pra fazer passar intensidades. Isso exige muita prudência, por isso o programa.


(9) Recapitulando: (a) iniciamos, como todos, capturados na primeira margem, absolutamente alienados (avidya) do que estamos sendo, pois imaginando já ser. (2) rumando a segunda margem ou samadhi, à beira de Purusa ou espelho, somos travessia, essa canoa instável em cima de mat. (3) agora tomamos ar e afundamos para terceira margem do rio, escura, lodosa e fria sem saber o que iremos encontrar.





(10) Todo desejo (o que você deseja mesmo?) só passa num CsO: achar um bom lugar, estabelecer alianças, produção de intensidades. Agora o retorno à superfície e à primeira margem. Você morreria se ficasse no fundo sem ar ou na margem de lá sendo espelho: vazio.


(11) Ritornelo é o retorno do samadhi e suas reterritorializações. O que voltou, o que se passou, o que ficou; pois há sempre pedaços de novas terras impregnadas da emersão da terceira margem. Yogar é incorporar, metabolizar… antropofagia pura. Shankara devorou muita gente antes do {dois sem segundo} devir a ser.


(12) adote um diário de bordo meditativo das incursões que fará com seu yogar. É imprescindível exercitar a inventação de conceitos. Afinal, você quer ser um yogin filósofe ou exegeta?


E aí, bateu?

Seja Bem-Vinde

Você adentrou um espaço em desconstrução. Desacreditamos metafísicas, por isso bricoleurs ou feiticeiros do Yoga quebrando a demanda de todo maya que lhe enfeitiça. Mas entenda, tudo é maya.

bottom of page