Quando Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud condenaram o cristianismo como alienação, escravidão e ilusão para as pessoas, estavam, antes de clivar uma religião, criando - cada um à sua maneira - uma nova “narrativa explicativa de mundo”.
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Todos eles, assim, desenvolveram as suas próprias “Igrejas”, por assim dizer: Sociedade sem classes, Super-homem e a Psicanálise, são cosmologias que produzem muitos discípulos ainda, muito mais do que pensadores. Todavia, a ruptura hegemônica de uma única versão da Verdade (a religião católica, sobretudo, que Marx, Freud e Nietzsche criticaram) induziram transformações sociais, econômicas importantes, mas não acabaram com a religião, pelo contrário, produziram novas. Após eles (e claro que há muitos outros pensadores importantes antes e depois destes), houve um descrédito (e até certa ojeriza) às religiões dominantes. Se instaura na Europa da virada do século XIX-XX, um processo de ruptura sistemática de qualquer aproximação do Estado com a Igreja (não só cristãs, mas islâmicas, budistas e etc).
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Esse rompimento do Estado-Religião permitiu que cada indivíduo dessas novas sociedades seculares (é nome que se dá a governos em que chefe de Estado não é também o líder espiritual) pudessem escolher em qual narrativa ou cosmovisão de mundo seguir - mesmo que seja o ateísmo, aonde é a Ciência o modelo ordenador de Universo, e seus sacerdotes, os cientistas.
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Essa liberdade espiritual trouxe consigo um movimento religioso inovador que não acredita em nenhuma forma de institucionalização do espírito humano, e muito menos que se estabeleçam valores morais universais a seguir. Estes novos religiosos pós-existencialismo acreditam, por sua vez, em uma nova ordem a surgir, creem que a “Era de Peixes” findou e a Era de Aquário, astrologicamente mesmo, chegou a partir do séc. XXI para mudar o mundo. Estes, ficaram conhecidos como pertencentes do Movimento religioso New Age ou Nova Eristas.
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É como se as religiões tradicionais estivessem com o “prazo de validade vencidas”. Os religiosos Nova Era até mudaram o nome de suas Igrejas para “Espiritualidades”. As religiões/espiritualidades Nova Era transformaram antigas práticas e escrituras das religiões tradicionais, sobretudo advindas do “Oriente”, como terapêuticas. Assim, o Tai-chi Chuan, o Yoga e a Acupuntura foram desvinculadas, respectivamente, das religiões Taoísta, Hinduísta e Budista. Sobretudo via ordens esotéricas europeias estas novas ideias espirituais disseminaram os ideais nova eristas pelas sociedades seculares e privatizadas religiosamente do Ocidente: Teosofia, Maçonaria e Rosa-Cruz, assim como o Martinismo são alguns exemplos.
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Quando os diversos movimentos político-religiosos nacionalistas indianos se organizaram, por volta de 1858, para lutar pela independência de seu país dos ingleses - que os colonizam até 1947 -, se beneficiam dessa efervescência espiritual nova era - “libertária” das antigas cosmovisões religiosas - que crescia no mundo. Surge daí o Neo-Vedanta por exemplo, que interpretaria o Gita, o Vedas e o Yoga-Sutras traduzindo-os para o inglês.
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O yoga, antes um filosofia-religiosa hinduísta (darsana), e a sua principal prática ritual, a Meditação se disseminam pelo mundo como desvinculado do Hinduísmo, mas legitimado pela Ciência biomédica - bem ao gosto nova erista, filhos do existencialismo dos nossos 3 personagens iniciais. Um dos swamis herdeiros do nacionalismo indiano e do movimento religioso Nova Era, Kuvalayananda, é considerado o “pai do yoga científico”; Vivekananda, mais um herdeiro dessa aura "libertária", funda em 1918 a primeira “escola para formar professores de yoga”; Yogananda em 1920, funda a primeira escola de Yoga fora da Índia em Hollywood/EUA. Estes, são apenas alguns exemplos da verdadeira missão proselitista dos yogues indianos nacionalistas em apresentar ao mundo o valor de sua cultura e uma nova proposta de pensar o yoga.
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Ao longo de menos de 100 anos (1900-1970), o Yoga foi inovado, adequado e readequado pelo movimento nova era, conquistando status de “científico”, terapêutico, ginástico, e dissociado da sua religião-matriz: o Hinduísmo. Agora, Jesus, Maomé, Buda e Jeová são considerados “yogues”. O yoga vai conquistando a sua singularidade, por assim dizer: possui suas escrituras sagradas, práticas singulares, experiências pessoais e, claro, uma comunidade fora da Índia que vai crescendo exponencialmente. O Yoga Moderno se transforma em uma nova religião influenciado pelo movimento religioso nova era, biomedicina, Ed. Física e cristianismo. mas também, e como não poderia ser de outra forma, produz novos líderes e com eles, uma nova perspectiva de mundo.
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A proposta moderna do yoga continua sendo a mesma em sua “essência” (que na verdade, é a mesma de qualquer outra religião): acabar com o sofrimento humano. Mas para o Yoga, ao contrário dos cristãos, a causa do Mal não reside no pecado Original, mas na Ignorância “Original”. Você não sofre porque é Imperfeito (pecador). Não, para os yogues somos Perfeitos e Plenos! Sofremos por não compreender a Plenitude que vive em nós por causa da confusão mental em que vivemos. O Yoga propõe um caminho espiritual óctuplo para findar o “turbilhão da mente”, como eles dizem. E a prática meditativa, a realização diária de posturas combinados com respiratórios espirituais e a adoção de 10 códigos morais (yamas e niyamas) é a “missa” yoguica. Os yogues modernos devem assumir esses 8 preceitos para alcançar o tal "discernimento espiritual" da essência “perene”/harmônica que já são.
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Todavia, quando essa doutrina religiosa yoguica, sistematizada no século II a.C., por um sacerdote hinduísta, foi sendo introduzida em sociedades, como vimos no início deste texto, que lutaram por vencer toda e qualquer forma de doutrinação religiosa (lembre de Marx, Nietzsche e Freud) encontram os yamas e niyamas e percebem que não passam de outros “10 mandamentos” ou “Pecados”, não curtem muito bem a ideia e ignoram esses valores morais e adotam com mais vigor as experiências pessoais (e espirituais) advindas das posturas (asanas), respiratórios (pranayamas) e da meditação propriamente dita; além disso, a Ciência biomédica legitimou e incentivou o Yoga como um sistema de “cura do Mal do século XX”: o estresse. Assim, os yogues modernos incorporam o “estresse” e o “relaxamento” em sua nova cosmologia ou “ordenador de realidade”.
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A religião, como já se sabe, não é uma construção irracional, mas um complexo lógico e coerente as agruras que afetam uma dada (parcela) da sociedade, fornecendo sentido de vida para esses indivíduos. Acreditar em chackras, prana, nadis, kundalini e orar para um Deus com corpo de criança e cabeça de elefante é tão “isano/ilógico” do que preparar um despacho na encruzilhada para um Exú-Mirim ou ir à missa aos domingos com esperança no Céu cristão.
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Mas essas construções, quando aceitas em uma dada comunidade, serão, continuamente, mantidas, trocadas e experienciadas por símbolos míticos e místicos na vida cotidiana, fornecendo sentido (ética) a todos que comungarem (fé) nos seus signos. Quando esses signos pararem de fazer sentido a eles, a religião morrerá, para outra surgir (ou vir a ser dominante) - como a religião Egípcia, dominante frente ao Judaísmo em um dado período histórico, e "morta" nos dias atuais (2018) e suplantada pelos judeus séculos depois. Ou você conhece alguém que reza pra Osiris (deusa egípcia) ou comunga no templo de Delfos (antiga moradia de divindades divinatórias da religião grega)? Não, você conhece judeus que visitam Jerusálem.
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Quando yogues indianos modernos (como Iyengar e outros) elegeram o “estresse” como causa do sofrimento humano (para os yogues antigos eram os klesas: comportamentos associados ao apego, aversão, medo da morte e orgulho, frutos da Ignorância), não estão sendo ingênuos ou menores intelectualmente do que seus antepassados (que viviam em uma sociedade estratificada e sob a tutela do Hinduísmo, sempre bom relembrar); mas inovadores, pois perceberam as transformações sociais em que viviam e ressignificam suas narrativas religiosas. Se não mudassem, o yoga morreria ou, de tão obtuso, talvez nem estaríamos aqui discutindo suas ideias.
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Por fim, os yogues modernos, pela aproximação com biomedicina científica, permitiram que novos atores sociais atuassem em seu microuniverso espiritual, muitas vezes, disputando com eles seus bens de salvação/libertação por novos alunos/discípulos. Ou seja, como o fim do sofrimento no Yoga Moderno não advém mais de uma moral “escrita”, mas “sentida” pelas experiências corporais de suas práticas, swamis, mestres e professores de yoga, agora disputam discípulos com “cientistas-gurus”. De um jeito mais fácil de compreender, swamis, professores de yoga e cientistas-gurus (como D.Chopra, A.Watts e A.Goswami) ofertam os mesmos de bens de salvação yoguica modernos: o relaxamento. A grande busca espiritual yoguica moderna se aproxima mais de uma espécie de “homeostase divina” do que o Kaivalya da Índia antiga. Com isso quero dizer que uma parcela da população que habita os grandes centros urbanos “cansados”, “estressados”, ansiosos, com déficit de atenção e acometidos pela falta de perspectiva de vida (depressão), tem adotado o yoga como sua prática religiosa diária, como uma espécie de exorcismo do estresse/Mal de suas vidas “laicas”.
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A cada Surya Namaskar, Ujjay e mantra realizado, está a esperança de uma "vida plena" ou, "yogaterapeuticamente" falando, em busca da "alta performance" e "ampliação da consciência" de Si-mesmo (ou qualquer outra aproximação - e aqui tudo o que é "quântico" é benvindo) aonde se alcance com o Yoga moderno, uma "nova maneira de viver".
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Não há, para ficar bem evidente, na minha fala nenhum tom de chacota, ironia ou sarcasmo (talvez de ironia, mas como recurso pedagógico e nunca de diminuição intelectiva), pois exponho as elegantes transformações que a cosmologia do yoga tem passado para se manter "atualizada" com a nossa sociedade. Talvez, se você viva na Índia e conviva apenas com rishis reclusos em cavernas, isso tudo possa parecer pilhéria (pois eles desenvolveram ou manteram suas próprias narrativas daquele contexto); mas se você é um yogue contemporâneo e vive em sociedades urbanas do Ocidente, esses (o que expus) são os símbolos "novos" de um yoga que faz sentido a sua população atual, e erigidas pelos próprios indianos.
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E o livre-pensador de yoga? É o que leu e compreendeu (mesmo não concordando) que as adaptações são inevitáveis, e vivem acima de contendas sobre qual yoga é mais "sério", correto, antigo, tradicional, mais ou menos "físico" ou que possui ou não uma pronúncia acertada de ahimsa ou Isvara.