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Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Atualizado: 12 de jul. de 2022


Maya é um conceito do campo do yoga que pode significar ilusão, mas também feitiço. Quando um yogin diz que alguém está vivendo em maya, podemos julgar que este foi enfeitiçado, iludido ou alienado (avidya: ignorância), pois não compreende suas dores e angústias.


Se há uma cura em que os yogins desejam alcançar, para si e outres, é o da ignorância causada por maya. Yogin, assim, é um “quebra-demanda”, desfazedor de feitiços|mayas. Ele é um {iniciado} na magia do “cozimento de corpos”.


Há, entrementes, 2 categorias de yogins: os que pertencem a um clero|igreja|Estado e os xamãs. Ambos (yogins clericais e yogins xamãs) alcançaram a “segunda margem do rio” ou Purusa.


Purusa ou “puro-observador” é um segundo conceito filosófico, par de Maya, deveras importante ao campo yoguico. Todo esforço (tapas) de um yogin para desfazer o feitiço-ilusório-maya, precisa alcançar a perspectiva do Purusa|Observador-Imaculado.


E aqui precisamos abrir um parêntese, um espaço liminar, experienciar o “entre”, como se fôssemos o próprio Purusa ou “O Imaculado”, aquele que não se {contamina} pelo mundo mediado e nem imediato ou imaginário.


Não se perde agora… Tudo o que conhecemos é o {percebido} de um fluxo sensorial que atravessa nossos corpos. Não percebemos (nomeamos: significamos) tudo que sentimos! Purusa, como parte do corpo, é um modo| modificação da Natureza| Deus(a)| Gaia. Todos os corpos, então, estão interconectados (rizoma) pela mesma Substância, mas, devido ao feitiço de maya vivemos numa ilusão como se fosse real: nos imaginamos separados do Todo|Natureza, mas isso é maya ou feitiço, pois muito passa despercebido por nós, mas mesmo assim nos compõe.


Todo yogin inventa-lhe um corpo imune a esse feitiço| fetiche do individualismo - ou pelo menos imagina que sim. Essa ressalva diz aos yogins clericais capturados por outra demanda forte: a da transcendência como ilusão. Estes se encantam com o absolutismo que o transcendente-maya os enlaça imaginando agora serem purusas imperturbáveis. Quase tode yogin-sacerdote acredita em Purusa como Ser fora do corpo, e este (o seu corpo), um empecilho ou “coisa” a ser purificada, desintoxicada ou exorcizada.


Yogins-xamãs afundam-se nas águas claras de Purusa em direção a “terceira margem do rio”. Eles atravessam Purusa| Espelho| Observador como Alice, Kopenawa, Sebastião e Don Juan o fizeram; alcançam a imanência para além da lâmina d’água do maya-transcendência. É na segunda margem que, muitos yogins-clericais fundam suas Igrejas. Os yogins-xamãs se afundam para a terceira margem.






Não há um “além de Purusa”, mas uma terceira margem através dele. O Purusa-Transcendental é negativo e o Purusa-Imanente é positivo. Um, nega tudo que não seja ele, enquanto o outro, absorve tudo sendo ele. O yogin-xamã ganha corpo, o yogin-clérigo é desincorporado. Sem corpo não sente e, ato contínuo, não percebe nada além do que reflete nele e seus signos: puro observador.


Purusa habita a segunda margem do rio vendo com o olho que tudo vê numa postura sedentária, absoluta, nobre e despótica. Yogins-xamãs são marcados pela terra|corpo e os yogins-clericais pelo déspota. Yogins-xamãs, esses selvagens primitivos, devoram todos os corpos mergulhando para o “fundo do rio” (afundamentos), por isso incorporam, se embebem de Purusa: loucos, praticam o canibalismo sacrificando Purusa e o incorporando (novamente).


Esse pensamento selvagem luta contra os Yogas-Estado e seus aparelhos-de-captura, são yogins-xamãs-guerreiros em suas máquinas-de-guerra traçando rotas-de-fuga, feitiços de contra-demanda ou decoloniais. Enquanto isso, o yogin-sacerdotal acredita em seu ponto-de-vista (como observador passivo) de Purusas universais, aqueles que “contém” todos os yogas. Já o yogin-xamã compreende todo ponto-de-vista como total, e nenhum sendo equivalente a nenhum outro yogar. Yoga-Darsana, p.e., é só uma perspectiva de um yogin brâmane; este é inteiro e completo, assim como o Iyengar Yoga ou o Nathismo Yoga. Nenhum complementa o outro, são todos perspectivas com suas próprias racionalidades ou “pensamentos selvagens” {plenos}. Nada falta ao yogar autêntico. A diferença é que os yogins-xamãs devoram os yogins-clericais, comendo-os vivos com suas letras, vocalizações e deuses, não para destruí-los como inimigos, mas para incluí-los na família: parentesco ameríndio.


Dito de outra forma, ao invés do ponto de vista de Purusa, o yogin-xamã devora-o como uma possessão ou antropofagia num “desequilíbrio perpétuo” ou {homeostase divina}. É somente da perspectiva yoguica do xamã selvagem que se encontra com a terceira margem de Purusa, vivendo a multiplicidade de yogas. Os que vivem na segunda margem, crentes no Purusa-Substância, temerosos do siddhi-canibal, fincam seus yogares em tradições, livros e clero. A liberdade e imortalidade do Yoga reside em {despachos-mat} feitos nas encruzas e cemitérios de lua escura, vestidos de ar e com seus colares de crânios.




Atualizado: 30 de jul. de 2022




Os povos originários ameríndios vivem por aqui há mais de 50mil anos. São descendentes de corpos asiáticos, afirmam antropólogos e arqueólogos. Isso já supõem uma ancestralidade bem anterior as filosofias indianas e, obviamente, greco-romana. Este ensaio pressupõe yoga, como algo além das tecnologias que chegaram a nós, existentes modernos podemos pressupor.


Aos nossos ancestrais originários das Américas, todos e tudo que existe é humano, o que diferencia-se são os corpos. Isso amplia (em verdade, resgata) o “ponto de vista da imanência, e não apenas seu conceito”. Mais simples, o que varia é a natureza e não a cultura. A ideia dominante hoje entre a “cultura” yoguica moderna, é a dos yogins como xamãs com o poder|siddhi de transformar seus corpos para aprender a “ver” quem se realmente é (“mente”, alma, purusa). O que é verdadeiro: cada corpo (natureza), variando, observaria o mundo (cultura) diferente e criando “mundos outros”.


Entrementes, a perspectivista ameríndia inverte essa lógica: a cultura é constante, o que muda são os corpos, portanto, o ponto de vista do “visto”. Isso é o que muitos diriam ser relativismo: uma realidade fixa|dada, portanto, “natural” que, variando a “posição” dos corpos que as veem, criam suas próprias culturas. Os povos originários das bandas de cá afirmam que não inventamos culturas, mas corpos. E essa forma de existência pode auxiliar a repensar os yogas, yogins e yogares.


Yoga então, seria uma tecnologia sinestésica de metamorfose corporal (naturezas), pois as culturas não se alterariam nunca. Somos todos e tudo “gente”, mas em corpos diferentes. A busca yoguica não estaria (na perspectiva ameríndia original) “quem eu sou”, mas “quem estou”. Você pode estar mais peixe, jiboia, onça ou macaco do que gente. Sua alma sempre humana, mas seus afectos (corpo) mais próximos de um elefante (Ganesha?), rio (Ganges?) ou macaco (Hanuman?) do que de um homem moderno.


Cozendo seu corpo no “fogo do Yoga”, como afirma textos antigos do hatha-yoga, um yogin adquire o poder de se afectar (metamorfose mais do que processo) por outros corpos. Este yogin-xamã morreu, por isso imortal. É um nômade de corpos-afectos, pois aprendeu a viajar pelas afecções corpóreas. Neste ponto não estamos mais sozinhos ou isolados (cada um no seu “mundo criado” ou sujeito), mas seu oposto, todes condenados a estar juntos; onde só yogins autênticos seriam capazes a se “isolar” (kaivalya?), momentaneamente, como um reconectador de corpos desgarrados de seus afectos: um {healer}.


Uma serpente se vê humana, assim como um espírito (ou espectro); mas ambos (serpente e espírito) veem humanos como não-humanos. Do mesmo modo que um homem moderno vê muito pouca humanidade numa aranha, espectro ou orixá (sobretudo se for um corpo com afecções neopentecostais da igreja Reino de Deus).

O pensamento aqui deixa de ser antropocêntrico e passa a estar em antropomorfismo. O que para freudianos ou lacanianos pode aparecer uma infantilidade do mundo Disney: “ver sua própria figura em tudo: pedras, rios, animais e espíritos sendo humanos”; se revela, em verdade, em seu oposto, pois o humano não é mais especial, um ser único no universo, mas só mais um. Sua espécie (a de humanoide) não é superior à dos chimpanzés, pois a cultura é a mesma entre eles, o que se diferencia são suas naturezas ou corpos (morfologias e fisiologias).


Se alguém começa a “ver” vermes numa carcaça como peixe grelhado, este está se transformando em urubu (corpo sendo metamorfoseado). Provavelmente sua alma|”mente”|espírito|purusa(?) foi roubada pelos urubus, já morreu ou (dando na mesma) está se transformando em xamã (yogin?) — pois xamãs e mortos-vivos gozam de uma “dupla cidadania”. Em suma, todos os seres representam o mundo da mesma maneira (cultura =), mas o mundo em que eles veem se alteram pelo corpo vestidos (natureza ♾).

A pluralidade, portanto, é de corpos e não mundos. Yogin aqui é um metamorfoseador de corpos para ver outras representações de mundos (mayas), mas é a humanidade que está de fundo (yuj = reconexão). Por isso a importância em reconhecer (e nos outros corpos) quais afectos que atravessam (encontram) cada “espécie de corpo”, suas potências e disposições: “o que come, como se move, se comunica, onde vive, se é gregário ou solitário, tímido ou agressivo (…)”. Em suma, qual seu modo|modificação? Modo-jaguar, modo-Ganesha-elefante, modo-kundalini-tantra-serpente, modo-Hanuman-macaco, modo-rio-Ganges, modo-tigre-Shiva (…).


O corpo do yogin-ameríndio ancestral é o local e instrumento para “ver” ontologias (estudo do ser) variáveis e epistemes (estudo dos modos de conhecer) constantes.

Estes yogins-xamãs da América ancestral visam “não perder de vista a diferença oculta nos homônimos equívocos que conectam-separam nossa língua e a das outras espécies”. Mais do que o animismo dos cientistas de “humanas” dominantes (que acreditam que tudo tem alma), o perspectivismo dos cientistas de “corpos” partem já de que tudo existente tem alma de “gente”.


Yogins ameríndios são {restauradores} de corpos que, metamorfoseados em outros corpos, visitam (ou vestem) outras perspectivas (modos) para restabelecer, quando preciso for, afecções humanas capturadas pela ignorância (avidya). Eles se restauram como gente humanizando perspectivas de mundos.



Atualizado: 21 de jun. de 2022


Introdução


O malandro é uma personagem muito conhecida na cultura brasileira. Quase sempre anda no fio da navalha, entre o desonesto que se aproveita da ingenuidade alheia e a sapiência e vivacidade de quem aprendeu a viver uma vida que valha a pena, inventor de sua própria ética, que não a hegemônica. A própria etimologia da palavra malandro acompanha um "viver de um jeito outro". Malandre, palavra de origem francesa, designa o nome de uma sarna que acomete as juntas de cavalos, modificando o andar "correto" do animal. Há ainda o termo malandria, do latim vulgar, que refere a negro (do grego melas), pois é a cor da pele de doentes com hanseníase, afastados do convívio social. Todos estes, entrementes, se referem ao não trabalho, o ócio e, mais do que isso, de outras maneiras de "ganhar a vida", um "mal andar" ou "mau jeito", uma vida não-convencional (ver DaMatta 1997, posição 2408).


A expressão se incorpora ao contexto brasileiro, sobretudo, no período mais disciplinador da política populista, durante o governo do Presidente Getúlio Vargas (entre os anos de 1930-40), quando institui novas leis trabalhistas num Brasil em franco desenvolvimento de sua fase agrária, predominante, para a industrial. Segundo Dantas (2003), a malandragem pode ser associada ao caráter mestiço do brasileiro e a sua "debilidade" e "repulsa" ao "espírito moderno" do trabalho: "todo malandro é um mestiço que não quer trabalhar". Do mesmo modo como a personagem caricatural do indígena (e o próprio latino-americano em si) em filmes hollywoodianos são, "malandramente", preguiçosos e alheios à ética da prosperidade. O malandro habita o ethos limiar dessa lógica industrial e produtiva do explorador-explorado, que se consagra em sua ambivalência, entre os sambistas pretos e marginalizados dos morros cariocas, sobretudo a partir da clássica Ópera do Malandro (1978), do artista brasileiro Chico Buarque, peça ambientada nos anos de 1940. O malandro se pergunta: "se quem trabalha é quem tem razão, porque então vive sempre pobre (como eu) mesmo se matando de trabalhar?". O malandro é um questionador, cético e crítico à norma vigente.


A malandragem, portanto, desarticula a lógica ordenadora de corpos sociais, mais do que promotores da desordem, inventam novos jeitos de viver. Eles representam linhas-de-fuga possíveis frente à alienação de uma posta organização exterior de uma vida social, política e espiritual normativa (Deleuze & Guatarri 1995, p.16). O malandro é um artista, como consagrado na personagem dos sambistas periféricos, favelados, pobres e sem perspectiva de ascensão social; por isso buscam levar uma sua vida "sem se matar de trabalhar", vivendo da poesia, da música e de pequenos "bicos", mas sem se fixar numa "carreira profissional promissora". Aprendem a interpretar a dura realidade dos que estão à margem da sociedade. Essa postura malandra, de um viver nomádico, logo ficou associada a vadiagem, homens e mulheres sem caráter, todos os que mantém uma postura subversiva da promessa de ascensão social pelo trabalho, consumismo e meritocracia. É aquele indivíduo (não sujeitado) à espreita das engrenagens que movimentam as classes sociais, porém, ao invés de resignar-se a norma estabelecida, inventa outros modos de vida possível - sem infringir as leis, pois esse não é malandro, mas desonesto.


Yogis Malandros


A partir da virada do século XIX-XX, yogis indianos, sobretudo hinduístas, sob jugo do imperialismo britânico, reinventam seus yogas. Agora influenciados pela fisiologia biomédica sobretudo, ganham contornos "científicos". Nasce desse processo os Yogas Modernos (Alter 2004; De Michelis 2004). Estes yogis modernos, como Vivekananda, Sivananda, Kuvalayananda, Jois e Iyengar (dentre outros) transplantam suas perspectivas singulares yoguicas, pela primeira vez, a novas cartografias sociais, religiosas e políticas. Eles (aparentemente) se desvinculam do misticismo espiritual indiano (sobretudo hinduísta) e se aproximam à lógica e pragmatismo "ocidental", próximos ao espírito do capitalismo.


Os desvios promovidos pelos yogis modernos indianos tornam bem mais difícil classifica-los na tipologia "clássica" que acadêmicos europeus trabalhavam, inspirados pelo Bhagavad Gita. Onde "encaixar" o Asthanga Vinyasa Yoga de Pattabhi Jois? É um yoga devocional (bhakti), postural (hatha), meditativo (raja) ou tudo ao mesmo tempo? Os primeiros especialistas europeus e norte-americanos em yoga (George Feuerstein, Mircea Eliade e Henrich Zimmer) classificam, negativamente, todos os yogas nascidos da renascença indiana, como neo-yoga, por sua forte ênfase ao aspecto das posturas. Uma segunda geração de pesquisadores em yoga (todos europeus e norte-americanos ainda), inventam e legitimam-no como Yoga Postural Moderno, resgatando a dignidade yoguica dos "neo-yoguis" (Singleton 2010, p.208-209). Os yogis indianos modernos, por sua vez, transplantam seus yogas posturais para cartografias espirituais não-hinduístas. Seus yogas, portanto, passam por inovações e readequações, ou seja, desviam-se de seus desvios. Nasce desse processo (em andamento ainda), yogas de matriz não-indianas com sincretismos novos espirituais, sociais, políticos e econômicos.


Entre os latino-americanos, ao contrário dos norte-americanos e europeus, o yoga nos foi apresentado pelas mãos de yogis de matrizes espirituais não-indianas. São místico(a)s da teosofia, rosa-cruz, martinismo e maçonaria que nos apresentam à cultura yoguica (SIMÕES 2018; MUNOZ 2020). E demorou quase 60 anos para que um yogi postural moderno indiano nos visitasse, o que significa termos desenvolvido yogas bem particulares e de forte sincretismo (e hibridismo) com nossas próprias influências espirituais. No Brasil, especificamente, possuímos imbricações yogicas em terreiros de umbanda, onde pretos-velhos percebem o desencantamento energético no chackra da garganta de seus consulentes e assopram fumaças de seus cachimbos encantados para "reequilíbrio de prana". Do mesmo modo, já é comum a entoação do mantra Om ao final de um Pai-Nosso ou Salve-Rainha em igrejas do Santo Daime.


Esses desvios à tradição espiritual hinduísta do yoga no Brasil, não são descaracterizações destes ou "yogas exóticos", mas novos jeitos de se viver yoga, do mesmo modo que os yogis modernos surgiram na Índia com Vivekananda, Sivananda e outros, antes neo-yogis e hoje, posturais modernos. São malandragens yoguicas, jeitos novos para se firmar como possíveis de serem aceitos na cultura em que se aproximam.

Poderíamos citar algumas ordens espirituais yoguicas do período medieval indianos que, malandramente, desviaram-se do sistema de castas sustentadas pelas escrituras sagradas hinduístas, transformando hindus de castas inferiores em santos, algo impensável sem antes serem "cozidos pelo fogo do yoga" (Lorenzen & Muñoz 2011; Muñoz, 2014, p.481-83). O próprio Buda histórico é exemplo de outro yogi malandro que, dedicando-se por anos a ascese hatha-yoguica de ordens errantes, inventa uma nova ética religiosa (budista) para fora dos ditames hinduístas, eliminando o sedentarismo social e espiritual imposto pelo Vedas na sociedade indiana hinduísta aos convertidos ao seu novo modelo de vida.


Há em todo yoga tradicional uma alma malandra. Todo "clássico", "bhakti", "postural moderno", "acro", "yin" ou qualquer outra definição contemporânea, moderna, medieval ou antiga é um yoga sedentário que viveu seu momento nômade (em transição experimental) até se incorporar em um jeito singular de se viver yoga.

Considerações finais


Nos anos que levei investigando a transplantação do Yoga ao Brasil me deparei com novos conceitos que ultrapassavam os da sua doutrina “clássica”: o "estresse yoguico", por exemplo, ganhava contornos de klesas (obstáculos à ascensão espiritual), "relaxamento espiritual" similar ao samadhi e kaivalya conquistava status de uma espécie de "homeostase divina". Relutei muito pra compreendê-los como desvios alegóricos e não simples adaptações metafóricas. Me explico melhor, uma adaptação metafórica é tentar ser algo que era, mas não encaixa mais, por isso invento um outro modo de expressar o mesmo conceito. Desvio alegórico ou linha-de-fuga é como uma dobra, um drible, outro jeito de expressar conceitos, uma malandragem.

Todo yogi malandro se afasta, segue uma vida nômade, pois sê pleno, cessa a busca encontra-se com vida pulsante sendo, nunca ser. Não há, portanto, um yoga nômade, mas yogis em nomadismo, agindo de forma malandra, até cristalizar-se numa forma sedentária. Yogis nômades, como Patanjali e o seu darsana-yoga, Goraksa e o Hatha-Yoga-Natha ou Patabhi Jois e o asthanga-vinyasa-yoga, malandramente, antes de fixarem-se em seus yogas sedentário, explorararam cartografia outras, experimentaram novos corpos e seus afectos, enquanto em nomadismo. Todos yogas (Hatha, Jnana, Asthanga, Yogaterapia ou Kemetic) foram invenções de yogis malandros, experimentando vidas yoguicas nômades, até se cristalizarem-se e adotarem vidas sedentárias. Desse modo, é lícito pensar na tessitura rizomática yoguica desdobrando-se infinitamente e, ao contrário do que se pensa consensualmente, a "raiz" das tradições do yoga é fluida e em eterno cozimento.

Referências


Alter, J. 2004. Yoga in Modern India: The Body Between Science and Philosophy. New Jersey: Princeton University Press.

Da Matta, R. 1997. Carnaval, Malandros e Heróis. 6a. Ed. (Digital). Rio de Janeiro: Ed. Rocco.

Dantas, A. 2003. Malandro que é Malandro. Morpheus - Revista Eletrônica em Ciências Humanas. Ano 02, número 03.

Deleuze G. & Guatarri F. 1995. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol.1. São Paulo: Editora 34.

De Michelis. 2004. A history of modern Yoga: Patañjali and Western Esotericism. London: Continuum Books.

Lorenzen D. & Muñoz A. 2011. Yogis heroes and poets: histories and legends of the Naths. New York: Sony Press.

Muñoz A. 2014. Gorakhnāth: el yoga-bīja, o el germen del yoga. Estudios de Asia y África xlix: 2.

Muñoz A. 2020. Yoga in Latin America: a critical overview. In: O’Brien-Kope K (ed) Newcombe S. Routledge handbook of yoga and meditation studies, London, pp 634–660

Simões R. 2018. Early Latin American esoteric yoga as a new spirituality in the first half of the twen- tieth century. International Journal of Latin American Religions 2:290–314

Singleton, M. 2010. Yoga Body: The origins of Modern World, Contemporary Perspectives. London: Routledge.

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