Durante os anos de 1900–1960 o ioga brasileiro permanecia circunscrito a meios esotéricos das grandes fraternidades ocultistas clássicas, predominantemente entre a classe média branca brasileira, e pouco conhecido pelo público em geral. Um ioga sem características próprias, fazendo parte de uma colcha de retalhos mística e mágica. A partir das pesquisas de campo dos últimos dez anos, pretendemos usar como lente para nova leitura a teoria da transplantação do recorte proposto por Pauline Kollontai (2007), cuja visão difere dos demais teóricos da área por considerar na natureza da pré-migração questões como gênero e sexualidade. À luz da ribalta dos principais personagens protagonistas dos últimos 60 anos do ioga brasileiro - como Prof. Hermógenes com sua identidade ioguica terapêutica-cristã-espírita; a escola de ioga de DeRose autodenominada por ele de Swásthya Yôga cuja doutrina teria sido revelada a ele por intermédio de um espírito indiano desencarnado chamado Bhávajánanda na zona sul carioca; e o personagem mais recente, mas não menos proeminente, o Sri Prem Baba, o primeiro swami brasileiro que mescla a religião Santo Daime com a tradição hinduísta do ioga, fazendo surgir uma terceira escola de ioga brasileira, o Awaken Love -, pretendemos testar a teoria de Kollontai segundo suas proposições: 1) a tradição de origem e sua natureza pré-migração (plural, étnica ou unificada), bem como, questões de gênero e sexualidade que constitui a tradição, no caso consideraremos os contornos sociopolíticos do local de origem e o local de recepção; 2) tradições (da cultura) de recebimento, sobretudo sua cosmovisão e a representação local sobre o que é religião/religiões, 3) natureza do processo migratório da religião, como a doutrina chegou e em que contexto; 4) natureza do grupo migrante, atentando para a diversidade entre os migrantes e o nível de formação, já que é fator para uma melhor adaptação; 5) natureza da reação dos anfitriões, incluindo possíveis atitudes sociais mais gerais como racismo, tendência a assimilação, integração aos hibridismos. Nosso interesse é compreender se o contexto sociocultural presente na Índia à época em que o ioga aportou em terras brasileiras,
encontrou ecos morais similares por aqui, de modo que as reproduções de padrões de gênero e sexualidade e possíveis desdobramentos das reações dos anfitriões, ora constituíssem manutenções dos aspectos do ioga nacionalista vindo da Índia, ora gerassem margem para abertura do mercado espiritual ioguico a novos modelos de ioga.
Palavras-chave: ioga, transplantação, gênero, migração, hibridismo
Esta reflexão nasce do encontro das pesquisas de Roberto Simões de mais de dez anos sobre o contexto do ioga no Brasil, com estudos de gênero nas religiões, especialmente asiáticas, no doutoramento de Sabrina Alves.
A proposta é compreender se o contexto sócio-cultural presente na Índia à época em que o ioga aportou em terras brasileiras encontrou ecos morais similares por aqui, de modo que as reproduções de padrões de gênero e sexualidade e possíveis desdobramentos das reações dos anfitriões, ora constituíssem manutenções aspectos do ioga nacionalista vindo da Índia, ora gerassem margem para abertura do mercado espiritual ioguico a novos modelos de ioga com tendências conservadoras. Iremos considerar quem foram os hospedeiros do conceito, ou dos conceitos de ioga implantados no Brasil, bem como o momento político-cultural que vivia o Brasil.
Para tanto, estamos propondo considerarmos os aspectos da transplantação das religiões no caso do ioga no Brasil a partir do pensamento de Pauline Kollontai exposto em Transplanting Religion: Defining Community and Expressing Identity (Kollontai, 2007, p. 68-81). E, embora a proposta de Kollontai seja pensada a partir da migração de representantes da religião, o que pretendemos é, pensar a partir das teorias que a autora desenvolve, como que o objeto da religião ioguica foi importada e ressignificada no Brasil, especialmente no tocante à identidade da comunidade e a identidade individual examinadas além das perspectivas teológicas e religiosas (Id., p.9).
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Quadro geral do ioga no Brasil
Não é tarefa fácil traçar um panorama histórico e social do ioga na América Latina. A busca por referências do ioga, revela, invariavelmente, uma religião ainda descrito sem uma única identidade ou parte indistinta de algum outro fenômeno religioso. É como se o ioga apenas “emprestasse” partes da sua doutrina e práticas rituais corpóreas para compor outras espiritualidades, sem possuir microuniverso religioso próprio de atuação (ver Guerriero, 2006; Id., 2014).
O caráter mais terapêutico das práticas ioguicas são as que recebem o apelo maior do meio acadêmico. Para um praticante do ioga e cientista da religião, entretanto, o ioga já está bem documentado como possível fenômeno religioso autônomo em processo (DeMichelis, 2004; Jain, 2014; Guerriero, 2014) – e ser religioso/espiritual não é menor sob o ponto de vista cognitivo. Mas não foi sempre assim, o ioga dos seus períodos antigo e medieval era percebido como darsana, o que significa pertencente ao hinduísmo. Um iogue rezando o pai-nosso, pais-de-santo praticando surya-namaskar, daimistas cantando mantras e iogues consagrando altares com os seus mestres indianos ao lado de orixás são cenários, sem dúvidas, do universo malandro brasileiro.
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O ioga sofre modificações no seu encontro com o mundo ocidental, sobretudo da teosofia, da educação física, da biomedicina e da economia capitalista neoliberal (Singleton, 2005), mas também da ideologia marxista via Nova Era. Isso fez com que emergisse o que acadêmicos europeus denominaram de Ioga Postural Moderno (DeMichelis, 2004) como uma prática religiosa do corpo (Jain, 2014).
O ioga latino-americano passou por um processo de insulamento aproximado de 80 anos. Durante todo esse período (de 1900 a 1980), o ioga na América Latina resistiu como espiritualidade sem qualquer legitimação indiana mais contundente como ocorreu na europa e estados unidos por exemplo. Isso parece ter sucedido por um afastamento natural — talvez devido a barreira idiomática (espanhol e português em vez do inglês?) —, o que dificultou a vinda e permanência de gurus indianos e, consequentemente, no estabelecimento tardio de organizações espirituais do ioga “nativo”. Esse fato, por outro lado, não desautorizou o ioga a disseminar-se na América Latina, pelo contrário, produziu crenças, mestres e sistemas de práticas sincretizados por elementos religiosos nativos e cristãos, tornando algumas expressões ioguicas únicas — como é o caso do ioga brasileiro Caminho do Coração do Swami Prem Baba, o Sattva Yoga do chileno Gustavo Ponce, o Yoga Cubano de Eduardo Pimentel, o SwáSthya-Yôga d’DeRose disseminado por muitos países sul-americanos, o Yoghismo desenvolvido na Venezuela por Serge Raynaud e a Yogaterapia do Prof. Hermógenes no Brasil (Simões, 2015).
Pela escassez de informações acadêmicas, foi coletado o maior número possível de dados sobre as principais escolas e tradições ioguicas que chegaram às cidades latino-americanas direto dos próprios sites de divulgação das mais importantes organizações ioguicas presentes, mas também em biografias, revistas de divulgação dos próprios núcleos e alguns poucos trabalhos acadêmicos. Identifiquei também os principais personagens nativos e estrangeiros que participaram (e ainda participam) da difusão do ioga como fenômeno espiritual latino-americano. Por fim, verifiquei a veracidade desses dados com iogues representantes dessas instituições, além de livros, teses e dissertações acadêmicas sobre o assunto.
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O desafio está, no entanto, em construir não somente a origem do ioga brasileiro, mas mostrar que, ao contrário de países europeus e dos Estados Unidos, os iogues latino-americanos receberam influências sociorreligiosas diferente o que ocasionou reformas soteriológicas e míticas interessantes e singulares. Mas segundo Kollontai (2007) “qualquer grupo disperso de pessoas leva consigo uma série de fenômenos sociais, culturais, políticos, filosóficos e religiosos, conscientes e subconscientes, o que ajuda a moldar as comunidades em que eles se tornam e a identidade que eles constroem e expressam”. Logo, sendo a comunidade ioguica no Brasil uma minoria, com fortes necessidades de condições para o desenvolvimento da comunidade religiosa, como desempenharam e desempenham o papel na definição de crenças e práticas no novo local, neste caso o Brasil de 1900 a 1980? Quais fatores afetaram a expressão de identidade ioguica brasileira? Vamos considerar que ao importarem o ioga – os hospedeiros latino-americanos da nova religião – trouxeram nos apuds das doutrinas fenômenos culturais, religiosos e políticos. E como propõem a autora, a migração (da religião em nosso caso), em relação às pressões de assimilação e tendo que articular suas práticas em um ambiente diferente, os hospedeiros 3 criadores e/ou aglutinadores das comunidades podem tender a se tornar a construção de uma identidade transnacional já que os conceito e a expressão da comunidade religiosa e da identidade passam por algumas mudanças e modificações (Kollontai, 2007, p.69).
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Kollontai parte do trabalho de Knott que estabeleceu o quadro teórico para examinar como as religiões mudam à medida que seu seguidores migram e para identificar quais fatores contribuem para a mudança religiosa. “Foi necessário tentar construir uma estrutura para entender o que acontece com um grupo religioso e sua tradição quando se muda para um novo local geográfico e social; e identificar os fatores que contribuem para novos padrões e formas de religião, comportamento, organização, experiência e auto-compreensão” (Knott 1986b: apud Kollontai, p.72). Esses fatores são agrupados pela autora em cinco categorias: (1) tradições domésticas; (2) tradições de acolhimento; (3) natureza do processo migratório; (4) natureza do grupo migrante; (5) natureza de resposta do hospedeiro (Knott, 1986 a, p.10-12).
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Partindo do pensamento de Knoot, as contribuições de Kollontai estão nas categorias que ela acrescenta à teoria, sendo a primeira a "tradição doméstica", gênero e sexualidade que segundo ela precisam ser identificados explicitamente como um dos fatores e, em segundo lugar, a categoria “natureza do grupo de migrantes” precisa incluir o fator geracional e o impacto que isso tem sobre como as religiões evoluem e os grupos em geral.
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O principal argumento de Kollontai é no como se dá o processo de transplantação da religião irá desempenhar um papel crucial na definição de crenças e práticas religiosas do novo local de prática da religião. E que o processo afeta a expressão da identidade de um grupo minoritário religioso. Segundo ela as pessoas levam consigo uma série de fenômenos sociais, culturais, políticos, filosóficos e religiosos, “conscientemente e subconscientemente, e como resultado, isso molda as características da nova comunidade em que elas se tornam e a identidade sendo construída e expressa” (Kollontai, 2007, p. 11).
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1) A tradição de origem e sua natureza pré-migração (plural, étnica ou unificada), bem como, questões de gênero e sexualidade que constitui a tradição, no caso consideraremos os contornos sócio-políticos do local de origem e o local de recepção.
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Sobre a primeira categoria - tradições domésticas - Knott afirma que as pessoas trazem consigo suas próprias tradições religiosas e culturais que irão interagir com o novo ambiente e produzir mudanças em sua religião ou sua particularidade étnica e a natureza dos outros fatores culturais, como língua, costumes, comida e vestuário, etc. (Knott, 1986 a, p.10-11). Para Kollontai esta categoria é um lembrete da influência e importância que as tradições religiosas e culturais das pessoas podem desempenhar quando se instalam em um novo local. A essa categoria, a autora aponta veementemente que deve-se ser identificados explicitamente gênero e sexualidade como um dos fatores.
E, justamente no período da chegada do ioga na América Latina (colocar a referencia do seu doutorado) estavam ocorrendo as lutas anticoloniais da Índia e a construção do estado nação-hindu. Como é sabido as lutas estavam baseadas fortemente em noções bhramanicas de gênero com base nos casamentos endogâmicos, e, além disso uma dos aparelhos que o estado usou como afirmação da identidade hindu de nação foi usar a figura da mulher hindu como modelo feminino a ser seguido e o modelo de masculinidade do muçulmano a ser rejeitado.
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A proposta é pensar como que os representantes do ioga indiano contatados pelos hospedeiros latinos transmitiram os conhecimentos do ioga via oral e prático, já que se pode considerar limitado o contato direto com os textos que não estavam escritos em inglês. Segundo a proposta de Kollontai e Knott esse conhecimento certamente estava marcado pelas convicções tradições culturais religiosas do tempo social e que podemos inferir vieram marcados por padrões de gênero que estavam em plena ebulição na Índia.
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Um pouco mais de 20 anos depois da independência indiana (1947), a década de 1960 é marcada pelos movimentos de contracultura políticas latino-americanas, e o ioga, que se popularizou entre os meios esotéricos-místicos mais formais das grandes lojas maçônicas e fraternidades esotéricas no período passado, ganha um público mais culto educacionalmente. Essa segunda fase é marcada por novas descobertas e pelo surgimento de uma nova geração de iogues latino-americanos nativos. Eles iniciam sincretismos do ioga com as suas próprias religiosidades sincréticas nativas e cristãs, além de terapêuticas holistas. Ao contrário de iogues europeus e norte-americanos, brasileiros, uruguaios, argentinos e colombianos não possuem acesso às escrituras indianas ainda, por isso edificam um ioga pautado por suas experiências e intuições, mas alguns se arriscam mais.
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Além disso, poderemos considerar sobre a recepção nesse contexto proposto por Kollontai que tais padrões encontraram ecos entre os latinos. Como exemplo à luz da ribalta dos principais personagens protagonistas dos últimos 60 anos do ioga brasileiro - - como Prof. Hermógenes com sua identidade ioguica terapêutica-cristã-espírita; a escola de yoga de DeRose auto-denominada por ele de Swásthya Yôga cuja doutrina teria sido revelada a ele por intermédio de um espírito indiano desencarnado chamado
Bhavajananda na zona sul carioca; e o personagem mais recente, mas não menos proeminente, o Sri Prem Baba, o primeiro swami brasileiro que mescla a religião Santo Daime com a tradição hinduísta do ioga, fazendo surgir uma terceira escola de yoga brasileira, o Awaken Love. Uma parcela das lideranças pulverizadoras no ioga brasileiro, todos homens construindo uma noção de masculinidade ainda para ser estudada.
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2) Tradições (da cultura) de recebimento, sobretudo sua cosmovisão e a representação local sobre o que é religião/religiões.
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A segunda categoria lida com as tradições anfitriãs - “Na chegada e durante o período subsequente de colonização, os migrantes entram em contato de várias maneiras com as tradições estabelecidas da “comunidade anfitriã ”, religião, política, cultura, leis, educação, bem-estar e imigração políticas de liquidação” (Id., 1986 a, p.11).
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No caso brasileiro do ioga identifica-se modificações, especialmente no seu encontro com o mundo ocidental, sobretudo da teosofia, da educação física, da biomedicina e da economia capitalista neoliberal (Singleton, 2005), mas também da ideologia marxista via Nova Era. Isso fez com que emergisse o que acadêmicos europeus denominaram de Ioga Postural Moderno (DeMichelis, 2004) como uma prática religiosa do corpo (Jain, 2014).
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O iogue brasileiro Mestre DeRose, por exemplo, teve o primeiro contato com seu mestre espiritual não-encarnado — Bhávajánanda — em 1969, no Rio de Janeiro em uma sessão na religião da Umbanda. Enquanto Hermógenes, outra figura importante no cenário ioguico brasileiro, foi buscar, no mesmo período, confirmação de seu trabalho com o ioga tanto na ciência biomédica quanto em sessões espíritas com Chico Xavier, de quem foi amigo e professor de ioga. Ou seja, nenhuma das duas figuras do ioga latino-americano, foi iniciado por mestres de tradições ioguicas indianas, pelo contrário, é a própria religiosidade brasileira que os legitimam como iogues.
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3) Natureza do processo migratório da religião, como a doutrina chegou e em que contexto;
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A terceira categoria, a natureza do processo migratório, reconhece que todos os migrantes viajaram para o novo local através de várias rotas. Mas estamos considerando aqui nessa categoria a migração da religião ioguica para o Brasil. O desenvolvimento deste ponto seria avaliar o impacto da natureza do processo de migração nas gerações subsequentes.
Nesse contexto pode-se observar duas fases a serem consideradas: a fase místico-esotérica (Simões, 2015) num contexto da América Latina, por exemplo com a discípula de Helena Blavatsky, a norte-americana Katherine Augusta Westcott Tingley desembarcada na América do Sul, funda a primeira escola de ensino infantil com influências filosóficas do ioga de que se tem notícia na América Latina: o Raja Yoga Academy, na capital cubana (Tingley, 2012). O objetivo de Tingley será o mesmo dos próximos três personagens que aparecem neste início de ioga latino-americano: difundir os ensinamentos ioguicos por meio de denominações esotéricas, como a teosofia, o martinismo, a rosa-cruz e a maçonaria.
E a fase visitando a Índia (Simões, 2015): mesmo que em 1929 tenhamos notícia da visita do Swami Yogananda ao México, o estabelecimento efetivo de organizações espirituais indianas de ioga só acontece a partir de 1950. Neste período agora, que marca os anos de 1950–1973 — portanto mais de setenta anos de ioga desde a chegada de K. Tingley —, serão os próprios latino-americanos que se arriscarão a traduzir o ioga da Índia para a sua cultura. E o caso do curioso chileno que nunca esteve na Índia, e recebeu toda a iniciação do SDM por cartas com seu mestre entre os anos de 1918–1924. Após esse período de extensas correspondências, B. Guzman foi auferido o nome iniciático de Sri Vayera Yogui Dasa e autorizado a fundar três organizações ioguicas no Chile, no Brasil e depois no Uruguai, ao longo das décadas de 1930–1960. Mais tarde dos personagens citados nesse artigo, Hermógenes e DeRose chegaram a ter contato com a seita segundo informado pela ghinanadhata Margareth Gonçalves do ashran da cidade de São Paulo do SDM.
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4) Natureza do grupo migrante, atentando para a diversidade entre os migrantes e o nível de formação, já que é fator para uma melhor adaptação.
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A quarta categoria de Knott, que examina a natureza do grupo de migrantes. Neste contexto no caso brasileiro temos dois pontos a serem considerados: as fontes de onde beberam os iogues brasileiros e na segunda fase de viagens à Índia em que cultura e região geográfica estavam inseridos seus interlocutores, pois Knott, reconhece que todos os grupos de migrantes em termos de religião e cultura têm sua própria diversidade interna. Também pode ajudar a identificar como a ambiguidade dentro de uma religião é gerenciada em termos de coesão ou divisão de grupo; como quaisquer expressões geracionais de uma religião são gerenciadas.
Sobre a natureza do grupo, ambiguidades e expressões geracionais a exemplo dos três iogues brasileiros citados neste artigo, Hermógenes, DeRose e Prem Baba, podemos considerar: Hermógenes e DeRose possuem similaridades: ambos desenvolvem seus trabalhos com o ioga na cidade do Rio de Janeiro e, apesar da diferença de idade, são contemporâneos. Eles também ficam conhecidos pelas dezenas de livros publicados e se dedicam com afinco à divulgação do ioga como caminho espiritual, além de combinarem em não possuir um guru ou mestre de referência que nos permita identificar a qual “tradição” pertenceram realmente – na verdade a nenhuma, e ambos foram autodidatas. O que os diferencia são as posições de ideias totalmente opostas que adotam para divulgar suas ideologias ioguicas no Brasil e no mundo.
O Prof. Hermógenes foi um capitão da reserva do exército brasileiro que aos 35 anos de idade, em 1955, foi diagnosticado com tuberculose. Hermógenes dedicou-se, durante o repouso obrigatório para o tratamento, lendo, relaxando, meditando, autossugestionando-se e obtendo diversas experiências religiosas a partir das práticas de ioga que edifica sozinho – lit. praticando no banheiro da sua casa. Em 1960, lança o seu primeiro livro, Autoperfeição com Hatha Yoga e, em 1962, abre a Academia Hermógenes. Como não existia literatura sobre ioga e muito menos líderes de ioga autorizados por qualquer tradição indiana nesse período, as primeiras leituras de Hermógenes foram as obras Sport et Yoga, de Selvarajan Yesudian e Elisabeth Haich e The Yoga System of Health and Relief from Tension, de Yogi Vithaldas (Sanchez, 2014, p.35). Ambas literaturas sem profundas discussões das escrituras canônicas ioguicas, mas muito mais alicerçadas na aplicação prática da sua fisicalidade em repercussão à saúde. A perspectiva terapêutica do ioga foi porta de entrada para Hermógenes, sem sombra de dúvidas.
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No discurso do iogue DeRose há deslegitimação quanto a iogaterapia de Hermógenes — e todas as demais escolas de ioga brasileiras — como “formas deturpadas de Yoga”, e considera o seu método (Swásthya Yôga) como autenticamente “pré-védico”. Quando DeRose autointitula o seu método ioguico como anterior ao Vedas, portanto em uma posição irrefutável de verificação empírica, percebe-se (e exaustivamente divulga este acontecimento) como o único iogue verdadeiramente genuíno e digno de confiança entre os brasileiros de sua geração. O que está em jogo aqui nessa categoria seria qual seria a fonte do seu método defendido por ele como pré-vedico. Até o presente momento não foi possível confirmar a origem das bases do seu método.
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No caso do psicólogo Janderson (ou Prem Baba) em uma viagem de turismo com a sua companheira na época, no início dos anos 2000, sem falar inglês, entra em contato com o mestre da tradição Sacha e que passa a manter contato em outras viagens à Índia e, na altura da morte do mestre da tradição, na volta de uma das viagens ao Brasil informa estar iluminado, criando o Awaken Love.
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Mesmo que a aparente diversidade dos hospedeiros em termos geracionais, há outras similaridades como gênero, classe e raça: homens, brancos e de classe média. Expandindo a proposta de Kollontai para essa categoria sobre considerar gênero, o estamos fazendo sobre a natureza do hospedeiro que foram responsáveis no século XIX e XX por pulverizarem o ioga brasileiro.
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5) Natureza da reação dos anfitriões, incluindo possíveis atitudes sociais mais gerais como racismo, tendência a assimilação, integração, hibridismo.
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A quinta e última categoria de Knott explora a natureza da resposta do hospedeiro – “O outro grande conjunto de influências… incluindo atitudes sociais gerais em vez de tradições culturais, como racismo, atitudes para assimilação e integração e ecumenismo” (Knott, 1986a, p.12). Para Kollontai a natureza da resposta do hospedeiro afeta o cerne da identidade e do senso de comunidade de um grupo. O trabalho de vários outros estudiosos também fornece insights para Kollontai pensar o assunto.
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A essa categoria de Knott, Kollontai afirma ser necessário incluir o fator geracional e o impacto que isso tem sobre como as religiões evoluem e os grupos em geral. Por exemplo, embora na discussão sobre vertente de iogues “tradicionalistas” vs híbridos há aqueles que condenam qualquer tipo de aproximação do ioga como se fosse preciso “purificá-lo” das influências não-vendânticas. Eles se incumbiram de resgatar a “essência do ioga” perdida na transplantação de sua espiritualidade para o ocidente. A partir desse contexto híbridos versus tradicionalistas, o ioga delimitou naturalmente os seus contornos singulares. Essa singularidade despertou discussões sobre o papel social e psicológico das práticas do ioga, seja terapêutico ou de ginástica laica (Fernandes & Da Rocha, 2005). Pesquisas posteriores, entretanto, revelaram também escolas modernas de ioga sincretizando-se com religiosidades brasileiras, fomentando algum tipo novo de espiritualidade (Gnerre, 2010).
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Nos casos do DeRose e do Prem Baba não há casos de seus discípulos que tenham ido buscar orientações direto das fontes citadas pelos ioguicos com intuito de purificar a tradição já que para Kollontai é menos provável que isso seja o caso entre as segundas, terceiras e subseqüentes gerações, à medida que eles e sua religião e cultura se tornam estabelecidas. Por hora, podemos esperar que isso ocorra para as próximas gerações.
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Kollotai informa para concluir que deveria ser incluído mais uma categoria a “tradição hospedeira” ou a “resposta do hospedeiro” (host worldview) que segundo o contexto geopolítico da autora significaria considerar o impacto da política externa de um país anfitrião sobre as religiões para as quais o apoio do governo britânico à guerra contra o Iraque contribuiu para uma nova autoconsciência sobre a identidade religiosa entre os membros da comunidade muçulmana britânica. Para ela Um desenvolvimento adicional do trabalho de Knott, que nos informa sobre questões de comunidade e identidade, é sua afirmação de que toda religião é, em algum sentido, local. A importância de estudar as religiões em sua localidade é que permite ao pesquisador investigar plenamente a relação entre religião e seu contexto, o impacto de aspectos daquele contexto na religião e a formação ativa da localidade pelas religiões dentro dela (Knott, 1998, p.284). Para Kollontai:
"(...) este trabalho parece ser uma extensão lógica do trabalho inicial de Knott sobre religiões migrantes porque, trabalhando com o conceito de que todas as religiões se localizam em maior ou menor grau, há o reconhecimento do fato de que na maioria dos casos as religiões as minorias evoluirão com o tempo, tornando-se mais indigenizadas ou, em alguns casos, mais tradicionais e talvez fundamentalistas."
Com a proposta recente de Kollontai poder-se-á julgar que estamos diante do papel evidente que o processo de transplantação desempenha na construção, desconstrução e reconstrução das crenças e práticas religiosas, porém, segundo ela é importante considerar a globalização para identificar que parte ela também desempenha no processo de transplantação e como ela contribui para a formação e expressão de comunidade e identidade.
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Para o caso brasileiro, sem dúvidas a possibilidade de leitura de textos em inglês por parte da classe média branca brasileira viabilizou a pulverização do ioga no Brasil, mas também uma segunda fase de recuperação as viagens à Índia e o encontro com gurus e mestres indianos. Podemos inferir que entraremos em uma nova fase de interação das religiões ioguicas brasileiras com a indiana, e uma das maravilhas de pesquisar o objeto vivo em plena expansão é a de também ser testemunha.
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DeMichelis, E. (2004) A history of modern yoga: Patañjali and Western Esotericism. London: Continuum Books.
Fernandes, E. & Da Rocha, V.M. (2005) A imagem do yoga como terapia e como ginástica: Uma construção ocidental. Vivência Artigos: 29: 311–326.
Gnerre, M.L.A. (2010) Identidades e paradoxos dos yoga no Brasil: Caminho espiritual, prática de relaxamento ou atividade física? Fronteiras: 12(21): 247–270.
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