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Atualizado: 11 de mai. de 2020




Algumas Respostas

O yoga como um novo fenômeno religioso está em expansão. Desde o meu mestrado venho acompanhando tanto os seus desenvolvimentos e estratégias proselitistas, como da sua aproximação com a ciência biomédica para se legitimar e ser aceito nas sociedades latino-americanas. Enquanto entre os anos de 2011-2015 (período do mestrado e doutorado) percebia três mecanismos-estruturais-estruturantes dos quais as instituições yoguicas brasileiras se utilizavam para divulgar e se manter financeiramente: 1) cursos de formação e workshops de professores de yoga/meditação, 2) Viagens/peregrinações a locais de culto/sagrados, e 3) Comercialização de produtos (como cd’s, dvd’s, livros e etc). Hoje (2019), observo o surgimento de um quarto mecanismo-estrutura-estruturante: a 4) Organização/Produção de eventos. Em outras palavras, esse novo mecanismo conjuga dois anteriores, mas se configura diferentemente: 1) pode acontecer num local retirado dos grandes centros urbanos, e se constitui uma zona 2) de comercialização de produtos. O mecanismo yoguico produção de eventos se assemelha muito aos grandes encontros, festivais e congressos holísticos da cultura religiosa Nova Era, onde as experimentações corporais estão como foco, mas aqui, no caso do yoga, se diferencia pois é organizado apenas ao microuniverso do yoga. Em outras palavras, a pluralidade “errante”, característica nova era, fica ausente e a organização/produção do evento converge apenas aos elementos sociais religiosos do yoga. Em poucas palavras, é exclusivo e singularmente projetado para yogues/meditadores.

Outro aspecto respondido com a pesquisa são linhas de fuga que o yoga vem traçando para não se enquadrar como religião. Como as instituições religiosas a todos os atores sociais advindos da cultura religiosa nova era são percebidas com a “validade vencida”, é muito comum ouvir que o yoga é “espiritual, mas não religioso”. O cerne dessa atitude (espiritual, mas não religioso), esclarece Andrea Jain, jaz na disputa do Yoga moderno pela hegemonia do campo social religioso disputado com as religiões dominantes. Enquanto na Índia o yoga pertencia ao dossel religioso hinduísta, dominante naquele país, o Yoga moderno, desvinculado do hinduísmo e habitando cartografias religiosas diferentes, se vê impingindo a buscar novas estratégias proselitistas.

A própria argumentação acima (da validade vencida) deixa evidente esse aspecto de deslegitimação de outras expressões religiosas. Paradoxalmente, esse tipo de argumentação, que visa aniquilar a legalidade do outro no mercado religioso em que vive e disputa, volve o yoga (pensado como “espiritual, mas não religioso”) em um paradoxo que o inferioriza e eleva sua posição de colonizado. Dito de outra forma, os yogues não desconsideram as religiões como legítimas, pois se fosse assim, o hinduísmo deveria não existir tanto quanto o cristianismo; mas não é esse o caso. Por outro lado, se apenas algumas instituições religiosas, como o exemplo da Igreja Universal do Reino de Deus, estariam inválidas aos yogues modernos, quais os critérios? Se ainda assim o for, como é comum entre os yogues-da-rua: estas ou aquelas religiões doutrinam ou possuem dogmas; o yoga seria igualmente inválida, pois como não considerar dogmático uma escritura como o Hatha-Yoga Pradipika, redigida por Shiva, um deus do panteão hinduísta? Em suma, o discurso contra afirmativas do yoga como um novo fenômeno religioso, comum na fala dos yogues e (cientistas da religião modernos) funciona, ao mesmo tempo, no tentame de aniquilação de narrativas que disputam com eles o campo social religioso e, paradoxalmente, replica o discurso colonialista que os primeiros yogues modernos indianos lutaram tanto para desfazer no período histórico da renascença indiana.

O último ponto importante, transita no âmbito do meu trabalho histórico em enumerar os cinco principais personagens da história do yoga latino-americano. Mas não apenas de cunho historicista, o foco da pesquisa na vida e obra destes é aventar as influências nas gerações futuras. Estes cinco atores sociais, continuam gerando certo habitus aos yogues modernos brasileiros, por exemplo. Enumeramos em seções anteriores as suas influências: 1) a presença cada vez maior do Yoga/meditação nas escolas e centros de saúde e hospitais públicos e privados; 2) o desenvolvimento crescente de Igrejas Yoguicas, servindo até mesmo como estrutura organizacional para promoção de outras religiões, como é o caso mais óbvio do budismo, mas outras nem tão evidentes assim, como a situação do sikhismo sendo difundido com o nome de 3HO Kundalini Yoga; e, por último, mas não menos interessante, a legitimação do yoga como religião acontecendo via correntes religiosas nativas que retornam à Índia e convertem yogues indianos. O exemplo mais interessante é o surgimento da organização religiosa Awaken Love, do yogue brasileiro Sri Prem Baba. Prem Baba sincretiza elementos da religião brasileira Santo Daime, como a inclusão da beberagem da ayahuasca em práticas de yoga, assim como a substituição dos hinários católicos, base do culto daimista, pelos dos mantras hinduístas.

9. BIBLIOGRAFIA

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Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Atualizado: 11 de mar. de 2020


Perguntas não respondidas

Como adiantado no início da seção anterior, a área de investigação do yoga/meditação fora do âmbito terapêutico e “exegético” de suas escrituras ainda é escasso entre os cientistas da religião latino-americanos. Por isso mesmo, as questões se avolumam no aguardo de pesquisadores interessados na temática. Uma das questões mais prementes é o fato social do yoga/meditação não disseminar-se com tamanha força nas periferias das grandes metrópoles em que seus praticantes/professores se multiplicam. Seria pois a teologia do desapego e da não-violência não faz sentido àquela população; ou, por outro ponto de vista, a teologia da prosperidade dos evangélicos refreia o avanço de uma outra narrativa religiosa? Digo isso analisando alguns sites evangélicos, onde fica notório que seus atores sociais já perceberam o avanço do yoga/meditação como um novo “concorrente” que oferta novos bens de salvação, muitas vezes se antagonizando frente aos deles. Igualmente como também já é possível compreender tentativas de “evangelizar” o yoga e suas escrituras, como as aproximações do yoga/meditação com parábolas bíblicas ou de Jesus Cristo sendo um grande yogue.

Contudo, estas aproximações entre yoga e cristianismo não é algo novo e os próprios yogues indianos foram os primeiros a fazer tal procedimento ainda no final do séc.XIX, no período histórico indiano conhecido como “renascença indiana”, como o fez Ramakrishna, para citar apenas um exemplo. Mas esse hiato entre as populações economicamente menos favorecidas no Brasil (para afunilarmos nosso objeto) e os núcleos sociais mais abastados, acontece por quê? Seria uma ressonância dos primeiros yogues que transplantaram via instituições esotéricas como Maçonaria, Rosa Cruz, Martinismo e outras, reconhecidas socialmente pelo seu caráter elitista que hoje repetimos? Essa é uma hipótese que exigirá um novo fôlego de pesquisa, mas sem dúvidas, ainda continua sem uma resposta à altura de sua problemática.

Outra questão que me deparo desde o meu mestrado, e se mantém, é porquê a academia possui tanto relutância em investigar o yoga/meditação como um novo fenômeno religioso em desenvolvimento? Qual o motivo dos cientistas que se debruçam em investigar o yoga/meditação dedicarem-se, quase que exclusivamente, na tradução/interpretação de escrituras em sânscrito ou nas repercussões biomédicas de suas práticas psicofísicas sem qualquer diálogo na sociedade? Por quê são tão escassos aprofundamentos religiosos e suas influências sociais, políticas, econômicas e antropológicas do yoga/meditação? Será que os cientistas envolvidos (ou que poderiam ser) estão de tal forma absortos em seus achados científicos que se fecham a dialogar com outros campos? Ou, somos nós das ciências da religião que não conseguimos enxergar o yoga como algo já desvinculado do hinduísmo e da nova era? Outra pergunta hipótese que levanto esperando novas pesquisas, este quase total desinteresse poderia residir numa espécie de “conversão” de acadêmicos aos princípios do yoga que os impedem de uma visão mais isenta do seu objeto de pesquisa/devoção?

Essas e outras são perguntas legítimas, mesmo que inconvenientes, de se realizar. Pois uma coisa é fato, o yoga/meditação vem exercendo um certo fascínio entre cientistas biomédicos e sanscritistas (ver Herbert Benson, Kabat-Zin, George Feuerstein e outros) e amnésia/desinteresse entre cientistas da religião (e de humanidades em geral). Seria, talvez, pois convertidos ao yoga, estes não podem se declarar “devotos desta fé”, assim como entre alguns cientistas-cristãos que precisam ficar se explicando que os dogmas bíblicos não interferem no resultados de suas pesquisas? Mesmo carente de maiores dados, são provocações legítimas de se averiguar.

Novos problemas

Mesmo (ou em decorrência disso) sendo uma pesquisa pioneira, pensar sobre yoga/meditação como um novo fenômeno religioso no Brasil gera muitas questões a serem respondidas. O primeiro novo problema que se apresenta aqui está envolto na questão do ensino religioso nas escolas. É sabido que o yoga/meditação vem conquistando cada vez mais espaço entre escolas públicas e privadas como “técnica para relaxamento” e/ou “aumento de performance”; entretanto, quando o debate sobre a religiosidade do yoga se aprofundar, a fina película que recobre o yoga/meditação como secular e laico se romperá. Quando isso ocorrer, o delicado assunto da teologia do desapego yoguico e o seu proselitismo via o “cientificismo” que o domina atualmente, acenderá discussões mais acaloradas entre pais e a sociedade sobre seu papel na formação das crianças. Não é coincidência as diversas tentativas de volver o yoga/meditação cada vez mais afastado da sua (óbvia) espiritualidade e aproximá-lo da ciência biomédica e filosofia (empírica e não metafísica?), assim como entre os espíritas kardecistas no Brasil.

Outro problema, de certa forma atrelado ao anterior, é a inclusão do yoga/meditação nos postos de saúde brasileiros pelo Sistema Único de Saúde como terapia integrativa complementar e alternativa. Sendo o yoga uma religião, a “meditação yoguica” poderia ser ministrada por agentes de saúde? Será que o aumento dialógico sobre a religiosidade yoguica/meditativa e o fato do culto politeísta que o acompanha, assim como as “rezas” (mantras) numa língua distante (sânscrito) se coadunará em harmonia com as crenças dos usuários do SUS (grande parte evangélicos)? Ou, muito mais provável, o Ministério da Saúde no Brasil seja compelido a remanejar alguns vocabulários do yoga (como os próprios yogues indianos o fizeram século passado), assim como suprimir outros tantos elementos míticos do yoga, da mesma forma que o faz com o ayurveda (a tradicional medicina indiana), já incorporada nos postos de saúde brasileiros)?

Hoje em dia o yoga/meditação, basicamente, tem difundido as suas práticas e soteriologia em espaços privados conhecidos como “escolas de yoga/meditação” ou “estúdios de yoga/meditação”. Entretanto, é totalmente plausível, pela ótica da ciência da religião, compreende-los como igrejas ou instituições religiosas yoguicas. Nestas igrejas yoguicas, muito mais do que em parques da cidade ou espaços mais plurais, como nas inúmeras unidades do SESC por exemplo, se aprofundam a leitura e interpretação das escrituras filosóficas do yoga, suas práticas psicorporais conquistam contornos muito mais “espirituais”. É bastante comum se presenciar em salas de yoga/meditação, incensos sendo queimados, sons indianos, vendas de produtos do meio do yoga/meditação, além de oferecimento de retiros yoguicos/meditativos, peregrinações/viagens a locais sagrados e os mais diversos cursos e workshops - sendo alguns destes (retiros) para “formar novos professores de yoga/meditação”. São verdadeiros núcleos proselitistas dos valores pregados pela religião yoga em desenvolvimento. Sendo assim, mais como uma provocação minha, essas instituições yoguicas (Iyengar Yoga, Kaivalyadhama Institute, 3HO Foundation do Kundalini Yoga, Awaken Love, dentre tantas outras) não deveriam estar autorizadas pela sociedade como espaços religiosos, sob a tutela da legislação federal, como qualquer outro local de culto no Brasil? Esse é um debate público que existirá em alguns anos no Brasil. Seja pois, campos sociais religiosos (que já ocorre entre os evangélicos) perceberão a concorrência ou, pelos próprios yogues reivindicarem seu próprio espaço de fala como uma legítima religião na sociedade (algo menos provável, ao menos assistindo o panorama hoje, 2019).

A última problemática que surgiu no meu processo de pesquisa de pós-doutoramento é o mote das fontes de legitimação do yoga. Pela primeira vez, na história do yoga, um não-indiano sincretiza o yoga com uma religião nativa e recebe legitimação por yogues na própria Índia. Esse é o caso do brasileiro Janderson Oliveira, o Sri Prem Baba, um “fardado” da Igreja do Santo Daime que em sonho tem a “miração” do seu mestre indiano (que ele não conhecia até então). Em visita à Índia se reconhecem, e a partir desse (re)encontro nasce o Awaken Love, uma instituição religiosa yoguica brasileira, mas legitimada na Índia - inclusive com a abertura de um ashram (nome em sânscrito para igreja yoguica) naquele país. Outro fato inédito, está na introdução do culto yoguico, além de asanas, pranayamas, mantras e demais elementos da cultura hinduísta, a beberagem da ayahuasca entre os yogues indianos pelo brasileiro Sri Prem Baba. A pergunta que fica ainda a ser investigada é qual o desfecho desse processo de retorno do yoga pós-transplantação a sua matriz original? São questões, como todas as anteriores, que aguardam cientistas da religião analisarem em seus desdobramentos.

Por fim, uma questão que me acompanha desde o mestrado e ainda não consegui estruturar, se estabelece no pano-de-fundo de todo o meu trabalho de pesquisa: pensar a Fisiologia da Religião como uma subdisciplina da Biologia da Religião. Berger e Luckman (2012) explicam que todo processo de apreensão humana da realidade objetiva, ao contrário de outros animais, não possui um “caráter biologicamente fixo de sua relação com o ambiente” (p.68). Dessa forma, nossos comportamentos (e isso inclui os religiosos) tece uma íntima relação com o funcionamento do nosso corpo e o ambiente. E aqui, a possibilidade de uma Fisiologia da Religião existir, uma subdisciplina entre a Sociologia e a Psicologia da Religião, pois entre os cientistas da religião há certa dicotomia na concepção humana destes, especificamente, no conceito de “natureza humana” (BERGER & LUCKMAN, 2012, nota 7, p.70).

De modo bem simplista podemos afirmar, baseado nos autores, que a construção social da realidade humana é impossível em isolamento, ou seja, não há uma fisiologia ou psicologia inata que nos construa humanos, somos na interação do que sentimos (objetivo) e percebemos (subjetivo). Em suma, um corpo só (e seu funcionamento/fisiologia) é pouco aos homens e mulheres sociais; os humanos oscilam, complementa Berger e Luckman, entre “ser um corpo e ter um corpo, equilíbrio que tem de ser corrigido de vez em quando” (Ibid., p.72). No último capítulo de A construção social da realidade de Berger e Luckman, Organismo e identidade, os autores estabelecem as bases da dialética entre organismo/natureza e sociedade. Aqui (e ao longo de todo o livro) fica nítido que há certa pulsão instintiva/animal que, sozinha (sem os Outros), torna a vida humana um caos (próxima a de qualquer outro animal).

Mas a vida em sociedade é uma condição, continua os autores, uma necessidade para nos tornarmos humanos (primeira e segunda socialização). Esta ambivalência, entre a natureza/instinto e a repressão social, é o que nos caracteriza e produz uma infinitude de vidas singulares. De forma mais rude, há um corpo que nos empurra para a vida, ao mesmo tempo que todos os outros corpos lutam para impor, igualmente, os seus próprios desejos/pulsões. Dessa tensão, surgem os diversos modos de existir em sociedade, com suas próprias maneiras de regular o caos eminente. A religião é sem dúvidas uma das mais antigas maneiras de organizar corpos/mentes, ou seja, homens e mulheres num mesmo espaço geográfico. Durante as fases de socialização, onde a religião exibe sua força, é necessário explicar os nossos mais íntimos anseios. Assim como ensinamos a um bebê que ele deve (e como, jeito) dormir, marchar, olhar, comer e se comportar a mesa na presença de estranhos, igualmente aprendemos (socialização) como organizar nossos sentimentos e direcioná-los. Todo esse processo é também fisiológico.

Assim como desenvolvemos um paladar para algumas comidas e aversão a outras, ou seja, o funcionamento do organismo se modifica. Buscando ser mais prático, acreditar no fluir de prana pelo nosso corpo e sentir, objetivamente a realidade prânica, após a vocalização do “som sagrado Om” numa prática de Yoga/meditação, acontece, necessariamente, durante um longo processo de socialização religiosa, onde de nada importa memorizar os conceitos de prana nos sutras do Gheranda Samhita, mas vivenciar essa experiência por longo tempo. Neste processo de socialização do corpo se adquire a habilidade de perceber uma nova fisiologia, uma fisiologia religiosa/espiritual. Assim como um cristão sente a presença real do espírito santo e, para isso, é necessário um longo processo de atenção no próprio corpo, você se abrirá (ou não) a uma percepção corporal que transcenda o mundo ordinário/profano e se abra ao conhecimento extraordinário/sagrado(?). Para toda essa socialização fazer sentido é preciso um outro corpo para acomodar novos significados. Daí nasceria o início de uma sistematização de uma Fisiologia da Religião que se ocupasse a compreender não só os símbolos do corpo, mas uma nova (des)construção de corpos dando sentido último a todos os sentimentos que vão fornecer o sentido de pertença comunitária, e nada melhor que o corpo para tornar real a subjetividade humana: se eu sinto no meu corpo, esse “algo” não pode ser negado.

Vamos hipotetizar que numa sociedade primitiva qualquer, um selvagem é acometido por um profundo sentimento de tristeza e “diagnosticado” como possessão de espíritos malignos por um feiticeiro autorizado. Em outra hipotética sociedade, a civilizada, a psicanálise escolhe por depressão a esse mesmo sentimento (corporal, obviamente). O que diferencia a profunda tristeza entre o selvagem e o civilizado é a compreensão diferenciada da fisiologia de ambos (mesmos) corpos/orgânicos. A fisiologia erigida pelo feiticeiro pode comportar ervas para agir nas energias telúricas do selvagem para curá-lo; enquanto o psicanalista vai atuar com a palavra para aliviar o sofrimento do civilizado. Entretanto, ambas erigiram uma fisiologia que transcende o orgânico para a mesma dor existencial que acomete os dois humanos. As diferenças entre ambas construções interpretativas são óbvias e não cabe aqui discuti-las (mesmo porque Levi-Strauss já o fez). Todavia, o que há em comum nas duas narrativas de cura acima? As construções sociais da realidade selvagem e civilizada precisaram criar um novo corpo. Com um novo corpo, uma nova fisiologia vem atrelada para explicar de forma objetiva uma realidade subjetiva que, se não fosse possível interpretá-la, destruiria ambos indivíduos.

Uma possível Fisiologia da Religião aqui, embrionariamente, exposta permeou minhas pesquisas de pós-doutoramento, mas não consegui, mesmo porque meu objetivo principal não nasceu desta necessidade, pelo contrário, veio surgindo ao longo do processo de elaboração do trabalho, portanto, como um novo problema a ser estudado.

Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Atualizado: 11 de mar. de 2020


Produções realizadas durante a pesquisa como paradigmáticas

A primeira das minhas experiências em pesquisa no pós-doutoramento, posso afirmar isso agora, ocorreu ainda no final de 2017, quando ainda estava no processo de aprovação do meu projeto pelo colegiado da PUC-SP. Em meados de novembro deste ano, participei em Boston/EUA do Annual Meeting of American Academy of Religion. Foi a primeira vez que estive presente num evento acadêmico onde o Yoga foi discutido em mesas e grupos de trabalho como o objeto principal de investigações, e não um apêndice de outras pesquisas. Ali, adquiri um distanciamento necessário para perceber o foco da minha pesquisa no Brasil e a importância de recuar para pensar o Yoga na América Latina. O Yoga por aqui é algo totalmente singular da europa e EUA, mais ainda inexplorado do que os mais importantes investigadores do yoga mundial poderiam prever.

Mesmo todas as pesquisas muito ricas e com abordagens e perspectivas originais sobre o assunto – o que enriqueceu ainda mais minha pesquisa que se iniciaria em alguns meses; poderia apostar que poucos (talvez nenhum cientista ali presente) desenvolvia qualquer ideia da singularidade do yoga latino-americano e muito menos em mats brasileiros. Quando conversando com colegas nos intervalos ou em exposições, a impressão que passava era como se o yoga fora do escopo europeu, norte-americano e indiano não existisse ou se desenvolvesse como totalmente (e exclusivamente) influenciado por essas geografias e cartografias. Foi durante esse congresso em Boston/EUA, que tive a nítida percepção no trabalho importante pela frente. Ainda falta muito a ser feito correlacionado as pesquisas em yoga/meditação sob a perspectiva “humana” da ciência da religião no Brasil e América Latina, mas ao menos agora, acredito que se pode conseguir discordar de algo. E isso já é grande passo na ciência: divergir de seus pares.

As pesquisas realizadas durante o projeto representam, como exposto acima, o pioneirismo na observação do Yoga brasileiro como além de simples práticas-modelo de um coletivo “nova era”. Pois quando se enquadra o Yoga como “algo nova era”, já se traz consigo todos os símbolos pré-existentes do que se compreende desta “nebulosa mística-esotérica”. A perspectiva que fui buscando construir ao longo das minhas pesquisas de pós-doutoramento aqui apresentadas, possibilitam pensar uma parcela da sociedade brasileira entrando tardiamente no processo de secularização e de privatização religiosa. O Yoga brasileiro assim posto, deve ser compreendido como um “laboratório” de experimentações à Ciência da Religião, pois permite demonstrar o valor heurístico na interpretação dos problemas sociais contemporâneos de uma parcela da população brasileira que vive nas metrópoles do Brasil e não apenas contar a história do yoga no Brasil. Considero este fato (pensar o yoga brasileiro como o cadinho de experimentações religiosas entre 1950 até hoje), a meu ver, bastante relevante, sobretudo quando a sociedade brasileira discute ainda qual o conteúdo ensinado nas escolas sobre religião e o “motivo prático” de existir a filosofia e ciências “humanas” na estrutura de ensino e pesquisa brasileira. Faço aqui minha pequena contribuição investigatória em prol do incremento nos estudos dialógicos entre religião e sociologia para se compreender a sociedade em que se vive.

No artigo Conversando com iogues brasileiros publicado na revista científica portuguesa, exclusivamente dedicada ao Yoga, apresento ali a narrativa dos principais atores sociais do yoga brasileiro, e já aqui fica evidente a tensão entre uma geração mais tradicionalista versus os yogues mais progressistas. O cerne da discussão revela de um lado a busca por um ideal yoguico imaginário e perdido no contato do yoga com a modernidade, enquanto outros esmeram-se em trazer o sincretismo com os discursos religiosos nativos. Essas falas me fizeram reconstruir o caminho social, histórico e político da geração anterior que influenciou as construções sociais de realidade (BERGER & LUCKMAN, 2012, p.67-121) do campo yoguico brasileiro.

Na pesquisa publicada pela International Journal of Latin American Religious busquei justamente me concentrar nesta busca pela identidade dos primeiros agentes religiosos, estes, que lançariam as bases do Yoga como um novo fenômeno religioso. Me esmerei nesta pesquisa revelar que as principais influências dos cinco pioneiros no yoga latino-americano foram a Teosofia, o Messianismo cristão e a ordem esotérica indiana Suddha Dharma Mandalam. Neste trabalho revelo que a transplantação do yoga, ao menos entre os latino-americanos, foi estruturada a partir de quatro iniciativas desenvolvidas por nossos cinco personagens iniciais: 1) a primeira criação de ensino infantil com rudimentos yoguicos/meditativos em Cuba pela norte-americana Katherine Tingley, 2) o treinamento para formar novos professores de yoga no Uruguai e Argentina, 3) o início das publicações esotéricas e sincréticas do yoga com os franceses Cesar Della Rosa, Serge Raynaud e Leo Costet, mas também 4) a institucionalização do yoga em “Igrejas” com a disseminação das suas “curas yoguicas” por Leo Costet, o chileno Benjamin Guzman e Serge Raynaud. São dessas quatro inciativas acima que alguns pontos ressonam ainda hoje, como a inclusão do yoga/meditação nas escolas (públicas e privadas). A título de exemplo da luta pelo capital simbólico religioso no Brasil, podemos citar que esta medida (a inclusão/tentativa do yoga/meditação em escolas) já conduziu a reações de pais evangélicos sobre o ensino de “práticas pagãs” (Yoga, obviamente) aos seus filhos. Deles também, pode-se afirmar sem dúvidas alguma, a inclusão do Yoga/meditação com aplicabilidade nos sistemas únicos de saúde e hospitais brasileiros como “terapia alternativa”. E, também o início da institucionalização do yoga com diversos métodos, escolas e tradições yoguicas/meditativas que, muitas vezes competindo entre si (essas organizações yoguicas), souberam disseminar os princípios da sua espiritualidade e alcançar até mesmo mídias sociais e revistas de abrangência nacional. Porém, mesmo a institucionalização já ocorrendo até mesmo com influências nativas, como o caso do AUMbanda (sincretismo entre Umbanda e Yoga), o Awaken Love (junção do Santo Daime com o Yoga) e outras, há sempre uma preocupação em buscar legitimá-las via swamis, mestres, gurus ou sadhus de origem indiana.

Em outra oportunidade, apresentei aos cientistas da religião latino-americanos, no XVI Congresso Internacional de ALADAA que aconteceu Pontifícia Universidade Católica Peruana, os resultados da minha pesquisa As raízes do Yoga Latino-Americano. Nesta comunicação apresentei e discuti com meus pares, não apenas as influências dos nossos cinco personagens iniciais de transplantação do yoga na América Latina (realizado no artigo anterior), mas outrossim, as cinco fases históricas distintas que compuseram o Yoga latino-americano: 1) Fase místico-esotérica, 2) Fase visitando a Índia, 3) Fase yoga indiano conhecendo o latino-americano, 4) Fase busca identitária, e 5) Fase yogues híbridos versus tradicionalistas.

Neste trabalho, avanço na discussão do Yoga no Brasil, pois apresento dois atores sociais do Yoga Brasileiro até então não analisados pela ciência da religião: Prof. Hermógenes e Mestre Derose. O Yoga no Brasil, entre as décadas de 1960-2000, começou a ser percebido como uma religião alternativa, seja por um viés mais híbrido, permissivo e terapêutico de Hermógenes ou tradicional, regrado e místico de Derose. Desta relação religiosa, mesmo com todas as incongruências peculiares da cultura sincrética brasileira, culmina uma clássica tensão institucional religiosa, ou seja, ortodoxos x heterodoxos. Em palavras mais simples, o yoga no Brasil, vai ganhando contornos de yoga do Brasil.

Já na pesquisa elaborada para a Revista de Estudos de Religião (PLURA), demonstrei como a transplantação do yoga indiano a outras cartografias não-hinduístas foi um episódio distinguido por uma intensa reformulação da própria sociedade indiana, que migrava de um modelo social imperial, como já adiantamos em outra subseção, para o modelo capitalista democrático (DELEUZE & GUATARRI, 2017, p.185-360). A ressignificação das escrituras yoguicas (de uma linguagem mística e mágica do yoga indiano antigo para o da biomedicina científica do yoga moderno postural) poderia, dentro da perspectiva científica da religião, servir de amostra analítica de transformações coletivas acontecendo nas sociedades que receberam o transplante do yoga. Dito de outra forma, o yoga indiano transformado foi um dos símbolos que representaram o espírito nacionalista deste povo na luta por sua independência do imperialismo britânico em busca de sua identidade como povo.

Quando por exemplo os yogues modernos, como Krishnamacharya, Kuvalayananda, Yogananda ou Sivananda traduzem - na transição do séc.XIX para o XX na Índia - o funcionamento de seus “corpos sem órgãos” - ou fisiologia sutil pela linguagem biomédica científica, a mesma de seus colonizadores. Mesmo com toda a sua ambivalência (ou devido a isso mesmo), não reproduziram o discurso de seus colonizadores, mas reinventaram uma nova forma de pensar e existir. Esse novo universo simbólico corporal precisa ser legitimado (BERGER & LUCKMAN, 2012, p.122-166), pois precisará ser exportado (e foi, com sucesso!) a outras geografias religiosas. As glândulas endócrinas, o oxigênio presente a cada respiração e o funcionamento cerebral por exemplo, depois dos yogues indianos repensarem suas realidades subjetivas deste período, passa (paulatinamente) a ser compreendido (por indianos e não-indianos) como chackras, prana e citta-vrttis (“turbilhão da mente”), consolidando uma nova percepção do Yoga (e sua “sociedade” em formação) como realidade objetiva (Ibid., p.67-121).

Não por coincidência pesquisadores de Harvard como Herbert Benson e depois Jon Kabat-Zinn, começassem a popularizar o yoga, e a sua principal prática religiosa, a meditação aproximando-os da ciência. Termos como estresse e relaxamento, com o advento do Yoga e suas práticas, ganharam espaço em publicações desde as capas de revistas de avião até compêndios médicos e psicológicos.

Em suma, é totalmente plausível afirmar que o yoga/meditação não foi “colonizado pelos ocidentais que o deturparam no mundo moderno”. Pelo contrário, os próprios yogues indianos, preocupados em resgatar sua história em vistas revolucionárias, souberam muito bem erigir com esmero e atenção novos bens de salvação yoguicos a um novo campo social que se modificava sensivelmente – passagem de uma sociedade imperialista a uma sociedade capitalista. Foi um esforço necessário e muito bem sucedido; tanto que hoje há cursos de sânscrito em faculdades de letras em várias instituições acadêmicas, assim como setores da medicina convencional importantes investigando as implicações benfazejas do yoga/meditação: o yoga ganhou espaço em coletividades modernas, mesmo seculares e, sobretudo, privatizadas religiosamente.

Para o congresso chileno em Religiões oriundas da Índia e do Extremo Oriente na América Latina, organizado pela Associação de Cientistas Sociais da Religião do Mercosul, apresentei o trabalho Yoga como uma nova religião no Brasil: Transplantação da religião definindo comunidade e expressão de identidade. Nesta comunicação, em conjunto com a colega Dra. Sabrina Alves, buscamos apresentar uma “terceira geração” do yoga latino-americano. Pensando como primeira geração yoguica latino-americana todos aqueles europeus (Leo Costet, Cesar Della Rosa e Serge Raynaud), uma norte-americana (Katherine Tingley) e apenas um nativo (o chileno Benjamin Guzman). Estes atores sociais narraram um yoga muito particular e com bastante influência cristã e do misticismo advindo de ordens esotéricas europeias.

A segunda geração, entrementes, surge após toda uma etapa de “redescoberta” do yoga indiano por assim dizer. Muitos alunos/discípulos da geração inicial, quando em visita a Índia, chocam-se com as disparidades entre o yoga que os foi apresentado por seus professores/mestres e o que agora experienciavam in loco. Os yogues desta segunda geração, como Prof. Hermógenes, Mestre Derose, Maria Helena Bastos Freire dentre outros; e os discípulos destes, como o uruguaio Pedro Kupfer, os brasileiros Anderson Allegro, Marco Schultz, André Derose, e o argentino Fernando Griego entre outros, vão se intercalar para legitimar o yoga que professam mas, ou se afastando de seus professores ou buscando legitimá-los, aproximando-os de yogues indianos. No terceiro momento, foco dessa comunicação na XIX Jornadas sobre Religiões Alternativas na América Latina, uma terceira geração de yogues despontam com uma nova proposta: sincretizar o yoga com elementos religiosos nativos. Como exemplo podemos citar o brasileiro Janderson Oliveira ou Prem Baba, que sincretiza o Yoga com a religião Santo Daime, denominado por ele, como Awaken Love. Entrementes, o mais interessante desta geração é o retorno que estes yogues promovem do yoga sincretizado com as expressões na própria Índia.

Tive a oportunidade de apresentar e discutir com colegas e seus alunos de pós-graduação da Universidade Federal do Sergipe, dentro do programa de Ciências da Religião, na linha de pesquisa Ciências empíricas e aplicadas da religião, essa “nova” perspectiva do yoga no Brasil dentro do “mini-curso” Yoga/Meditação e Religião. Os encontros foram promovidos pelo Programa de Estímulo à Mobilidade e Cooperação Acadêmica (PROMOB), onde também pude ministrar a aula-magna Yoga Malandro: aspectos da transposição do yoga para o Brasil.

Ao longo de uma semana de diálogos com docentes da instituição e dos mestrandos e doutorandos consegui, muito mais do que “ministrar aulas”, obter clareza de o quanto o yoga está distante da academia científica da religião brasileira. Toda a nossa discussão até aqui, desde a “renascença indiana” (a fase zero da transplantação do yoga) até as narrativas “espirituais” do yoga no mundo moderno, criou-se o senso-comum do yoga como algo destoando de um fenômeno religioso. Me explico melhor, mesmo entre acadêmicos é problemático olhar o objeto Yoga como religião e isso me surpreendeu.

De alguma forma, as instituições religiosas do yoga conseguem passar despercebidas como “práticas espirituais” e isso disseminou-se na sociedade – ou ao contrário, é o homem/mulher-da-rua que o legitima(?) – como algo “espiritual, mas não religioso” totalmente lógico e consensual. É interessante assistir como um fenômeno religioso conseguiu disfarçar-se de “yogaterapêutico”, “filosofia indiana”, “técnica de relaxamento e concentração” (para crianças, adultos e idosos) dentre outros, e passar quase despercebido pela ciência da religião como uma nova religião na América Latina há mais de 100 anos.

Como uma tentativa de fomentar a discussão do Yoga/Meditação como um novo fenômeno religioso no Brasil, produzi em conjunto com a Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE-PUC/SP), o curso de especialização Yoga/Meditação e Religião. O intento estava em agenciar a discussão do yoga e a sua principal prática proselitista, a meditação, sob uma perspectiva que fujisse das duas cartografias mais senso-comuns. A primeira destas linhas de fuga, é a que eu denomino de “exegética”, ou seja, promoção da percepção do yoga/meditação através de uma estreita interpretação e tradução das suas escrituras totalmente desvinculadas do seu contexto social, cultural, antropológico, histórico, político, econômico e religioso. E a segunda é a mais usual e difundida, julgar o yoga/meditação apenas por seu viés biomédico-terapêutico. A proposta do curso no COGEAE-PUC/SP foi em trabalhar com nova via de investigação do yoga/meditação, a que denominei de “o lado humano do yoga”, ou seja, uma investigação científica do yoga que analisa os trabalhos “exegéticos” e “biomédico-terapêuticos” sob a perspectiva da ciência da religião. Em outras palavras, alinhando história, sociologia, antropologia, psicologia, biologia e demais áreas que compõem a ciência da religião.

Outro projeto importante iniciado na pesquisa de pós-doutoramento com intuito de estimular o debate público do yoga/meditação pela via “humana” de investigação de sua espiritualidade e prática foram as aulas presenciais e on-lines que organizei e produzi na Casa do Saber em São Paulo, e o Curso em (des)Formação em Yoga/Meditação em Santos e São Paulo.

Ao longo de 2018 ministrei uma série de cursos em espaços não-acadêmicos, todavia, consegui disponibilizar e promulgar o debate público sobre temáticas relacionadas a filosofia e a ciência da religião a um público não especializado, e isso foi deveras enriquecedor – tanto para o meu trabalho/pesquisa quanto pessoalmente. Abordei numa série classificada pelos meus próprios interlocutores não-acadêmicos como “religião”, e isso foi interessante, pois conseguimos elevar o debate da religião, além do escopo “religião e time de futebol não se discute”. Desafiador foi a palavra que marcou esse períodos de aulas no sentido de explicar fora dos muros acadêmicos o que é religião e como ser possível pensar o yoga/meditação - práticas comuns a muitos dos alunos presentes - está maciçamente preenchida de conceitos religiosos e cunho proselitista. Os cursos na Casa do Saber dividiram-se durante todo os dois semestres de 2018, uma vez por mês, em encontros sextas e sábados, como se seguem:

  1. Neurobiologia e Filosofia do Yoga e Meditação

  2. Meditação e Religião (presencial e online)

  3. Hinduísmo e a Meditação Yogue (presencial e online)

  4. A meditação além da Índia (presencial e online)

  5. A salvação pelo relaxamento (presencial e online)

A (des)Formação, desafiante o tanto quanto, foi dividida em quatro módulos e atualmente está sendo produzida no formato presencial e também em plataforma de cursos à distância on-line: 1) Filosofia, 2) Escrituras, 3) Fisiologia e 4) Ciência da Religião. A proposta deste modelo de ensino está justamente na promoção do debate público da perspectiva yoguica em diálogo com a ciência da religião. A partir da minha experiência na Casa do Saber pude presenciar o despreparo (e até em certo ponto, aversão) na discussão do objeto religião (ainda mais quando se evita pensar nas religiões monoteístas dominantes) para alguns participantes, mas envolvente da mesma forma, quando conseguimos compreender a importância de assuntos em comum: Yoga.

Em uma linguagem bem menos acadêmica, mas com os marcos teóricos indispensáveis ao debate sério sobre temas da ciência da religião, enveredei aqui expondo os conceitos básicos de religião a partir de Max Weber e Emile Durkheim, passando pela aproximação entre o monismo de Espinosa com o do Vedanta Advaita de Shankara. Assim, percebi ser possível caminhar no diálogo e retomar (ou iniciar?) o debate com o público não-acadêmico em temáticas antes apenas debatidas no âmbito de cientistas da religião por mim. O resultado foi bastante estimulante, pois me percebi pela primeira vez, de alguma maneira retornando a quem realmente interessa o esclarecimento sobre toda a pesquisa até aventada: a sociedade, objeto de toda a investigação que elaborei. Me sinto como que devolvendo aos meus próprios “objetos de investigação” os resultados das minha elucubrações de forma, em muitas ocasiões, mais enriquecedora do que em comunicações em congressos ou seminários na academia.

Como não seria de outra forma, as demandas são diferentes (entre acadêmicos e o homem/mulher-da-rua). Enquanto cientistas se preocupam com a estrutura marco-teórica, o yogue/meditador (ou simplesmente, simpatizante do tema) em sala de aula abre-se ao inesperado de pensar que a meditação/yoga que “fez ontem” ser passível de ser compreendida como religiosa e todas as implicações que ele (o praticante comum do yoga/meditação) pode conduzir para a compreensão da sua própria vida.

Essas questões, percebo somente agora, são deveras importante, sobretudo, na atual condição social e política brasileiras em que debates públicos sobre educação e pesquisa levantam questões sobre o valor das ciências humanas aos homens e mulheres-da-rua. Pois bem, a abertura do debate da academia em espaços públicos e não-formais para tais discussões, mas também, da adequação do discurso (talvez aqui a mea culpa) científico de humanas, devem não apenas preencher os espaços vazios das bibliotecas públicas e privadas, mas ocupar e enriquecer o diálogo de toda a sociedade, muitas vezes, despreparada (alienada) para pensar sobre si-mesma e das infinitas possibilidades de existir. No que me coube aqui (também, mas não somente), me preocupei em estender os resultados de minha pesquisa de pós-doutoramento desde o cientista da religião mas também atuando e divulgando os resultados aqui apresentados em espaços não-acadêmicos.

Dessa forma, o período de pós-doutorado foi extremamente intenso tanto de pesquisa propriamente dita, mas outrossim, num empenho efetivo de conduzir a ciência da religião para a compreensão da sociedade, e esse é o ponto mais relevante do meu processo de aprendizagem como Doutor-Júnior. A experiência como docente-pesquisador foi enriquecida por esses debates e novos atravessamentos que me foi proposto sob a supervisão do Prof.dr.Frank Usarski.

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