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Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Há muitos yogins que pensam precisar se transformar em indiano para ser yogin; mas há também aqueles que entendem a necessidade de explicar, interpretar, contextualizar e racionalizar o pensamento yoguico de motrizes indianas para fazer (dar) sentido no seu mundo.


Entrementes, o yogar mais autêntico pode estar no aprender a utilizar os yogas, no sentido de tirar suas consequências e, o mais interessante e revelador no cuidar de si aliado ao yoga, experienciar|vivenciar (na carne) seus efeitos na produção de nosso próprio território: processos de desterritorialização e reterritorilização após incursões samadhísticas - quando desmontamos, com injeções de prudência, estratos que nos compõem para tecer relações nas yoguicidades.


Observando incursões yoguicas canibais por aí, a boniteza de tudo está na transplantação do pensamento yoguico em geofilosofias distintas construindo novas corporeidades - nunca deixando de ser quem se é, mas estar sendo com|e na relação com novos povoamentos.


E essa postura (ou descompostura), fruto de uma flexibilidade permeável cognitiva, passa longe da busca comparativa por universais do pensamento humano. Nada disso, é a aventura em mergulhar até a terceira margem do rio darsana-yoga de Patox e neo-tantra “humanista” ou Yoga Dance, assim como Yoga Vinyasa e AUMbanda (yoga e umbanda); e, lá de baixo, tocando o fundo do rio, em águas frias, escuras, lodosas e quase sem ar, algumas vezes, se admirar da riqueza rizomática dos yogas nos auxiliando a sentir intensidades passar. Há que atravessar o espelho|Purusa, como Alices, para discernir|vivekear yogas sendo: devir-yogin.


Muitas vezes percebo que todo esse movimento em neutralizar yogas “não-tradicionais” como inautênticos e|ou sem identidade, relegando-os como superficiais e|ou “meros exercícios físicos” e demais retóricas depreciativas são apenas isso mesmo, retóricas. Atuações que mantém uma pseudo-elite com verniz de “superiores”: o ritornelo das castas sempre voltando, como refrão de um bolero barato.


Estes necessitam dos jogos polarizadores do bem contra o mal, o falso e o verdadeiro, o belo e o feio, tradição e modernidade, centrais e periféricos, pois se alimentam dessa energia-forma. Sem o transcendente que os habitam - duais ou não-duais - se tornam ordinários, como qualquer um de nós. E eles detestam se sentirem comuns; daí surgem as vestes alaranjadas, nomes estranhos que adotam e dieta diferenciada ou jejuns lunares. Maravilha de quem os realiza como propostas de sentido e experiencial, mas triste são os performáticos: aqueles que gostariam ser e não são, por isso desejam a falta ou o déspota.


A contenda entre magia e religião é um exemplo que cabe aqui e se arrasta por séculos, ilustrando o rolê. De um lado os sacerdotes, guardiões das escrituras, formadores de gurus e interpretes oficiais da “palavra”; e do outro, as bruxas, os feiticeiros, marginalizados, bichas, gordos, os yogins proto-alguma-coisa, "aqueles que não eram" até outros nomearem o que deveriam ser. E tanto faz se rezam para Brahman, Shiva, Kali, Durga, Jesus ou Vishnu, pois são sempre os excluídos que estabelecem pactos com entidades menores, são vendidos como “escravos” de coerções mágicas de cunho divinatórios, terapêuticos e|ou feiticista - os drávidas e os dalits lá, os pretos e pobres cá: "aquelas rebolam demais, não podem ser “sérias no yoga que praticam”, aqueles tem “sotaque”, portanto, não compreendem bem o sânscrito. Entenda, aqueles são pastores televangelistas atacando espiritualidades de matriz africanas “cultuadores de Exú”. Há muitas Damares no campo do yoga.


Para quem não pegou a ideia ainda. Não é nômades contra sedentários, não tio, esse é o jogo deles. Os yogins em devir-canibal devoram o inimigo-cunhado, e continuam sendo nós (povoamentos incorporados). Os sacerdotes yoguicos também devoram, mas para aniquilar e não incorporar o diferente por medo de não serem mais o que nunca serão. Tanto que, em canais midiáticos, se orgulham de "não ensinar técnicas, mas escrituras" - sempre perfeitas em si-mesmas. Lembra da frase clássica das formações de yoga dos anos 2000 (ou até hoje, sei lá): “o Hatha prepara para o Raja?”. Se você só sabe ensinar Hatha (= posturas e outras técnicas) não é assim tão yogin. Yogin mesmo, “são aqueles que ensinam Raja e Jnana” (yoga da nobreza e do conhecimento, respectivamente).


Há um pensamento selvagem yoguico, indomável, que não pede explicação mas constrói sentidos; aqueles sentidos que não podem ser ditos de outros modos. Então, ao invés de buscar origens, que se alcancem os sentidos da relação yoga-humano e suas populações. Pensemos, para facilitar aos sedentários, que todos bebemos de uma mesma cultura “universal” mas experienciada por naturezas|corpos (sobretudo o sem-órgãos) diferentes. Corpos|naturezas praticando yoga como uma máquina-de-guerra produtora de conceitos ou “símbolos que representam a si mesmos”.


O yoga posto em movimento (yogar ou práxis yoguica), como prática de sentido, é um dispositivo autorreferencial de produção de conceitos.


Por tudo aqui exposto em formato de ensaio, não quero explicar um yoga-Outrem qualquer (indiano hindu, indiano jaina, egípcio kemet ou brasileiro restaurativo), isso deixemos aos sedentários, lancemos-nos, nós nômades e selvagens, a compreender e expor a boniteza de multiplicar o meu e o seu mundo yoguico com os deles. O yoga-Outrem continuará lá (eterno em seus devires) e o meu e o seu, aqui, eterno também, todos em devires. Os yogares, quaisquer que estejam sendo, são povoados de “todos esses exprimidos que não existem fora de suas expressões”.



A tradição do yoga não mora num|a yogin latino-americano|a filiado oficial de uma escola ou linhagem, mas justamente naqueles, encharcados de yogas, pois inventam soluções criativas para seus problemas reais de seu próprio mundo; eles sempre emergem do fundo do rio com pedaços de novas terras para yogar na sua cartografia. Yoga não é uma questão de como ser eles, pois isso é esquecer de quem estamos sendo. Yoga vive em sermos nós (yuj: ligar, conectar, atar, religar) com eles e|em nosso meio, não no deles.



Referências:

VIVEIROS DE CASTRO, E. 2009. O inimigo no conceito. In: Metafísicas Canibais. São Paulo: Cosac&Naify. p.217-231


Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Atualizado: 2 de ago. de 2022



É, pois, mui difícil escapar dos aparelhos de captura, os Yogas-Estado. Mas compreendo também o medo que se forma (e encarna, e haveria outro jeito de sentir medo?) em corpos yoguicos trans-formados por yogares sedentários e sedentarizantes; e aqui brinco com a ideia das perspectivas transcendentalistas yoguicas lutando entre si em busca da razão ou verdade, mas aniquilando o diferente: não importa se duais ou não-duais, aos transcendentalistas só um pode conVIVER.


Entre yogins nômades o desejo não é de aniquilação do diferente, mas comê-los num banquete ritual. O outro não morre e nem aquele se torna replicante deste: é a vespa e a flor: yogas como aliados.


Sempre que ouço (e isso é mais frequente do que gostaria e mais próximo do que esperaria): "só há um yoga" ou que "há vários, mas a raiz é a mesma", me pego perguntando que ainda não está óbvio que o yoga-darsana de Patanjali, o yoga-natha de Goraksa, o yoga-aghori de Dattatreya ou o yoga-vedanta de Shankara (?) não são a mesma coisa? Eles diferem tanto entre si, como ainda resiste o delírio de serem iguais? Mas há sempre um: “mas a RAIZ é a mesma”. Eu espio no fundo do olho, e digo: "Você se refere as técnicas, aos conceitos, aos livros, a geofilosofia... qual raiz é a mesma?".

Essa suposta raiz e obsessiva busca do big-bang yoguico é pura especulação imaginativa. O que está por trás dessa contenda é fruto do próprio racionalismo que herdamos (nós, latino-americanos) de europeus colonizadores que visavam tornar tudo e a todos como eles (ou em espectros inferiores: um quase-eles). Entenda, nenhum yogin indiano (na verdade, penso que nenhum yogin mesmo) se preocupa com isso. A real “raiz do problema” (me perdoem o trocadilho) é o pavor das desintegrações estruturais que a falta de filiação replicante extensiva causa nos yogins sedentários e|ou edipianizados: o desejo em looping pela volta de um passado idílico que nunca viveram, uma espécie de “céu yoguico”.


Há uma paranoia na interpretação ao invés de experimentação dos pensamentos yoguicos. Os paranoicos (capturados pelo essencialismo: desejam Ser ao invés de vivenciar o Estar) e|ou neurotizados (capturados pela falta: desejam ser Plenos, temendo as oscilações do caos) pelos Yogas-Estado. Mais simples (talvez), estes imaginam necessitar, antes de qualquer coisa, mudar seu plano de consistência (e com isso seus nomes, se vestem diferentes, pintam bindus na testa, falam em línguas estranhas, cultuam deuses novos…) pois, removendo tudo o que são, passam a sentir Yoga. Mas sendo Nadas, percebem o vazio em que vivem, passando a desejar o que nunca serão, capturados estão agora.


Propomos algo diferente, não se desfazer do que se já é, mas, nesse Tudo que estamos Sendo, aliarmo-nos a um YOGAR para fazer passar algo novo, inesperado e reaprender a retomar o processo criativo da vida: nem vida de camelo que carrega os valores de outros nas costas, nem apenas se rebelar disso tudo na vida de leão, mas devir-criança. É uma mudança de paradigma experiencial e não intelectivo racionalizante de categorias normativas. Em outras palavras, vivenciar essa multiplicidade de yogares como rizoma e não raiz.


As capturas capitalistas do yoga estão mais próximas dos yogas-Estado do que os yogas-Aldeias nascidos de ventres yoguicos nômades, pois não se domina yogins em movimento, artesãos de corpos - corpos de yogins rebolativos, corpos de yogins restaurativos ou periféricos. Não é o caso também de imaginar os yogins dotados de uma neurofisiologia peculiar, todos nós possuímos a nossa, somos singulares por natureza - mesmo o mais sedentário dos yogins, é único. Se trata aqui dos modos que os conceitos yoguicos operam, sejam eles hinduístas, budistas, jainistas, do norte ou sul da Bahia, Tocantins, zona norte fluminense, sem ou com motrizes indianas. São infinitas as estéticas de existências yoguicas.


Essa perspectiva é mui diferente do que os yogins-interpretes pensam ser|estar. Não é uma questão em delimitar o que é ou não (o que pode ou não) ser considerado Yoga, mas dos conceitos que os diferentes yogins (aliados e não interpretes ou representantes de algum Yoga-Estado) formularam sobre o mundo, diferentes entre si.


Yoga é revoada de pássaros, você encontra seu contorno, mas não é fixo, enquanto os pássaros se movem constantemente, o yoga-revoada pode se desfazer a qualquer momento, abrindo outras linhas-de-fuga yoguicas ou não-yoguicas mas inspiradas em - veja o Pilates e os diferentes métodos de alongamento da Educação Física.


Cada yoga-pássaro é um yogar singular, mas que juntos são Yoga. Yogares-pássaro são modos ou linhas-de-força yoguicas. Existiriam bandos de yoga por aí, cada um agenciando yogares-pássaros novos?


Alguns yogas-pássaro podem morrer pelo caminho, ser devorado por um yoga-predador ou qualquer outra força da natureza; outros yogas nascerão e se juntarão ao bando, outros se acasalarão e gerarão novos pássaros (veja Iyengar e Jois e o próprio Krishnamacharya); mas há também yogas que surgiram do poliamor entre animais de espécies diferentes, mas também na relação vegetal ou mineral de outras revoadas não-yoguicas, como os Nathas que nasceram de uma orgia: tantra, sufismo, budismo, alquimia, etc. Mil platôs.


Qual origem, quem foi o primeiro yoga-pássaro a começar a revoada-yoga, o mais forte dentre os que compõem um bando hoje? São perguntas tolas, pois yogares devem ser experimentados com o nosso pensamento no desenvolver do cuidar de si e não, necessariamente, na substituição de um Eu que nunca foi ou de outro Self Maior ou Menor que nunca serei. Você, eu e o rabo-do-tatu inter-estamos-sendo|somos. Yoga é aliado que agencia forças em relação tonal-nagual.

Atualizado: 30 de jul. de 2022


Livre não há ninguém. Somos todos capturados pela sociedade em que vivemos. São 3 categorias de captura: ou pela terra, pelo déspota ou capital. Provavelmente você, assim como eu, é cativo do capital.


Ser cativo é ter os desejos direcionados ou organizados de fora. Há uma organização social da realidade em que vivemos, e desde cedo isso ocorre, incorre, incorpora-se; por isso todo processo libertário é, mais do que exorcismo (que acompanha a ideia de higiene do corpo depositário do mal), metabolismo. Em processo de libertação aqui é, antes, metabolizado no estar à espreita do cativeiro, compreender seu funcionamento e como opera em nossos corpos essa servidão, muitas vezes, voluntária.


Aprender a cuidar de si, é uma maneira de viver com prazer e sem a culpa de ser|estar alegre. É raro todo aquele que vive em busca de sentido. Sem dúvidas é uma extravagância realmente se dedicar a essa luta, resistência ou tensão; não à toa, estes seres em luz, podem se sentir deslocados, sobretudo em coletivos marcados pela obtenção de lucro| vantagem em tudo, como a capitalista em que vivemos. Há ainda os corpos despóticos e os selvagens, mesmo que diferentes, estão capturados e necessitam vencer resistências, dores, alegrias e medos.


_Sensações e Percepções_


Somos mais que os órgãos, músculos e sangue que nos constituem, mas nunca mais do que um corpo. É que, nem tudo que nos afecta é percebido, muito passa (por nós: corpos) despercebido. Há infinitos mundos que não sentimos passar, são invisíveis.


Sensações são fluxos que, em contato com corpos, produzem estímulos psicofísicos que só serão compreendidos quando conscientes, ou seja, nomeados (significados: com sentido| signo), caso contrário, vivem e atuam inconscientes, mas ainda no corpo.

Percebemos então, o que é ou está nomeado, sabido, conceituado. O restante existe, é real, mas não é nada até ser percebido: conjunto de sensações cristalizados num conceito que vive dentro de um plano de consistência ou cartografia. Um cachimbo ou cadeira são, pois sabemos; e, aquilo tudo que nos toca, portanto, construímos uma ideia, pois experienciamos. As nossas experiências, ideias, vivências, todo acúmulo de tempo e duração que somos, são inventados dos encontros com outros corpos. Nossa ideia de alma ou mente, doença ou cura não passam de uma ideia do corpo que estamos sendo e de outros que nos aceleram, ventilam, pressionam, repousam... Até esse seu Eu|Self com nome, sobrenome, parentesco e CPF, não é, mas está sendo atualizado a cada encontro que lhe confirma ou não dele existir como entidade, dando identidade a você.

Tudo até aqui parece muito estranho, deslocado, extravagante que produz uma tensão e luta interna; tudo isso ocorre, pois, é um luxo, sem dúvidas, buscar dar significado as nossas vidas na compreensão do mistério do estar vivo (Fausto). São raros os privilegiados em dedicar um tempo a produção de si, ou melhor, do cuidar de si. Aqui, então, invertemos o senso-comum de uma vida luxuosa capturada; ou seja, o conceito de luxo (esse conjunto de sensações para formar a ideia de luxo) na coletividade capitalista onde você está cativo.

_Estamos sendo na travessia do rio_


Experimentar o estar sendo e não buscar um Eu|Self que imaginamos já ser, é dar a primeira braçada em direção à "segunda margem do rio". Parados na primeira margem, descuidados, nos matemos cativos dos "trabalhos portuários" que nos obrigam, nos mantendo alheios ao que está além da praia. Mas viver é perigoso e, navegar, preciOso.


O cuidar de si, exige primeiro compreender a tensão que habita nossa pele: do que se é e seus desejos, a organização que compõem nossos corpos sociais. Somos diversos corpos possíveis de estar sendo. Em segundo, agora de posse de um estar à espreita, aquele olhar vigilante e incorporado de si, navegar até o outro lado para se indisciplinar das posturas e descomposturas exigidas. Essa desorganização é necessária, pois acompanhada sempre de uma reorganização corporal: de se quem desejar ser.

O terceiro passo é aprender a estar sendo e não replicante dos seres|corpos do social. Cada corpo comporta uma postura que acompanha a perspetiva e os desejos desse ponto de vista. A terceira margem a ser alcançada é a do "fundo do rio". A primeira margem lhe organiza de fora; a segunda, possibilidade de sonhar com o que não deseja mais ser; agora, o afundamento rumo a terceira, lhe confere o tesão em retomar o processo criativo de sua vida. Em poucas palavras, cuidar de si (essa vida de luxo, aos raros) é voltar a ser criança. Daí que nasce a liberdade genuína e a imortalidade tão cantada por poetas, alquimistas e xamãs da vida vivida.

Seja Bem-Vinde

Você adentrou um espaço em desconstrução. Desacreditamos metafísicas, por isso bricoleurs ou feiticeiros do Yoga quebrando a demanda de todo maya que lhe enfeitiça. Mas entenda, tudo é maya.

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