Surfar de peito, pranchão, pranchinha, bodyboard, stand-paddle, com bóia, canoa havaiana ou de kite-surf; são todas formas de surfar. Formas que existem e outras tantas não citadas ou ainda a serem inventadas. O que define surf não é a forma (apenas com o corpo ou alguma “prancha”), não é o swell que entra, vento que sopra ou geografia da praia, mas como o surfista é afetado e afeta o surf.
Um cavalo que puxa carroça está muito próximo de um boi do que um cavalo de corrida. O que define o cavalo não é a sua forma, mas seu “jeito” de viver, ou seja, de afetar e ser afetado por outros corpos e mentes.
Mas há um consenso (uma hegemonia dominante), portanto, uma construção narrativa do yoga enraizada que sedentariza yogi(ni)s brasileiros do que é ou não yoga. Por outro lado, há uma via alternativa de resistência e contrária a essa que yoga (ou no verbo “yogar”), sobretudo quando se diz: “nem sabe que agora está praticando yoga, mesmo sem ler em sânscrito e praticar asanas e kriyas”. Ao invés do consenso, há o bom-senso do yoga que vem traçando linhas-de-fuga criadoras de novas “formas” de yoga. Na analogia com o surf e o cavalo acima, que inventa novas formas de se afetar e ser afetado pelo yoga além de suas formas moralistas ou ritualísticas.
Este ensaio pretende não desvelar as apropriações “indevidas”, apontar as “deturpações” e contradições de yogas de matriz não-indianas; pois esses são os yogi(ni)s produtores de consensos e das super-estruturas yoguicas hegemônicas. Buscamos antes, pensar Yoga e suas auto-organizações que dialogam com os problemas reais das coletividades em que vivem e não aproximar dos yogins de pescoços virados que só conseguem olhar para trás.
O yoga não está nem na “coerência implícita, nem uma incoerência definitiva”, mas nos mil platôs de vidas yoguicas possíveis. Ele vive, pois se transmuta. Foi assim com o Yoga de Patanjali, transmutado em darsana; com o Yoga dos Nathas, transmutado em hatha-yoga; com o Yoga de Vivekananda e seu Yoga-Moderno; Hermógenes e seu Yogaterapia, fruto do diálogo entre sua vida, turbeculose, religiosidade cristã-espírita e os demais encontros que o afetaram. E quantos foram afetados por estes yogis, numa linha infinita e rizomática de encontros. Não há consenso, mas bom-senso costurando a filosofia aberta dos yogas.
O Yoga não é nada, mas pode ser tudo. É na função criadora que o yoga-filosofia assume em relação as outras formas de filosofia ou jeitos de se viver e explicar a realidade. Em outras palavras, as super-estruturas yoguicas (formas) surgem das soluções que yogi(ni)s-filosofes (sobretudo os não consensuais, pois estes se locomovem pouco) inventam para problemas reais do seu tempo histórico (político, econômico, social). Dependendo de como a coletividade em que vivem estão sendo afetadas e afetam-se por isso, criam (desejam, precisam) novos modos de viver; são desses encontros e problemas (dukkha?) que outros yogas-forma surgem: yogaterapia, Iyengar-Yoga, Método de Yoga Restaurativo, Yoga Marginal, Asthanga Vinyasa, Kemetic Yoga...
Mesmo que identifiquemos reminiscências da magia e do Samkhya no Yoga de Patanjali, Vedanta Advaita e Tantra no Hatha-Yoga, Biomedicina e Marxismo em algum Yoga Moderno, não são partes, mas matéria-prima para um novo yoga (super-estrutura) surgir. Yoga não é um fóssil.
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Yoga é tomar consciência e agir, e não rememorar e repetir. Os vrttis (“turbilhão da consciência|citta) não são o problema. Se busca os aquiescer para compreender (em um processo lento e gradual) como estes nos afetam e dirigem nossos afetos aos outros e a nós mesmos. Mais simples, eliminar a ignorância|alienação (avidya), ou nos tornar conscientes, de nossas ações.
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Antes disso ocorrer, somos autômatos, vivemos de forma consensual como se houvessem forças “sobrenaturais”: fora da minha cartografia de afetos possíveis de alterar, pois transcendentes. Até que você realmente acredite, se torna hegemônico essa ideia (ou ideologia), que somente seu guru ou mestre tenha o “poder”(?) de libertar você dessa ilusão (maya). E aqui há 2 gigantescas inverdades: 1. Que haja uma hierarquia, o que manteve as castas legitimada pelo discurso hegemônico (consenso) das “escrituras” e de seus guardiões brâmanes; e 2. Haverá um dia o fim das ilusões como grande objetivo do yoga. Mas as hierarquias são uma forma de dominação que vivem ainda hoje no yoga e as ilusões nunca acabarão, mas a sua ignorância de quais lhe atravessam o que se busca. Só para depois você criar a sua.
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Em suma, o yoga, como filosofia aberta, pode possibilitar você a: 1. Se livrar dos aparelhos de captura das instituições yoguicas (as formas ou super-estruturas institucionalizadas que ditam o que você deve desejar); e 2. Possibilitar a você (yogin-filósofe) construir seu yoga ou, ao menos, ter consciência da estrutura|forma yoguica ao qual vive hoje, buscando bom-senso e fugindo do consenso.