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O que buscarei demonstrar com as próximas publicações (uma série de textos ao longo dos próximos meses, todo dia 13 de cada mês), é apresentar todo o meu trabalho acadêmico desde o meu mestrado até o meu pós-doutoramento em meados de 2019. A partir deste ensaio aqui, vocês terão a oportunidade de entrar em todo os caminhos e descaminhos em busca de compreender melhor o Yoga e a sociedade brasileira. Para isso, início na Índia da virada do séc. XIX até a chegada do primeiro swami aos EUA e a chegada do yoga, como expressão bastante nebulosa nos países latino-americanos. Boa leitura e divirtam-se!

RESUMO

Buscou-se aqui apresentar a história e as influências dos primeiros personagens da yoga em América latina, pois existe uma lacuna de pesquisa acadêmica sobre a yoga latino-americano entre os anos de 1900 e 1950, quando ainda não havia nenhum yogue indiano no continente. Este isolamento, em vez de adiar o advento da religiosidade yoguica, trouxe problemas e soluções que cinco figuras-chave procuraram responder, oferecendo uma certa singularidade ao estabelecimento de yoga latino-americano. Os personagens Katherine Tingley, Cesar Della Rosa, Leo Costet, Serge Raynaud e Benjamin Guzman são os principais precursores do yoga, pois foram os primeiros a introduzir, à sua maneira, o yoga em terras latino-americanas. Mas, ao contrário de europeus e norte-americanos que, no mesmo período histórico, receberam suas primeiras instruções do Yoga das mãos dos próprios yogues indianos, os latino-americanos criaram suas próprias explicações sem instruções de yogues legitimados pelas grandes escolas indianas. Aproximações do Yoga com religiões de matriz africana e católica como a Umbanda, ou amazônica como o Santo Daime por exemplo, possuem suas origens entre os latino-americanos.

INTRODUÇÃO

O foco da pesquisa foi investigar uma espiritualidade transplantada da Índia em terras latino-americanas: o Yoga. Contaremos a história do yoga sob outra perspectiva, que não é nem a do seu valor terapêutico ou nem de sua “cientificidade” moderna. Interessa-me o amplo aspecto “humano” do yoga no Brasil: sociológico, histórico e antropológico na ciência da religião, muito mais do que o biológico ou epistemológico de suas escrituras sagradas. O conceito “brasileiro” do yoga, como aqui denomino, está embebido do sincretismo e hibridismo do Brasil. O Yoga Brasileiro traz consigo o valor espiritual do país de, mesmo em condições desfavoráveis, conseguir extrair o melhor que pode do pouco ofertado. A pesquisa se concentrou, sobretudo, com a espiritualidade do brasileiro adepto ao yoga, com todos os seus sincretismos e paradoxalidades.

Mas essa “singularidade” do Yoga no Brasil pode vir a server de cadinho para se compreender a transplantação do yoga de forma diversa, multiforme e ajudar a outros pesquisadores do tema ampliarem a ótica do yoga como um verdadeiro fenômeno religioso moderno e não apenas um “desdobramento” do Hinduísmo pura e simplesmente. O yoga no Brasil, por exemplo, mesmo sem nenhuma influência hinduísta de importância no país, conquistou contornos próprios, singulares. Por mais que discursos yoguicos pelo mundo busquem unificar seu saber como pertencente a uma única tradição, isso não é totalmente verdade. O yoga brasileiro, assim como em outras partes do planeta, sofreu influências e se adaptou a diversas culturas, sociedades e períodos da história.

Atualmente, dentre outras influências, o yoga latino-americano dialoga com a ciência biomédica, o movimento religioso nova era e a educação física desde o final do século XIX. Algumas pesquisas apontam, inclusive, uma nova tipologia de yogues nascendo, o que indica inovações sobre o papel do yoga em sociedades modernas. Mas isso não significa que o yoga venha perdendo a sua espiritualidade ou desencantando-se no encontro de sociedades seculares. Demonstrei que os yogues souberam transformar o discurso do yoga indiano antigo para um discurso ao mesmo tempo que, embebido de científico não se furta de dialogar com as religiões brasileiras. Essa composição, difusa e nebulosa para um outsider, não “profana” o yoga, pelo contrário, o enriquece e permite pensarmos em um Yoga brasileiro. No Brasil, desde os anos de 1960, expressões católicas, espíritas, daimistas e umbandistas vêm se integrando (e emprestando concepções cosmológicas) aos yogues brasileiros. E este é o ponto nevrálgico da pesquisa: o yoga no Brasil vem produzindo sincretismos e bricolagens mas, em vez de nos preocupar com as transformações para o yoga dessa dialética, identificamos as transformações em processo aos brasileiros com a perspectiva espiritual do yoga. Parte da religiosidade brasileira vestida com a “pele” yoga, revela matizes da sua própria natureza.

O que é o Yoga moderno?

O Yoga moderno, antes um dársana ou “escola filosófica” de viés religioso” hinduísta ortodoxa, parece, à primeira vista, revelar-se um misto de terapia biomédica e aula de ginástica; em que a ciência, mais do que qualquer outra instituição, mostrase legitimadora do seu discurso em núcleos sociais modernos (ver ALTER, 2004). A inclusão do ioga pelo Ministério da Saúde brasileiro em seu Sistema Único de Saúde (SUS), e debates que acontecem sobre o papel do yoga como prática médica nãoconvencional (SIEGEL, 2010) são exemplos dessa busca da “desmitificação” e “desespiritualização” do yoga. Ou seja, tornar o yoga de origem metafísica desde a sua primeira sistematização por um brâmane hinduísta na Índia do século II a.C., em uma perspectiva quase que materialista histórica.

A esta altura, seria lícito supor um yoga sendo praticado destituído de suas singulares características espirituais, como ocorreu com a acupuntura; haja vista a difusão indistinta de fundamentos antigos ioguicos com outras espiritualidades novaeristas. Percebe-se claramente a inclusão dos seus ritos corporais em laboratórios científicos e hospitais, ou seja, em ambientes totalmente laicos e seculares. No entanto, não é isso o que vem ocorrendo. A Ciência vem influenciando mais o yoga do que apenas a ressignificação simbólica dos seus preceitos metafísicos em termos da sua anatomia e fisiologia convencional. Digo isso, pois durante a minha pesquisa de doutoramento constatei que yogues e praticantes o quanto do discurso yoguico não perdera a sua essência espiritual/religiosa. Mais do que isso, o discurso yoguico moderno havia se modificado (ou adaptado) sensivelmente.

No primeiro momento, uma espécie de fase zero de transplante do yoga indiano, a fisiologia sutil do yoga por exemplo ganharam contornos da fisiologia biomédica. Entretanto, outra transformação se desenhava a essas ressignificações fisiológicas: os klesas, a grande causa do sofrimento humano para os yogues, não pareciam mais advir dos comportamentos associados a clássica teoria espiritual que identifica a raiz do Mal/ignorância humanos nos comportamentos de apego, aversão, medo da morte e orgulho. Os klesas, como concebidos entre os indianos antigos, não pareciam mais pertencer ao discurso espiritual dos yogues brasileiros. Os yogues brasileiros, de forma adaptativa, forneceram um novo sentido à fonte do Mal do yoga indiano. A ética yoguica entre os brasileiros, foi sendo transformada em novas narrativas espirituais.

Novas narrativas religiosas do yoga moderno

Ao contrário do que se apregoava antigamente, os yogues modernos no mundo manifestam, modernamente, maior interesse na aquisição de saúde, estética e bem-estar do que reverenciar algum tipo específico de ética e moral religiosa, conduta espiritual de culto a Deus ou a qualquer outro valor ao espírito (ALTER, 2004). Estudos mostram, inclusive, que as diferenças que caracterizam a passagem do yoga antigo para o moderno reside na sua medicalização e na popularização dos seus ritos corporais em técnicas laicas de combate ao estresse (DeMICHELIS, 2008, p.23–27). O mais paradoxal a um cientista da religião é acompanhar os estreitos laços estabelecidos entre o yoga e a biomedicina sem, todavia, incorrer na perda total do seu cariz espiritual.

Em uma pesquisa realizada em Londres, em 2002, com 750 praticantes de yoga, descobriu-se que 80–83% desses yogues compreendiam as suas práticas tanto como auxiliares no combate ao estresse e demais doenças mentais, como ansiedade, depressão e transtorno de atenção, quanto na experiência igualmente válida de uma vida espiritual plena. A autora dessa pesquisa, pelo contrário, chegou a classificar o yoga moderno como uma religião mística (NEWCOMBE, 2005); e místicos, como se sabe, são pessoas que estabelecem uma relação direta com Deus sem a necessidade da intermediação de sacerdotes ou escrituras. Os místicos são os que alcançam o conhecimento espiritual de sua religião sozinhos; e os yogues agora estão sendo classificados como místicos, mas em vez de cavernas úmidas, meditam dentro de ressonantes magnéticos dos mais modernos laboratórios universitários. Parece um contrassenso, pois a Ciência surge como área do saber justamente para desmistificar!

Qual a relação que poderia vir a existir entre doenças mentais advindas do estresse e o conhecimento religioso? Essa demanda a pesquisadora não incluiu em suas perguntas, mas as suas descobertas ganham mais sentido quando expomos a tradição yoguica investigada por ela: B.K.S. Iyengar. Iyengar é um dos líderes de yoga moderno mais populares e respeitados do mundo, sobretudo nos países da Europa e Estados Unidos. Segundo ele, vejam só: “a pessoa indisciplinada é alguém sem religião; a pessoa disciplinada é religiosa; a saúde é religião; a doença é falta de religião” (IYENGAR, 2001, p.38). O seu discurso associado à nossa argumentação até aqui nos leva a concluir a existência de uma estreita relação se estabelecendo entre a biomedicina e a religiosidade do yoga moderno.

Medicalizar o yoga, atribuindo a ele associações como atenuante do estresse, foi a porta que se abriu para os yogues modernos difundirem as suas convicções espirituais entre a sociedade ocidental. No Brasil, não obstante, temos o yogue conhecido por Prof. Hermógenes, o mais conhecido e carismático do país, que conquistou notoriedade e respeito aliando a medicalização das práticas yoguicas com propostas cristãs e do espiritismo brasileiro. E como o Prof. Hermógenes mesmo afirmava, o seu intento estava em difundir a saúde física e mental em busca da “autoperfeição pelo hatha-yoga”. O yoga brasileiro, portanto mais popularizado entre as décadas de 1960–2000 foi uma terapia espiritual para “nervosos” (HERMÓGENES, 2010; 2011).

Talvez a medicalização do yoga, como se viu na pesquisa londrina e nos livros do Prof.Hermógenes seja uma tendência mundial e não apenas brasileira. No entanto, outro personagem entre os brasileiros cresceu em paralelo ao de Hermógenes. O Mestre DeRose, como ficou popularizado, é um outro importante yogue brasileiro e contemporâneo ao Prof.Hermógenes. O interessante é que a sua narrativa religiosa yoguica cresceu absolutamente equidistante, podendo afirmar até mesmo rivais e concorrentes. Enquanto a narrative yoguica hermogeana, como apresentamos, cresceu pautada na biomedicina e aquisição de “combate ao estresse”, DeRose construiu um discurso yoguico para aumento da “performance e bem-estar”. O yoga de Hermógenes se afirma “terapêutico” e plural (para todas as pessoas, independente do gênero, idade e nível de saúde, e o yoga deroseano se posiciona para jovens (predominantemente) homens e saudáveis. Dessa forma, o Brasil (e a América Latina como um todo) pode ser um “laboratório” para se estudar as transformações da transplantação do denominado Yoga Postural Moderno e que foge dos estudos europeus e norte-americanos (SINGLETON, 2010; JAIN, 2014).

OBJETIVOS

Objetivo geral

Caracterizar o yoga como um novo fenômeno religioso desvinculado do Hinduísmo, mas aproximando-se das religiões nativas da América Latina, assim como não poderia de ser, com o Cristianismo, mas também com a Ciência Biomédica. Buscar diferenciar alguns aspectos do yoga latino-americano da transplantação yoguica em outros países, fora deste contexto geográfico, portanto, político e econômico e social.

Objetivos específicos

  • Traçar a história do yoga na América Latina e as suas etapas de transplantação religiosa;

  • Identificar os principais agentes religiosos de cada uma de suas fases históricas, assim como as influências destes, na constituição do Yoga no Brasil;

  • Comparar as influências destes primeiros agentes religiosos do Yoga Latino-Americano aos yogues das gerações posteriores, sobretudo, Prof.Hermógenes, Mestre DeRose e Prem Baba no Brasil.

  • Determinar as construções narrativas destes 3 personagens yoguicos brasileiros na geração posterior e atual contexto religioso do Yoga no país.

  • Desvelar a partir disso, o diálogo que os yogues brasileiros estabelecem com sociedade buscando encontrar seus espaços de fala no campo social religioso do país.

ATIVIDADES REALIZADAS

Participação em Congressos

- Boston Annual Meeting 2017 – American Academy of Religion

- XIX Jornadas sobre alternativas religiosas en América Latina: “Itinerarios y nuevas cartografias religiosas en América Latina” que aconteceu entre 14-17/11/2018, Santiago - Chile, com a apresentação “Ioga como uma nova religião no Brasil: Yogaterapia de Hermógenes, Swásthya Yôga de DeRose e o Awaken Love de Prem Baba” no GT6. Religiones oriundas de la India y el Extremo Oriente en América Latina.

- XVI Congresso Internacional de ALADAA: Las nuevas fronteras de la interculturalidade: Asia y África desde América Latina que aconteceu entre 01-04/08/2018, Lima – Perú, com a apresentação “As raízes do Yoga na América Latina”.


Vivemos em um mundo caótico. Mas isso não tem nada de novo, e nem de moderno (ou pós-moderno). Desde sempre o acaso e a necessidade é que tocam o barco por aqui. Para dar ordem a esse caos, surgiram alguns ordenadores de mundo, como as religiões, as filosofias, os mitos, as sabedorias populares, as artes e as ciências mais recentemente.

No entanto, para ordenar algo precisamos criar regras, normas, moral e práticas; tudo para dar sentido à vida, ao mundo e sustentar a Ordem criada (e imposta muitas vezes) anteriormente - uma vida organizada de fora. Isso tudo exige um esforço tremendo. Um esforço individual e de uma comunidade para dar plausibilidade/legitimidade a essa ordem, pois o Caos clama constantemente pelo seu poder des-organizacional. Não está entendendo ainda? Lembre-se quando algum ser vivo próximo de você morreu. Teve nexo, sentido para você na época? Viver a vida demasiadamente humana é perigoso e a magia nos encanta.

Assim, são os outros e as nossas próprias experiências é que dão plausibilidade a ordem criada por sua religião, filosofia, mito ou qualquer outro conhecimento que você se identificou para explicar o mundo em que você habita; nem que seja a filosofia niilista de Schopenhauer ou Nietzsche, você precisa de uma ficção, de uma ilusão (maya) para aguentar viver sob a égide pesada do Caos. Sim, o Outro e você mesmo (pois são sempre os outros o Inferno, já dizia o filósofo.

Imagine uma tribo isolada de outras populações (leia-se, outras formas de sentido, de ficcões que as curem do Caos), ela criou o seu sistema de ordenamento do mundo, como por exemplo, a crença em dançar em torno da fogueira na primeira lua cheia do período do plantio para uma boa colheita, ou praticar jejum em uma data específica para conquistar o poder de purificar o corpo. Isso é repetido por milênios e não se questiona, pois todos fazem e desde sempre o fizeram e não tem por que duvidar; pois "dá certo", ora bolas! (alguns dizem: "É a voz da tradição!"; e isso não se altera, torna-se um dogma). Em outras palavras, é a força do pequeno fascista em você clamando para uma "vida sedentária", onde nada se altera e conserva longe deles o medo de um mundo sem sentido - Deus é a Verdade e ela vos libertará, não é assim? Imagine uma vida sem Deus/Verdade ou com muitos deuses/verdades? Qual escolher? Não é a toa que boa parte do mundo adotou o monoteísmo.

O Estado e a Igreja há muito se juntam e determinam o que é certo e errado para a sociedade em que se instalam. Sempre foram eles que detiveram o direito (e o dever) de ministrar e preservar a ordem, em geral, para manterem-se no poder legitimamente, seja por força da hereditariedade ou "nobreza familiar" (sangue azul, casta brâmane, filho de deputado). Mas, imagine agora uma outra comunidade moral estabelecendo contato com outra comunidade/sociedade, ou seja, com outro sistema de crenças sobre uma boa colheita e saúde, por exemplo - indivíduos com outras explicações sobre o mundo, sobre a ordem da realidade, com outra forma de pensar, explicar e dar Ordem ao Caos. Alguns membros da tribo podem começar a compreender a crença da sua comunidade - que ele seguiu desde sempre - abalada por outras sabedorias: "Perde-se o chão!". O que fazer? Pode-se sincretizar as explicações, pode-se acabar com as primeiras, pode ser que os indivíduos que chegaram abandonem as suas explicações e adotem a da primeira tribo, ou simplesmente eles podem decidir iniciar uma guerra por buscar legitimar as suas próprias realidades/verdades/deuses, com o medo do mundo no qual ele (e a sua comunidade) viveram por milênios desapareça!

Alguns denominam isso de perder a identidade, a tradição ou a cultura. Bastar pensar no holocausto ou em nossos indígenas e negros e os sistemas manicomiais que surgiram no Brasil como forma de retirar da sociedade elementos (indivíduos desviantes ou borderlines) que não vivem sob a mesma moral égide instituída.

Há, dessa forma, um equilíbrio social a se manter. Uma ordem a preservar. A sua harmonia e da comunidade em que você vive precisa ser mantida (a qualquer custo?). Para Robert Fuller por exemplo, o deus judaico-cristão vingativo e que impele medo aos seus devotos, seria fruto de uma população judaica oprimida violentamente pelos egípcios que os escravizavam por muito tempo, assim surge uma doutrina do medo e da violência para todos que não se comprometerem com Suas palavras (do Deus cristão). No caso do yoga, comparativamente, os sutras de Patanjali surgem no seio de sacerdotes bramanicos que precisavam manter a ordem das castas (e a sua superioridade "moral" sobre as outras castas inferiores às deles). Assim, nada mais racional e lógico do que instituir o desapego (um dos 5 klesas, lit.venenos ou obstáculos) como comportamentos nefastos aos indivíduos da comunidade indiana do séc. V a.C. Um cidadão da mais baixa casta social não deveria possuir apego as coisas materiais, pois poderia - de outra forma - desenvolver o sonho de almejar também os mesmos privilégios da casta bramanica, subvertendo a sociedade moral destes últimos (uma afronta a vida sedentária e pequeno-fascista dos brâmanes da época?).

Dessa forma, o Yoga nunca ficou incólume a toda dialética social, religiosa, política e econômica acima. Esse pensamento de ideal "puro" do Yoga também é fruto da alienação (avidya em sânscrito) social criada pelos dominantes do meio religioso/espiritual que possuem a hegemonia dos bens de salvação ioguicos (os brâmanes, ou seja, o próprio Patanjali).

Cada religião/espiritualidade assim, criando o seu "mundo ideal" de ordem forma, paradoxalmente, comportamentos considerados "mais corretos" e "éticos" do que outros (considerados profanos ou amorais), num verdadeiro elã alienante social. Trazendo à baila novamente a religiosidade do Yoga, a manutenção comportamental da relação klesas-vrttis (klesas como formadores dos vrttis ou "turbilhão da mente") para o Yoga antigo/clássico é o caminho para a transcendência, a via para a liberação em vida das agruras da vida ou Kaivalya (lit. libertação ou liberação, o equivalente da Redenção Cristã). Mas, como obter isso? A proposta é o Asthanha Yoga, um caminho religioso/espiritual pautado em 8 partes, onde condutas éticas e morais são prescritas para a vida que vale a pena ser vivida (yamas e niyamas), assim como práticas rituais psicocorporais (asanas, pranayamas, prathyahara e a meditação propriamente dita - samyama, ou seja, dharana, dhyana e samadhi) devem ser realizadas diariamente (eu sei que essa parte para quem está fora do Yoga parece "grego", mas é sânscrito, e não desista de mim e continue a leitura).

Mas será que todo esse esforço intelectivo antigo consegue suspender o Caos e dar Ordem aos yogues modernos ainda? Isso garante a salvação dos nossos sofrimentos contemporaneamente, frente a revolução digital das sociedades capitalistas com vistas apenas ao acúmulo de capital? Talvez não mais, pelo menos não com essa linguagem erigida para um público não mais habitando sociedades imperiais. Hoje, o método espiritual do Asthanga Yoga pode garantir a um devoto ao Yoga - um indivíduo que decide crer na Ordem criada pelo Yoga - dissolver o seu caos interno e viver pleno consigo mesmo e o Universo, mas ele precisa, antes, desfazer-se da Ordem criada por outros métodos (como o cristão) e desenvolver a fé ioguica.

Isso pode não fazer o menor sentido a você (todo esse discurso de Patanjali e a salvação pela diminuição dos vrttis e atenção aos comportamentos dos klesas), assim como não o fez para os primeiros cristãos protestantes anglicanos que iniciaram a colonização da Índia, ainda no séc. XIX. No entanto, existem infinitas outras formas de obter uma ordem para o Caos do (seu) mundo, e isso (a adesão ou não às explicações religiosas/espirituais/filosóficas/cientificas/míticas criadas para afugentar a desordem do mundo) dependem atualmente e exclusivamente da SUA vontade, pois vivemos em um mundo aonde a escolha religiosa/espiritual/filosófica/artística/mítica foi PRIVATIZADA e o Estado não mais determina qual a explicação de mundo que se deve ou não seguir por sua população (processo que os sociológicos denominaram de Secularização).

O que seria uma "benção" (não viver mais sob a pesada espada de uma religião apenas dominante), se tornou (em nosso mundo atual, sobretudo após 1600 d.C. com o surgir da Ciência como mais uma forma de explicar a DES-ORDEM do mundo) uma "maldição". Com isso, ao invés de aniquilar as religiões como ordenadora de realidades, a demanda por bens de salvação se multiplicaram e o mercado religioso desenvolveu infinitas outras formas de sincretismos e bricolagens: Xamanismo com Cristianismo = Santo Daime; Cristianismo com Hinduísmo = Espiritismo Kardecista; Espíritas Kardecistas com Candomblecistas = Umbanda; Umbanda com Santo Daime = Umbandaime; Ciência + Terapêuticas Orientais + Ocultismo Ocidental = Nova Eristas, e Hinduísmo + Nova Eristas + Espiritas Kardecistas + Daimistas + Cristãos = Yoga Moderno Brasileiro.

Aí complicou? Talvez, mas essa reflexão nos fornece uma liberdade maior de escolha, em suma, liberta você da busca pela verdade. Mas com toda essa liberdade de escolha vem o ônus da insegurança, da raiva e do medo de fazer a coisa certa (ou não). Já que posso escolher qualquer uma outra Ordem ao meu Caos, como saber se estou fazendo a escolha correta? Entre viver algo e errar, paralisa-se em STAND-BY e não vive, não experiencia-se nada. O que falta a este? Coragem para ser quem você quiser Ser. Vida nômade espelhando-se em Arjuna que é incitado por Krisha a entrar na guerra e não se acovardar perante a vida e suas escolhas.


Resumo

Durante os anos de 1900–1960 o ioga brasileiro permanecia circunscrito a meios esotéricos das grandes fraternidades ocultistas clássicas, predominantemente entre a classe média branca brasileira, e pouco conhecido pelo público em geral. Um ioga sem características próprias, fazendo parte de uma colcha de retalhos mística e mágica. A partir das pesquisas de campo dos últimos dez anos, pretendemos usar como lente para nova leitura a teoria da transplantação do recorte proposto por Pauline Kollontai (2007), cuja visão difere dos demais teóricos da área por considerar na natureza da pré-migração questões como gênero e sexualidade. À luz da ribalta dos principais personagens protagonistas dos últimos 60 anos do ioga brasileiro - como Prof. Hermógenes com sua identidade ioguica terapêutica-cristã-espírita; a escola de ioga de DeRose autodenominada por ele de Swásthya Yôga cuja doutrina teria sido revelada a ele por intermédio de um espírito indiano desencarnado chamado Bhávajánanda na zona sul carioca; e o personagem mais recente, mas não menos proeminente, o Sri Prem Baba, o primeiro swami brasileiro que mescla a religião Santo Daime com a tradição hinduísta do ioga, fazendo surgir uma terceira escola de ioga brasileira, o Awaken Love -, pretendemos testar a teoria de Kollontai segundo suas proposições: 1) a tradição de origem e sua natureza pré-migração (plural, étnica ou unificada), bem como, questões de gênero e sexualidade que constitui a tradição, no caso consideraremos os contornos sociopolíticos do local de origem e o local de recepção; 2) tradições (da cultura) de recebimento, sobretudo sua cosmovisão e a representação local sobre o que é religião/religiões, 3) natureza do processo migratório da religião, como a doutrina chegou e em que contexto; 4) natureza do grupo migrante, atentando para a diversidade entre os migrantes e o nível de formação, já que é fator para uma melhor adaptação; 5) natureza da reação dos anfitriões, incluindo possíveis atitudes sociais mais gerais como racismo, tendência a assimilação, integração aos hibridismos. Nosso interesse é compreender se o contexto sociocultural presente na Índia à época em que o ioga aportou em terras brasileiras, encontrou ecos morais similares por aqui, de modo que as reproduções de padrões de gênero e sexualidade e possíveis desdobramentos das reações dos anfitriões, ora constituíssem manutenções dos aspectos do ioga nacionalista vindo da Índia, ora gerassem margem para abertura do mercado espiritual ioguico a novos modelos de ioga.

Palavras-chave: ioga, transplantação, gênero, migração, hibridismo

Introdução

Esta reflexão nasce do encontro das pesquisas de Roberto Simões de mais de dez anos sobre o contexto do ioga no Brasil, com estudos de gênero nas religiões, especialmente asiáticas, no doutoramento de Sabrina Alves.

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A proposta é compreender se o contexto sócio-cultural presente na Índia à época em que o ioga aportou em terras brasileiras encontrou ecos morais similares por aqui, de modo que as reproduções de padrões de gênero e sexualidade e possíveis desdobramentos das reações dos anfitriões, ora constituíssem manutenções aspectos do ioga nacionalista vindo da Índia, ora gerassem margem para abertura do mercado espiritual ioguico a novos modelos de ioga com tendências conservadoras. Iremos considerar quem foram os hospedeiros do conceito, ou dos conceitos de ioga implantados no Brasil, bem como o momento político-cultural que vivia o Brasil.

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Para tanto, estamos propondo considerarmos os aspectos da transplantação das religiões no caso do ioga no Brasil a partir do pensamento de Pauline Kollontai exposto em Transplanting Religion: Defining Community and Expressing Identity (Kollontai, 2007, p. 68-81). E, embora a proposta de Kollontai seja pensada a partir da migração de representantes da religião, o que pretendemos é, pensar a partir das teorias que a autora desenvolve, como que o objeto da religião ioguica foi importada e ressignificada no Brasil, especialmente no tocante à identidade da comunidade e a identidade individual examinadas além das perspectivas teológicas e religiosas (Id., p.9). .

Quadro geral do ioga no Brasil

Não é tarefa fácil traçar um panorama histórico e social do ioga na América Latina. A busca por referências do ioga, revela, invariavelmente, uma religião ainda descrito sem uma única identidade ou parte indistinta de algum outro fenômeno religioso. É como se o ioga apenas “emprestasse” partes da sua doutrina e práticas rituais corpóreas para compor outras espiritualidades, sem possuir microuniverso religioso próprio de atuação (ver Guerriero, 2006; Id., 2014).

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O caráter mais terapêutico das práticas ioguicas são as que recebem o apelo maior do meio acadêmico. Para um praticante do ioga e cientista da religião, entretanto, o ioga já está bem documentado como possível fenômeno religioso autônomo em processo (DeMichelis, 2004; Jain, 2014; Guerriero, 2014) – e ser religioso/espiritual não é menor sob o ponto de vista cognitivo. Mas não foi sempre assim, o ioga dos seus períodos antigo e medieval era percebido como darsana, o que significa pertencente ao hinduísmo. Um iogue rezando o pai-nosso, pais-de-santo praticando surya-namaskar, daimistas cantando mantras e iogues consagrando altares com os seus mestres indianos ao lado de orixás são cenários, sem dúvidas, do universo malandro brasileiro.

. O ioga sofre modificações no seu encontro com o mundo ocidental, sobretudo da teosofia, da educação física, da biomedicina e da economia capitalista neoliberal (Singleton, 2005), mas também da ideologia marxista via Nova Era. Isso fez com que emergisse o que acadêmicos europeus denominaram de Ioga Postural Moderno (DeMichelis, 2004) como uma prática religiosa do corpo (Jain, 2014).

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O ioga latino-americano passou por um processo de insulamento aproximado de 80 anos. Durante todo esse período (de 1900 a 1980), o ioga na América Latina resistiu como espiritualidade sem qualquer legitimação indiana mais contundente como ocorreu na europa e estados unidos por exemplo. Isso parece ter sucedido por um afastamento natural — talvez devido a barreira idiomática (espanhol e português em vez do inglês?) —, o que dificultou a vinda e permanência de gurus indianos e, consequentemente, no estabelecimento tardio de organizações espirituais do ioga “nativo”. Esse fato, por outro lado, não desautorizou o ioga a disseminar-se na América Latina, pelo contrário, produziu crenças, mestres e sistemas de práticas sincretizados por elementos religiosos nativos e cristãos, tornando algumas expressões ioguicas únicas — como é o caso do ioga brasileiro Caminho do Coração do Swami Prem Baba, o Sattva Yoga do chileno Gustavo Ponce, o Yoga Cubano de Eduardo Pimentel, o SwáSthya-Yôga d’DeRose disseminado por muitos países sul-americanos, o Yoghismo desenvolvido na Venezuela por Serge Raynaud e a Yogaterapia do Prof. Hermógenes no Brasil (Simões, 2015).

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Pela escassez de informações acadêmicas, foi coletado o maior número possível de dados sobre as principais escolas e tradições ioguicas que chegaram às cidades latino-americanas direto dos próprios sites de divulgação das mais importantes organizações ioguicas presentes, mas também em biografias, revistas de divulgação dos próprios núcleos e alguns poucos trabalhos acadêmicos. Identifiquei também os principais personagens nativos e estrangeiros que participaram (e ainda participam) da difusão do ioga como fenômeno espiritual latino-americano. Por fim, verifiquei a veracidade desses dados com iogues representantes dessas instituições, além de livros, teses e dissertações acadêmicas sobre o assunto.

. O desafio está, no entanto, em construir não somente a origem do ioga brasileiro, mas mostrar que, ao contrário de países europeus e dos Estados Unidos, os iogues latino-americanos receberam influências sociorreligiosas diferente o que ocasionou reformas soteriológicas e míticas interessantes e singulares. Mas segundo Kollontai (2007) “qualquer grupo disperso de pessoas leva consigo uma série de fenômenos sociais, culturais, políticos, filosóficos e religiosos, conscientes e subconscientes, o que ajuda a moldar as comunidades em que eles se tornam e a identidade que eles constroem e expressam”. Logo, sendo a comunidade ioguica no Brasil uma minoria, com fortes necessidades de condições para o desenvolvimento da comunidade religiosa, como desempenharam e desempenham o papel na definição de crenças e práticas no novo local, neste caso o Brasil de 1900 a 1980? Quais fatores afetaram a expressão de identidade ioguica brasileira? Vamos considerar que ao importarem o ioga – os hospedeiros latino-americanos da nova religião – trouxeram nos apuds das doutrinas fenômenos culturais, religiosos e políticos. E como propõem a autora, a migração (da religião em nosso caso), em relação às pressões de assimilação e tendo que articular suas práticas em um ambiente diferente, os hospedeiros 3 criadores e/ou aglutinadores das comunidades podem tender a se tornar a construção de uma identidade transnacional já que os conceito e a expressão da comunidade religiosa e da identidade passam por algumas mudanças e modificações (Kollontai, 2007, p.69). .

Discussão

Kollontai parte do trabalho de Knott que estabeleceu o quadro teórico para examinar como as religiões mudam à medida que seu seguidores migram e para identificar quais fatores contribuem para a mudança religiosa. “Foi necessário tentar construir uma estrutura para entender o que acontece com um grupo religioso e sua tradição quando se muda para um novo local geográfico e social; e identificar os fatores que contribuem para novos padrões e formas de religião, comportamento, organização, experiência e auto-compreensão” (Knott 1986b: apud Kollontai, p.72). Esses fatores são agrupados pela autora em cinco categorias: (1) tradições domésticas; (2) tradições de acolhimento; (3) natureza do processo migratório; (4) natureza do grupo migrante; (5) natureza de resposta do hospedeiro (Knott, 1986 a, p.10-12).

. Partindo do pensamento de Knoot, as contribuições de Kollontai estão nas categorias que ela acrescenta à teoria, sendo a primeira a "tradição doméstica", gênero e sexualidade que segundo ela precisam ser identificados explicitamente como um dos fatores e, em segundo lugar, a categoria “natureza do grupo de migrantes” precisa incluir o fator geracional e o impacto que isso tem sobre como as religiões evoluem e os grupos em geral. .

O principal argumento de Kollontai é no como se dá o processo de transplantação da religião irá desempenhar um papel crucial na definição de crenças e práticas religiosas do novo local de prática da religião. E que o processo afeta a expressão da identidade de um grupo minoritário religioso. Segundo ela as pessoas levam consigo uma série de fenômenos sociais, culturais, políticos, filosóficos e religiosos, “conscientemente e subconscientemente, e como resultado, isso molda as características da nova comunidade em que elas se tornam e a identidade sendo construída e expressa” (Kollontai, 2007, p. 11).

. 1) A tradição de origem e sua natureza pré-migração (plural, étnica ou unificada), bem como, questões de gênero e sexualidade que constitui a tradição, no caso consideraremos os contornos sócio-políticos do local de origem e o local de recepção. .

Sobre a primeira categoria - tradições domésticas - Knott afirma que as pessoas trazem consigo suas próprias tradições religiosas e culturais que irão interagir com o novo ambiente e produzir mudanças em sua religião ou sua particularidade étnica e a natureza dos outros fatores culturais, como língua, costumes, comida e vestuário, etc. (Knott, 1986 a, p.10-11). Para Kollontai esta categoria é um lembrete da influência e importância que as tradições religiosas e culturais das pessoas podem desempenhar quando se instalam em um novo local. A essa categoria, a autora aponta veementemente que deve-se ser identificados explicitamente gênero e sexualidade como um dos fatores.

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E, justamente no período da chegada do ioga na América Latina (colocar a referencia do seu doutorado) estavam ocorrendo as lutas anticoloniais da Índia e a construção do estado nação-hindu. Como é sabido as lutas estavam baseadas fortemente em noções bhramanicas de gênero com base nos casamentos endogâmicos, e, além disso uma dos aparelhos que o estado usou como afirmação da identidade hindu de nação foi usar a figura da mulher hindu como modelo feminino a ser seguido e o modelo de masculinidade do muçulmano a ser rejeitado. .

A proposta é pensar como que os representantes do ioga indiano contatados pelos hospedeiros latinos transmitiram os conhecimentos do ioga via oral e prático, já que se pode considerar limitado o contato direto com os textos que não estavam escritos em inglês. Segundo a proposta de Kollontai e Knott esse conhecimento certamente estava marcado pelas convicções tradições culturais religiosas do tempo social e que podemos inferir vieram marcados por padrões de gênero que estavam em plena ebulição na Índia. .

Um pouco mais de 20 anos depois da independência indiana (1947), a década de 1960 é marcada pelos movimentos de contracultura políticas latino-americanas, e o ioga, que se popularizou entre os meios esotéricos-místicos mais formais das grandes lojas maçônicas e fraternidades esotéricas no período passado, ganha um público mais culto educacionalmente. Essa segunda fase é marcada por novas descobertas e pelo surgimento de uma nova geração de iogues latino-americanos nativos. Eles iniciam sincretismos do ioga com as suas próprias religiosidades sincréticas nativas e cristãs, além de terapêuticas holistas. Ao contrário de iogues europeus e norte-americanos, brasileiros, uruguaios, argentinos e colombianos não possuem acesso às escrituras indianas ainda, por isso edificam um ioga pautado por suas experiências e intuições, mas alguns se arriscam mais.

. Além disso, poderemos considerar sobre a recepção nesse contexto proposto por Kollontai que tais padrões encontraram ecos entre os latinos. Como exemplo à luz da ribalta dos principais personagens protagonistas dos últimos 60 anos do ioga brasileiro - - como Prof. Hermógenes com sua identidade ioguica terapêutica-cristã-espírita; a escola de yoga de DeRose auto-denominada por ele de Swásthya Yôga cuja doutrina teria sido revelada a ele por intermédio de um espírito indiano desencarnado chamado Bhavajananda na zona sul carioca; e o personagem mais recente, mas não menos proeminente, o Sri Prem Baba, o primeiro swami brasileiro que mescla a religião Santo Daime com a tradição hinduísta do ioga, fazendo surgir uma terceira escola de yoga brasileira, o Awaken Love. Uma parcela das lideranças pulverizadoras no ioga brasileiro, todos homens construindo uma noção de masculinidade ainda para ser estudada.

. 2) Tradições (da cultura) de recebimento, sobretudo sua cosmovisão e a representação local sobre o que é religião/religiões. .

A segunda categoria lida com as tradições anfitriãs - “Na chegada e durante o período subsequente de colonização, os migrantes entram em contato de várias maneiras com as tradições estabelecidas da “comunidade anfitriã ”, religião, política, cultura, leis, educação, bem-estar e imigração políticas de liquidação” (Id., 1986 a, p.11).

. No caso brasileiro do ioga identifica-se modificações, especialmente no seu encontro com o mundo ocidental, sobretudo da teosofia, da educação física, da biomedicina e da economia capitalista neoliberal (Singleton, 2005), mas também da ideologia marxista via Nova Era. Isso fez com que emergisse o que acadêmicos europeus denominaram de Ioga Postural Moderno (DeMichelis, 2004) como uma prática religiosa do corpo (Jain, 2014).

. O iogue brasileiro Mestre DeRose, por exemplo, teve o primeiro contato com seu mestre espiritual não-encarnado — Bhávajánanda — em 1969, no Rio de Janeiro em uma sessão na religião da Umbanda. Enquanto Hermógenes, outra figura importante no cenário ioguico brasileiro, foi buscar, no mesmo período, confirmação de seu trabalho com o ioga tanto na ciência biomédica quanto em sessões espíritas com Chico Xavier, de quem foi amigo e professor de ioga. Ou seja, nenhuma das duas figuras do ioga latino-americano, foi iniciado por mestres de tradições ioguicas indianas, pelo contrário, é a própria religiosidade brasileira que os legitimam como iogues. .

3) Natureza do processo migratório da religião, como a doutrina chegou e em que contexto; .

A terceira categoria, a natureza do processo migratório, reconhece que todos os migrantes viajaram para o novo local através de várias rotas. Mas estamos considerando aqui nessa categoria a migração da religião ioguica para o Brasil. O desenvolvimento deste ponto seria avaliar o impacto da natureza do processo de migração nas gerações subsequentes.

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Nesse contexto pode-se observar duas fases a serem consideradas: a fase místico-esotérica (Simões, 2015) num contexto da América Latina, por exemplo com a discípula de Helena Blavatsky, a norte-americana Katherine Augusta Westcott Tingley desembarcada na América do Sul, funda a primeira escola de ensino infantil com influências filosóficas do ioga de que se tem notícia na América Latina: o Raja Yoga Academy, na capital cubana (Tingley, 2012). O objetivo de Tingley será o mesmo dos próximos três personagens que aparecem neste início de ioga latino-americano: difundir os ensinamentos ioguicos por meio de denominações esotéricas, como a teosofia, o martinismo, a rosa-cruz e a maçonaria.

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E a fase visitando a Índia (Simões, 2015): mesmo que em 1929 tenhamos notícia da visita do Swami Yogananda ao México, o estabelecimento efetivo de organizações espirituais indianas de ioga só acontece a partir de 1950. Neste período agora, que marca os anos de 1950–1973 — portanto mais de setenta anos de ioga desde a chegada de K. Tingley —, serão os próprios latino-americanos que se arriscarão a traduzir o ioga da Índia para a sua cultura. E o caso do curioso chileno que nunca esteve na Índia, e recebeu toda a iniciação do SDM por cartas com seu mestre entre os anos de 1918–1924. Após esse período de extensas correspondências, B. Guzman foi auferido o nome iniciático de Sri Vayera Yogui Dasa e autorizado a fundar três organizações ioguicas no Chile, no Brasil e depois no Uruguai, ao longo das décadas de 1930–1960. Mais tarde dos personagens citados nesse artigo, Hermógenes e DeRose chegaram a ter contato com a seita segundo informado pela ghinanadhata Margareth Gonçalves do ashran da cidade de São Paulo do SDM. .

4) Natureza do grupo migrante, atentando para a diversidade entre os migrantes e o nível de formação, já que é fator para uma melhor adaptação.

. A quarta categoria de Knott, que examina a natureza do grupo de migrantes. Neste contexto no caso brasileiro temos dois pontos a serem considerados: as fontes de onde beberam os iogues brasileiros e na segunda fase de viagens à Índia em que cultura e região geográfica estavam inseridos seus interlocutores, pois Knott, reconhece que todos os grupos de migrantes em termos de religião e cultura têm sua própria diversidade interna. Também pode ajudar a identificar como a ambiguidade dentro de uma religião é gerenciada em termos de coesão ou divisão de grupo; como quaisquer expressões geracionais de uma religião são gerenciadas.

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Sobre a natureza do grupo, ambiguidades e expressões geracionais a exemplo dos três iogues brasileiros citados neste artigo, Hermógenes, DeRose e Prem Baba, podemos considerar: Hermógenes e DeRose possuem similaridades: ambos desenvolvem seus trabalhos com o ioga na cidade do Rio de Janeiro e, apesar da diferença de idade, são contemporâneos. Eles também ficam conhecidos pelas dezenas de livros publicados e se dedicam com afinco à divulgação do ioga como caminho espiritual, além de combinarem em não possuir um guru ou mestre de referência que nos permita identificar a qual “tradição” pertenceram realmente – na verdade a nenhuma, e ambos foram autodidatas. O que os diferencia são as posições de ideias totalmente opostas que adotam para divulgar suas ideologias ioguicas no Brasil e no mundo.

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O Prof. Hermógenes foi um capitão da reserva do exército brasileiro que aos 35 anos de idade, em 1955, foi diagnosticado com tuberculose. Hermógenes dedicou-se, durante o repouso obrigatório para o tratamento, lendo, relaxando, meditando, autossugestionando-se e obtendo diversas experiências religiosas a partir das práticas de ioga que edifica sozinho – lit. praticando no banheiro da sua casa. Em 1960, lança o seu primeiro livro, Autoperfeição com Hatha Yoga e, em 1962, abre a Academia Hermógenes. Como não existia literatura sobre ioga e muito menos líderes de ioga autorizados por qualquer tradição indiana nesse período, as primeiras leituras de Hermógenes foram as obras Sport et Yoga, de Selvarajan Yesudian e Elisabeth Haich e The Yoga System of Health and Relief from Tension, de Yogi Vithaldas (Sanchez, 2014, p.35). Ambas literaturas sem profundas discussões das escrituras canônicas ioguicas, mas muito mais alicerçadas na aplicação prática da sua fisicalidade em repercussão à saúde. A perspectiva terapêutica do ioga foi porta de entrada para Hermógenes, sem sombra de dúvidas.

. No discurso do iogue DeRose há deslegitimação quanto a iogaterapia de Hermógenes — e todas as demais escolas de ioga brasileiras — como “formas deturpadas de Yoga”, e considera o seu método (Swásthya Yôga) como autenticamente “pré-védico”. Quando DeRose autointitula o seu método ioguico como anterior ao Vedas, portanto em uma posição irrefutável de verificação empírica, percebe-se (e exaustivamente divulga este acontecimento) como o único iogue verdadeiramente genuíno e digno de confiança entre os brasileiros de sua geração. O que está em jogo aqui nessa categoria seria qual seria a fonte do seu método defendido por ele como pré-vedico. Até o presente momento não foi possível confirmar a origem das bases do seu método. .

No caso do psicólogo Janderson (ou Prem Baba) em uma viagem de turismo com a sua companheira na época, no início dos anos 2000, sem falar inglês, entra em contato com o mestre da tradição Sacha e que passa a manter contato em outras viagens à Índia e, na altura da morte do mestre da tradição, na volta de uma das viagens ao Brasil informa estar iluminado, criando o Awaken Love. .

Mesmo que a aparente diversidade dos hospedeiros em termos geracionais, há outras similaridades como gênero, classe e raça: homens, brancos e de classe média. Expandindo a proposta de Kollontai para essa categoria sobre considerar gênero, o estamos fazendo sobre a natureza do hospedeiro que foram responsáveis no século XIX e XX por pulverizarem o ioga brasileiro. .

5) Natureza da reação dos anfitriões, incluindo possíveis atitudes sociais mais gerais como racismo, tendência a assimilação, integração, hibridismo. .

A quinta e última categoria de Knott explora a natureza da resposta do hospedeiro – “O outro grande conjunto de influências… incluindo atitudes sociais gerais em vez de tradições culturais, como racismo, atitudes para assimilação e integração e ecumenismo” (Knott, 1986a, p.12). Para Kollontai a natureza da resposta do hospedeiro afeta o cerne da identidade e do senso de comunidade de um grupo. O trabalho de vários outros estudiosos também fornece insights para Kollontai pensar o assunto. .

A essa categoria de Knott, Kollontai afirma ser necessário incluir o fator geracional e o impacto que isso tem sobre como as religiões evoluem e os grupos em geral. Por exemplo, embora na discussão sobre vertente de iogues “tradicionalistas” vs híbridos há aqueles que condenam qualquer tipo de aproximação do ioga como se fosse preciso “purificá-lo” das influências não-vendânticas. Eles se incumbiram de resgatar a “essência do ioga” perdida na transplantação de sua espiritualidade para o ocidente. A partir desse contexto híbridos versus tradicionalistas, o ioga delimitou naturalmente os seus contornos singulares. Essa singularidade despertou discussões sobre o papel social e psicológico das práticas do ioga, seja terapêutico ou de ginástica laica (Fernandes & Da Rocha, 2005). Pesquisas posteriores, entretanto, revelaram também escolas modernas de ioga sincretizando-se com religiosidades brasileiras, fomentando algum tipo novo de espiritualidade (Gnerre, 2010). .

Nos casos do DeRose e do Prem Baba não há casos de seus discípulos que tenham ido buscar orientações direto das fontes citadas pelos ioguicos com intuito de purificar a tradição já que para Kollontai é menos provável que isso seja o caso entre as segundas, terceiras e subseqüentes gerações, à medida que eles e sua religião e cultura se tornam estabelecidas. Por hora, podemos esperar que isso ocorra para as próximas gerações. .

Conclusão

. Kollotai informa para concluir que deveria ser incluído mais uma categoria a “tradição hospedeira” ou a “resposta do hospedeiro” (host worldview) que segundo o contexto geopolítico da autora significaria considerar o impacto da política externa de um país anfitrião sobre as religiões para as quais o apoio do governo britânico à guerra contra o Iraque contribuiu para uma nova autoconsciência sobre a identidade religiosa entre os membros da comunidade muçulmana britânica. Para ela Um desenvolvimento adicional do trabalho de Knott, que nos informa sobre questões de comunidade e identidade, é sua afirmação de que toda religião é, em algum sentido, local. A importância de estudar as religiões em sua localidade é que permite ao pesquisador investigar plenamente a relação entre religião e seu contexto, o impacto de aspectos daquele contexto na religião e a formação ativa da localidade pelas religiões dentro dela (Knott, 1998, p.284). Para Kollontai:

"(...) este trabalho parece ser uma extensão lógica do trabalho inicial de Knott sobre religiões migrantes porque, trabalhando com o conceito de que todas as religiões se localizam em maior ou menor grau, há o reconhecimento do fato de que na maioria dos casos as religiões as minorias evoluirão com o tempo, tornando-se mais indigenizadas ou, em alguns casos, mais tradicionais e talvez fundamentalistas."

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Com a proposta recente de Kollontai poder-se-á julgar que estamos diante do papel evidente que o processo de transplantação desempenha na construção, desconstrução e reconstrução das crenças e práticas religiosas, porém, segundo ela é importante considerar a globalização para identificar que parte ela também desempenha no processo de transplantação e como ela contribui para a formação e expressão de comunidade e identidade. .

Para o caso brasileiro, sem dúvidas a possibilidade de leitura de textos em inglês por parte da classe média branca brasileira viabilizou a pulverização do ioga no Brasil, mas também uma segunda fase de recuperação as viagens à Índia e o encontro com gurus e mestres indianos. Podemos inferir que entraremos em uma nova fase de interação das religiões ioguicas brasileiras com a indiana, e uma das maravilhas de pesquisar o objeto vivo em plena expansão é a de também ser testemunha. .

Bibliografia

. DeMichelis, E. (2004) A history of modern yoga: Patañjali and Western Esotericism. London: Continuum Books.

Fernandes, E. & Da Rocha, V.M. (2005) A imagem do yoga como terapia e como ginástica: Uma construção ocidental. Vivência Artigos: 29: 311–326.

Gnerre, M.L.A. (2010) Identidades e paradoxos dos yoga no Brasil: Caminho espiritual, prática de relaxamento ou atividade física? Fronteiras: 12(21): 247–270.

Guerriero, S. (2006) Novos movimentos religiosos: O quadro brasileiro. São Paulo: Paulinas.

_______________. (2014) Até onde vai a religião: um estudo do elemento religioso nos movimentos da Nova Era. Horizonte, 12(35): 902–931.

Jain, A. (2014) Selling yoga: from counterculture to pop culture. New York: Oxford University Press.

Knott, K. (1986a) Religion and Identity, and the Study of Ethnic Minority Religions in Britain (Community Religions Project Monograph; Leeds: University of Leeds).

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_________ (1991) Bound to Change? The Religions of South Asian in Britain, in S. Vertovec (ed.), Aspects of the South Asian Diaspora (Oxford: Oxford University Press).

________ (1998) Issues in the Study of Religion and Locality, Method and Theory in the Study of Religion 10(3): 279–90.

Kollontai, P. (2007) Transplanting Religion: Defining Community and Expressing Identity in Community Identity Dynamics of Religion in Context Edited by Sebastian C. H. Kim and Pauline Kollontai. (p. 68-81)

Sanches, R.L. (2014) Curar o corpo, salvar a alma: As representações do Yoga no Brasil. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

Simões, R.S. (2015) Yoga in Latin America. In: Gooren H. (eds) Encyclopedia of Latin American Religions. Springer

Singleton, M. (2005) Salvation through Relaxation: Proprioceptive Therapy and its Relationship to Yoga. Journal of Contemporary Religion. 30(3): 289–304.

Tingley, K.A.W. (2012) Theosophical Path Volume 18. Miami/Florida: Rare Books Club.


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