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Dr.Roberto Simões

Há muitos pesquisadores, mestres e estudiosos sobre o ioga no Brasil sobretudo, que são ao mesmo tempo, devotos de uma linhagem espiritual/religiosa e acadêmicos. O interessante é que nos trabalhos publicados por eles (ou seus discípulos/alunos), estes não conseguem tomar uma atitude imparcial sobre os seus objetos de estudo, e saem publicando verdadeiras obras apologéticas. Parece não haver nenhuma crítica ao ioga, e o pior, utilizam-se sempre das mesmas referências bibliográficas: Mircea Eliade, Henrich Zimmer e Georg Feuerstein e dezenas de artigos da ciência biológica, sem nenhuma ligação com a espiritualidade humana. O resultado disso? A transformação de uma religiosidade em terapia que cura-tudo e a estagnação de uma discussão acadêmica amadurecida sobre a filosofia, a sociologia, a antropologia, a psicologia e demais ciencias engajadas em investigar o ioga.

Qual o interesse desse comportamento? Ingenuidade (deles e de quem os lê devotamente) e/ou o acúmulo de capital no campo religioso de quem publica. Vou tentar ser mais claro. Cada um defende a sua própria instituição ioguica e, em geral, critica uma outra (a sua concorrente, é claro). Assim, aqueles que investem mais capital em livros, cursos, formações, apostilas, palestras, workshops e etc. em determinada área de conhecimento ou instituição (linhagem) do ioga ataca ou minimiza a importância de seu concorrente - ou chamando-do de heterdoxo ou ortodoxo.

Para quem está achando isso tudo que escrevo um exagero, perceba que muitos iogues ainda vivem apenas no terceiro capítulo dos Yoga-Sutras de Patanjali, onde ele descreve todos os "poderes" que se pode obter com a vivencia do ioga. Mas Patanjali mesmo nos alerta: "olha, existe ainda o quarto capítulo, e é lá que eu explico o que venha a ser kaivalya realmente", ou seja, a libertação da ignorância, que por sua vez, é a mãe do apego, da aversao, do orgulho e do medo da morte... de ser esquecido(?), por isso o movimento de retorno à tradição? E a obsessão por excomungar iogues autodidatas e plurais?

Vou tentar ser mais claro. Todos os defensores do ioga verdadeiro são, na verdade (e não há ironia aqui), discípulos de algum mestre, por isso se percebem mais "autênticos". Assim, o que enfrentamos não é uma disputa sobre a origem real de uma ou outra linhagem como um paladino em busca da verdade como alguns apregoam, mas uma disputa pelo mercado religioso, em específico, o micromercado religioso do ioga brasileiro. O que está em disputa é o capital simbólico de quem está ou não autorizado a portar a bandeira de ser hatha-iogue, raja-iogue, iyengar-iogue, asthanga-iogue ou acro-iogue, dentre outras denominações ioguicas. Mas, no campo da religião ioga, todos são iogues. Pois quem "faz" alguém iogue seria apenas um mestre de uma linhagem ou o comportamento deste segundo a doutrina aceita do ioga (talvez, no caso, de Patanjali ou Matsyendra?) - se eu realizo o kapallabhati de forma diferente da sua linhagem eu não sou iogue? Se pronuncio algum mantra a Ganesha diferente do sânscrito minhas preces não serão respondidas? Mas e o cristianismo popular com as suas benzedeiras e arrudas não produzem curas ou preciso orar em latim para Deus me ouvir? E outro fator, as vezes esquecido, antes que qualquer "autoridade" do ioga desembarcasse por aqui, em terras brasileiras, o ioga já havia chegado pelas mãos de pessoas bem intecionadas em divulgar o que conheciam por ioga. E se hoje se critica tais individuos pioneiros, ninguém estaria discutindo se ioga tal ou qual é ou não "legítimo", compreendem? - o Prof Hermógenes que não tem linhagem alguma, muito menos organizou qualquer cursos de formação ioguica de seu método, o diminui como mestre?

O ioga brasileiro passa por uma transformação e cabe aos seus líderes instituir suas lideranças e organizar suas fundações. Os cursos de formação, as viagens de peregrinação à Índia e a venda de produtos sagrados (seja cds e dvds de satsangs, livros ou camisetas e incensos com a marca dessa liderança) já marca de quem você descende. Os iogues mais "híbridos", que preferem o "plural ou invés do singular" também possuem o seu espaço produzindo ioga original e rico. Na verdade, estes ocupam o maior filão do mercado religioso ioguico brasileiro, é por isso que os mais "tradicionalistas" levantam suas vozes agora por meio de blogs, sites, revistas e palestras quando denunciam que "este" iogue ou "aquele" não possui tradição. Quem vai ganhar?

Ninguém, pois em religião essa ambivalência estará sempre presente. São os magos (iogaterapeutas), os profetas (iogues-híbridos que anunciam o novo) e os sacerdotes (iogues-tradicionalistas que mantém o antigo) disputando a sua fatia do mercado. E os leigos (praticantes e professores de ioga), estão fora dele? Não, são os que sustentam estes quando consomem esse rico material espiritual erigidos por estes agentes religiosos ioguicos (magos, profetas e sacerdotes) que vivem e mantém a estrutura espiritual invisível do ioga no país com o pagamento dos leigos e professores de ioga (ver SIMOES, 2015 - tese de doutorado sobre a tipologia descrita acima).

Agora, você pode estar se indagando o que eu sou nesta estrutura ioguica? Talvez um leigo almejando concluir uma formação para se tornar um professor de ioga. Um professor de ioga querendo montar a sua própria formação de ioga e mostrar ao mundo como é rico a sua própria versão do ioga; ou reproduzir com fidedignidade a linhagem ioguica em foi iniciado ou ainda, se já é um líder com curso de formação, organizar viagens regulares a Índia.

Amarro agora ao final com o meu primeiro parágrafo. Muitos acadêmicos (homens e mulheres da ciência no Brasil), defendem um ioga terapêutico, outros tantos um ioga com pureza sânscrita e tantos outros um "ioga livre". Venho aqui observar que há algumas dezenas de cientistas já investigando o ioga brasileiro pelo um viés outsider, menos moral e mais desapegado do que é certo ou errado. Almejo um dia também assitir mais iogues conseguindo perceber a riqueza da diversidade, mesmo que defendendo as suas linhagens, hibridismos ou a beleza da terapêutica espiritual do ioga. Uma última palavra: condenamos (nós do mundo ioguico brasileiro) tanto os cristãos medievais que queimavam mulheres e homens pagãos só porque rezavam por outras doutrinas e não percebemos que no microuniverso do ioga se faz o mesmo hoje. Mais satya, mas com ahimsa, ou seja, busquemos a verdade, mas sem violências conscienciais. A verdade só será absoluta e imaculada na cabeça dos ortodoxos.

Dr.Roberto Simões

Pra começo de conversa

Nós, seres humanos, erigimos alguns campos de conhecimento que se revezam em qual propõe com maior ou menor veracidade a realidade em que vivemos. A religião é uma delas, e até meados de 1900, por exemplo, a perspectiva católica de mundo ditava as regras no Brasil do que era moral e ético. Não é incomum ainda hoje testemunharmos famílias encomendarem rituais cristãos de batismo e crisma, concomitantemente, aos serviços mágicos das benzedeiras - com seus ramos de arruda e rezas murmurantes – na quebra de mau-olhado e espinhela caída. Dessa forma, não é imprudente expandirmos um pouco o nosso conhecimento sobre conceitos como religião, religiosidade e espiritualidade.

Uma outra versão da história

Eu me lembro a primeira vez que tomei em minhas mãos o livro de Euclides da Cunha, Os Sertões. Eu tinha 15 anos quando a professora informou à classe que esse livro “cairia na prova”. Que tormento foi seguir linha por linha aquela descrição infinita, primeiro da geografia do nordeste brasileiro, depois do próprio homem do agreste e, por fim, da guerra de Canudos. Me senti árido, pesado e com falta ar. Ao final estava cansado e me perguntava a razão daquelas pessoas seguirem, pelo pobre sertão baiano, um homem que caminhava em busca de uma terra prometida, cujo fim foi a morte de quase todos a chumbo por resistirem ao governo brasileiro e a Igreja católica. Mas, pobre e ignorante era eu mesmo, que não conseguia acessar de forma tão profunda as complexas estruturas biopsíquicas e sociais que nos formam como seres humanos.

Vinte e cinco anos depois, me foi solicitado novamente folhear as mesmas páginas amarelas de Os Sertões do meu tempo de escola, mas nas aulas de doutorado, com o objetivo agora de compreender os movimentos messiânicos no Brasil. Confesso que vacilei alguns segundos e me veio aquele gosto de terra seca, o calor pesado da sua leitura e a dificuldade de se embrenhar mais uma vez na mata da caatinga por meio das palavras de Euclides. Enfim, não iria “cair na prova” mas no seminário que deveria apresentar, o que dava no mesmo, e encarei Conselheiro e a sua comunidade religiosa mais uma vez.

A compreensão do texto agora foi absolutamente diferente e saborosa. O livro continuava duro, de difícil acesso, com trilhas tortuosas e espinhosas, no entanto, me alçou a um sentido maior de entendimento da religiosidade brasileira. Estava eu agora preparado (e humilde pela maturação que a vida nos conduz) a compreender os desafios que o espírito humano empreende, assim como as estratégias que constrói para enfrentar de forma digna e moral as suas angústias existenciais por sentido da vida, quer seja conduzindo a vida sob os preceitos de Platão, Charles Darwin, Richard Dawkins ou Silas Malafaia. Em geral, seguimos os sentidos de outros, mas alguns poucos indivíduos desenvolvem a coragem de erigir e persistir os seus próprios caminhos.

Em Os sertões, lemos o “caminho” erigido pelo cearense Antônio Vicente Mendes Maciel, nascido em Queixeramobim, mais conhecido historicamente por Antônio Conselheiro - mas que se autodenominava “o peregrino” – que o jornalista Euclides da Cunha narra a história real de um messias brasileiro que peregrina pela terra rachada do sol forte a frente de 25 mil “fanáticos” - como a impressa os denominavam na época - entre os anos de 1893-1897 - para a desconhecido vilarejo de Canudos, mas rebatizado por eles, como Belo Monte: a Canaã brasileira.

Entretanto, a Igreja Católica e o Estado percebiam a ameaça, pois Conselheiro praticava a desobediência civil de não pagar impostos ou se curvar aos clérigos estabelecidos, ou seja, declarava guerra aos dois poderes da ocasião. Igreja e Estado conectados, demandam três incursões militares com intuito de eliminar de vez o desígnio daquele povoado, mas são vencidos de forma sangrenta pelos devotos de Conselheiro. Seria somente na quarta última batalha que Belo Monte seria derrotada e o seu líder morto.

Uma pergunta, entretanto, ainda me persegue desde a minha adolescência, e mesmo hoje, com o meu doutorado em ciência da religião concluído, me pergunto que tamanha força era aquela unindo tantas pessoas em torno de um líder carismático? E quais os motivos e circunstâncias sociais que autorizavam aquele movimento existir? Existe algo que transcende os nossos sentidos e fornece legitimidade para um movimento popular resista com a coragem dos brasileiros de Belo Monte? Nos parágrafos a seguir não prometo definição absoluta, mas uma expansão do nosso saber sobre tema tão controverso e interessante, que no final, revela um pouco de quem nós somos também: a religião. Não torça o nariz, você sabe bem menos do que imagina e pode estar repleto do senso-comuns sobre o objeto de estudo a seguir. Esvazie a sua xícara e acompanhe com senso crítico, mas desarmado de pré-conceitos.

Introdução

Sempre que se busca uma definição para religião vai-se à raiz da palavra que vem do vocábulo latino religio que significa “escrúpulo”, “consciência”, “lealdade” e, no mundo pré-cristão, significava um “comportamento marcado pela rigidez e pela precisão”, em geral de um rito. Segundo alguns textos que examinaram a etimologia de religio, ela pode ter sido derivada também de relinquere (lit. deixar, abandonar). Esta (religio) ainda pode ser ligada a religare (ligar-se novamente) ou relegere (prestar atenção aos detalhes, como que interrompendo o cotidiano, o profano e abrindo um intervalo ao divino e ao sagrado)1.

A partir do resgate etimológico galgamos um primeiro e modesto passo na expansão do que venha a ser os fenômenos denominados por religioso. Percebemos que a palavra não se refere a uma instituição ou igreja específica, mas fica evidente que desponta como um sentimento, um comportamento ou uma ideia de perda e busca da consciência de algo maior. De um modo geral, parece que se refere a alguma coisa que existe mas poucos os escolhidos, afortunados, carismáticos, idealistas ou com maior fé alcançaram conhecimento sobre.

Classificar religião é realmente uma tarefa árdua, e ela não nos permite de imediato ver a sua face. Por sorte, esse desafio foi encarado por muitos filósofos, sociólogos, antropólogos, historiadores a até fisiologistas (ou já citados neuroteólogos nos capítulos anteriores). Entretanto, escolhemos quatro deles que se embrenharam na tentativa de elucidar melhor esse objeto tão antigo de investigação entre a humanidade e tecer as suas teorias.

Dizem que o início da religião, ou da ideia religiosa, surge nos primeiros vestígios de sepultamento humano. Esse fato marcaria o início do pensamento sobre um mundo suprassensível, meta-empírico ou sagrado que tomamos conhecimento (ou criamos?) para negar a ideia da morte2. A eternidade é algo realmente que permeia todas as religiões, pois sabe-se, que em nenhuma religião nós morremos efetivamente: seja em retorno ao Nosso Lar, chegada ao Reino dos Céus ou ao Inferno, passagem pelo purgatório/Limbo/Hades, em processos de reencarnação ou qualquer outro subterfúgio de prolongamento da vida, como a prática de pranayamas, jogging ou uso de cosméticos e cremes anti-envelhecimento; o que desejamos é o mesmo: viver para sempre e feliz. Para isso, apenas a religião consegue dar conta do recado.

Dessa forma, qualquer estratégia comportamental escolhida por um indivíduo ou coletivo, “marcados pela rigidez e pela precisão” (religio) de “interromper o cotidiano da vida mortal” (relegere), e que os faça “ligarem-se” novamente (religare) com a existência eterna, é uma forma de religião também.

Ernst Greschat: os quatro pilares da religião

Mas, quais as estruturas elementares que as religiões comungam? Bem, essa é a pergunta que muitos ja fizeram e todos eles propuseram uma teoria a respeito. Jans-Urgen Greschat, por exemplo, estabeleceu em quatro, os pilares que definem o fenômeno religião: a experiência, a comunidade, a doutrina e um sistema de atos constituídos (ritos, gestos e etc).

A ideia central de Greschat está em compreender que qualquer religião nasceria da experiência de um indivíduo que obteve o contato com o sagrado. Quando este retorna desta experiência mística-religiosa reúnem-se pessoas para ouvi-lo. Estes serão os primeiros integrantes da comunidade de fé que se juntará ao seu entorno. Essa comunidade (ou o próprio indivíduo que vivenciou o sagrado), obrigatoriamente, relatará sua(s) experiência(s) em um texto, pinturas, cantos ou relatos orais, que se edificará na doutrina da comunidade. Com o tempo, um sistema de atos ou práticas serão edificadas para que outros possam a vir experienciar o sagrado que o primeiro alcançou ou apenas ritualizar como compromisso de fé e filiação àquela comunidade religiosa3.

A doutrina, como fruto de uma experiência transcendente ou meta-empírica, não pode ser contestada por quem não a experienciou, assim, nascem os dogmas, certezas ou convicções religiosas que não permitem ser acessadas por outro saber que não seja o religioso. Para ficar mais claro o que tento expressar aqui, a religião está ao lado da filosofia, da ciência, das artes e dos mitos como um conhecimento autônomo. Entretanto, como vivemos hoje sob o paradigma da ciência como legitimadora do que é “real” e do que não é, julgamos qualquer outra forma de perceber o mundo que não seja empiricamente demonstrada, como falsa. Buscar “provar” a realidade de uma religião pela ciência ou o seu inverso é o mesmo que admitir ser possível acessar as obras de Van Gogh ou de Nietzsche pela química orgânica, não há o menor sentido.

É claro que se pode utilizar a lógica da filosofia para consolidar um conhecimento religioso (como o fez São Tomás de Aquino), investigar as repercussões fisiológicas de uma prática religiosa ou analisar os cantos gregorianos sob a batuta das artes, mas o conhecimento de uma dada religião só será completo vivenciando e investigando as suas escrituras, sistemas de atos, gestos, símbolos, anotando e comparando o relato das experiências de seus devotos em conjunto com uma análise da comunidade que o forma, para que não caiamos em visões unilaterais da sua constituição. Conhecer a religião de um povo nos permite acessar melhor como esses indivíduos pensam e percebem o mundo em que vivem.

Dessa forma, com exceção da experiência fenomenológica (objeto de estudo da filosofia da religião e da teologia), os outros três aspectos de uma religião (doutrina, práticas rituais e comunidade) podem ser acessados pelas ciências que a investigam como fenômeno humano.

O que buscamos apresentar aqui não é “validar” uma religião ou seu conteúdo da verdade, mas considerá-la como fenômeno real aonde mesmo em sociedades que buscaram eliminá-la como em Cuba, China e ex-União Soviética, expressões religiosas mantiveram-se vivas e atuantes na vida de muitos dos seus cidadãos. Por isso, é absolutamente plausível compreender o que ela represente ao espírito humano.

As definições descritas até agora podem desenvolver a ideia que todas as religiões sejam iguais, tratam do mesmo assunto, “mas de formas diferentes” e demais construções fáceis que podem fazer sentido no primeiro momento e satisfazer os nossos mais profundos anseios milenaristas de uma “espiritualidade perene” ou “fusão de todos os saberes humanos”, mas um segundo depois de uma pequena reflexão, percebemos se passar por mais uma maneira falaciosa de se pensar a religião.

Assim, vamos examinar três teorias clássicas sobre religião. O intento está em buscarmos ultrapassar os pré-conceitos comuns que se vende no mercado da auto-ajuda, das ideologias da moda e, o mais importante, do próprio campo religioso e científico. O que almejo adiantar é que, modernamente, muitas religiões se mostram como “espiritualidades” ao invés de religião, ou até mesmo se revestem de forma pretensamente laicas e científicas, para se distanciar das religiões institucionalizadas ou mais tradicionais, como tática proselitista. Ao final, já adianto, você não terá uma definição definitiva sobre o assunto, mas uma maior consciência das suas próprias crenças sobre o que você tinha certeza sobre religião.

Religião em Rudolf Otto: Em busca do Sagrado

Para Rudolf Otto (1869-1937) a questão era muito simples, o que permeava a todas religiões estava na questão do sagrado, peça-chave para se compreender qualquer expressão que se diz ou se pense religiosa. A posição adotada por Otto, no entanto, sempre causou um certo desconforto científico, pois apenas teólogos, devotos ou “cientistas-crentes”, segundo o seu raciocínio, é que teriam o privilégio de acesso a tal informação. Em outra palavras, se é o contato com o sagrado que define religião, como saber ou investigar uma experiência do sagrado? Apenas os que tenham sentido com convicção a esse sentimento suprassensível, estariam à altura de dissertar sobre o assunto religião. A todos os outros (céticos, ateus, agnósticos ou meros “mortais” que nunca tiveram uma experiência místico-religiosa), ele deixa bem claro no início do capítulo três do seu livro O sagrado, que larguem-no de ler agora, pois não terão como compreender o conceito de religião que descreve4. Dessa forma, limita o trabalho dos acadêmicos que investigam o fenômeno religião como um constructo humano e obscurece ainda mais o tema.

Sua posição ainda é defendida hoje, principalmente por fenomenólogos e teólogos, mas por sorte dos menos favorecidos que não foram escolhidos ainda por deus ou alguma força maior para Senti-Lo, mais pessoas pensaram sobre o assunto e vamos examiná-los a seguir.

­­­­Religião em Émile Durkheim: Coesão Social

O sociólogo Émile Durkheim (1858-1927) explorou religião de forma histórico comparativa e, assim como na biologia evolucionista, ele acreditava que as religiões partiam dos seus aspectos mais primitivos em direção ascensional às mais modernas, ou seja, das religiões animistas às monoteístas. Ele foi estudar uma religião das mais simples, a religião totêmica dos aborígenes australianos, para tentar estabelecer as bases da sua tese. Assim como um biólogo que sai a campo para investigar um ser unicelular para estabelecer a base de conhecimento de um órgão, Durkheim tenta construir a sua teoria da religião. Mas antes, precisava apresentar e refutar as quatro definições vigentes na época sobre religião para, dessa forma, apresentar a sua própria versão.

A primeira compreensão de religião, a entendia como definida pelo sobrenatural e o misterioso como o seu cerne de existência, assim como o fez Otto. Durkheim concordava com a existência do sagrado nas religiões, mas não acreditava que era esse conceito que as definiriam como tal, pois demonstra em seus argumentos que o mistério não teria a sua origem em manifestações religiosas, mas na própria ciência, “que ensinou aos homens que as coisas são complexas e difíceis de compreender”5. A segunda definição de religião colocava a existência da ideia de deus ou ser espiritual como legitimador de algo ser religioso ou não. Aqui, Durkheim refuta explicando que há religiões sem deuses e ritos que não necessitam de nenhuma ideia preconcebida de divindade para existirem. A terceira configuração se concentrava em afirmar que toda religião deveria possuir a noção da crença e dos ritos como a sua “essência”. As crenças e os ritos de qualquer religião necessariamente para existir, argumenta o autor, pressupõe a compreensão de uma outra dimensão de realidade que seja oposta ao cotidiano ou ordinário para existir, ou seja, exige a presença do sagrado. Mas, como a averiguação do sagrado era impossível de forma empírica, Durkheim foi investigar como as crenças e os ritos de acesso ao mundo suprassensível aconteciam.

O autor descobre duas formas de se crer e ritualizar o sagrado entre os nativos australianos: a primeira estabelecia uma simples relação de consulta, cura ou previsão futura entre os pares; e a segunda, diferenciava-se sobremaneira, pois permitia formar uma comunidade moral entre os membros envolvidos. Diante desse problema acadêmico, o sociólogo alemão encontra uma solução deveras simples e que se tornou clássica nas ciências sociais: classifica a primeira manifestação de acesso ao sagrado como magia, e a segunda como religião.

A magia, segundo o autor, seriam todas as crenças e ritos que não conseguem estabelecer uma ligação social entre os seus membros. Em suas próprias palavras, “não há vínculos duráveis que façam deles [os magos e os seus clientes] os membros de um mesmo corpo moral [ou igreja], comparável àquele formado pelos fiéis de um mesmo deus, pelos praticantes de um mesmo culto”6. A religião, por outro lado, é definida por “um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem”8.

Para Durkheim, todas as sociedades eram regidas e mantidas unidas por força da religião. Mas nem todos concordavam com ele, e a principal crítica a sua teoria está em não considerar os conflitos entre as sociedades, que para ele, era um todo harmonioso e mantido assim pela devoção de seus membros pelas forças sobrenaturais ou sagradas regidas por magos e clérigos estabelecidos pela tradição da religião.

Religião em Max Weber: Uma forma racional de ordenar o imprevisível da vida

Max Weber (1864-1920), por outro lado, em seu livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, não entendia a religião como responsável pela coesão social, mas fruto da racionalização interna de um grupo em resolver os dilemas de sua interação com o meio em que vivem. Ele compreendia a religião como um processo de aprendizado (ao modo piagetiano) pressupondo um aumento do grau de consciência e de reflexão em relação à realidade que cerca um determinado grupo de pessoas, bem como do grau de autonomia da consciência moral que nele atua8.

Weber se interessa sobretudo, não com a essência das religiões como fez Otto ou Durkheim, mas em indagar sobre as condições e efeitos da relação sociedade-religião. Religião em Weber não é um sistema de crenças, mas de “sistemas de regulamentação da vida” que permite à um coletivo de fiéis resolver e dar sentido de existência ao sofrimento e a morte. Para chegar a essa conclusão, o autor faz um retrocesso histórico-cognitivo das religiões e as classifica pelo grau de compreesão de mundo.

No estágio inicial, classificado pelo autor de naturalismo pré-animista da religião, o elemento religioso ainda se encontraria entranhando em outros aspectos da vida cotidiana. Neste, as coisas e significados ainda não se separaram (profano e sagrado) e o “sentido do mundo” ainda não aparece como um problema a ser resolvido. Este estágio humano baseia-se na certeza de que as criaturas determinam e influenciam o “comportamento” das coisas e na existência de pessoas detentoras de um poder especial, chamado por ele de “carisma”, ou uma espécie de cognição mágica com o mundo. Aqui, reside o núcleo da certeza nos espíritos, algo indeterminado e imaterial, mas que co-habitam em uma mesma e única dimensão de mundo.

A etapa seguinte, o naturalismo animista, é marcada pela concepção da ideia de uma alma imaterial. Os homens e mulheres agora acreditam pela primeira vez na separação entre uma entidade sobrenatural e os objetos concretos. Agora, as pedras, os rios, os mares e as plantas possuem igualmente aos seres humanos algo transcendente que os mantém vivos - a alma dos cristãos ou o purusa do ioga são exemplos disso.

O próximo passo no desenvolvimento cognitivo religioso, Segundo Weber, implicaria na passagem do naturalismo ao simbolismo. Este nível consciencial humano pressupõe uma crescente abstração dos poderes sobrenaturais, dispensando assim, qualquer relação com os objetos concretos. O simbolismo propiciou ao sujeito religioso desenvolver ritos específicos de manipulação do espiritual, sobrenatural, suprassensível ou transfisiológico9.

Enquanto que ao indivíduo religioso animista (ou pré-animista) caberia apenas resistir passivamente à experiência do sofrimento e de outras limitações impostas pelas suas condições de existência (como a doenca, a morte e o mal), ao homem religioso simbólico, ao contrário, floresce a crença que alguns poucos seres vivos possuíriam carisma suficiente para transcender e dominar o mundo espiritual, alcançando certa liberdade em relação ao seu próprio meio, algo impossível no passado. Os encantamentos, as orações, as práticas transfisiológicas (ou sutis) e tantos outros rituais ganham sentido de negociação com os espíritos, deuses e demônios. Agora, já é possível barganhar com o sagrado através de um agente religioso como um pajé, iogue, xamã ou rabino, por exemplo.

Weber acreditava que o surgimento da certeza em poderes sobrenaturais, havia capacitado cognitivamente os seres humanos a conceber a ideia simbólica/abstrata do profano e o sagrado habitando a mesma geografia. Essa nova concepção de mundo teria originando o período religioso intitulado pelo autor de monista10. A filosofia religiosa desenvolvida nas escrituras do Vedanta Advaita seria um exemplo dessa cognição descrita acima.

Agora, o profano e o sagrado coexistem e podem ser acessados por alguns poucos escolhidos ou iniciados - aqueles que desenvolveram o carisma necessário para atuar nestas duas dimensões (sagrado e profano). Mas com o tempo, esses agentes religiosos começam a impor certos tabus, práticas rituais de manipulação dos mundos e ética religiosa para se alcançar a salvação do mundo profano e acesso ao sagrado, desenvolvendo uma concepção dualista de realidade. Para Weber, com o modo dualista, surge a distinção do mundo mágico, encantado ou sagrado - do ser - para o mundo empírico, cotidiano ou profano - do deve ser.

A esfera meta-empírica de existência agora, passa a ser a verdadeira realidade, e o mundo empírico se transforma em um mundo de passagem ou reino do pecado, favorecendo o florescer das religiões de salvação, aquelas que prometem entrada aos leigos em um mundo melhor11.

Enquanto na visão monista, os doentes e os sofredores eram observados muitas vezes, como legitimamente punidos pelos deuses e, portanto, objetos de ódio e desprezo pela comunidade, como os “intocáveis” no sistema de castas indianos, na perspectiva dualista da religião, o sofrimento e as agruras da vida passam a ser mais valorizadas. As religiões monistas favorecem, afirmava Weber, ao desejo dos poderosos e saudáveis, pois podem perceber-se (e toda a comunidade) como legitimados pelos espíritos à própria felicidade - haja vista a posição dos sacerdotes brâmanes na Índia dos tempos de Patanjali, por exemplo. Na perspectiva dualista da religião, por outro lado, o “reino dos céus” é o desejado e, se eu sofro nesse mundo é porque viverei a bem-aventurança no outro - mesmo que seja um estado mental, como no caso do budismo com a ideia do nirvana.

Surge, sob a égide da visão dualista de mundo religioso, um novo sentido para o sofrimento e a dor passa a ser sintoma de felicidade futura. Um imenso público de sofredores e oprimidos, agora, tem acesso a felicidade eterna com o despontar das teodicéias do sofrimento, aonde apenas os especialistas religiosos (ou carismáticos) possuiríam o conhecimento para a cura e a salvação das almas, assim como os preceitos éticos para se alcançar esse direito12.

Os melhores favorecidos financeiramente e socialmente, na perspectiva dualista religiosa, perdem a sua principal fonte legitimadora de dominância e encontram outras formas de valer a sua distinção, como por exemplo, o carisma do sangue em que reis, princípes e brâmanes, não podendo mais se valer do aval dos deuses por serem bem-aventurados, transformam seus nascimentos com origem divina.

Os sofredores, ao contrário, saem em busca da ideia religiosamente motivada de uma missão confiada especialmente a eles13. Com a concepção de mundo dualista, por força da distinção entre os mundos sagrado e profano, fomentam-se duas esferas concorrentes e paralelas, abrindo espaço para uma “rejeição religiosa do mundo”, na medida em que o elemento empírico da realidade profana passa a ser desvalorizado pelo sagrado14.

Ao fim do séc.XIX, no entanto, Weber percebe mais uma transformação cognitiva religiosa ocorrendo nas sociedades européias, especificamente entre um grupo de religiosos que protestavam contra o domínio no campo espiritual dos católicos, originando a igreja Protestante.

O movimento religioso protestante iniciado por Martinho Lutero no séc. XVI, criticava fortemente a conduta ética dos católicos na cobrança de indulgências como forma de redimir os cristãos dos seus pecados. As suas críticas baseavam-se em questionar a autoridade do clérigos na intermediação com deus, santos e anjos. Os ascetas protestantes estabelecem que, ao contrário dos católicos, haveria um abismo intransponível entre o sagrado (deus) e o profano (os seres humanos). Para eles, mesmo que alguns indivíduos tenham sido eleitos para a vida eterna, estes não podem ter certeza absoluta (como prometem os católicos) que são os escolhidos ou se estão ou não no caminho da salvação. Além disso, Lutero estabelece que não seria pela ascece monástica e sim pelo trabalho intramundano, “a única maneira de viver aceitável para Deus”15.

Weber elabora que devido a essa concepção dualista “às cegas” de acesso ao sagrado, os protestantes edificam um sentido sagrado ao trabalho secular, percebido por eles como o meio para a glória de deus na Terra. Em outras palavras, ao contrário das religiões orientais e católica, para os protestantes, não há mediação mágica ou sacramental alguma possível que permita relação entre os mundos sagrado-profano. Assim, a noção da vocação e predestinação ganham mais sentido do que a de salvação, e o trabalho se torna sacralizado e o ócio repudiado.

Eles edificam, dessa forma, uma ascese intramundana, diferentemente da praticada pelos monges cristãos, budistas ou sadhus iogues, por exemplo, que se retiram do mundo em monastérios, cavernas, ashrans e florestas para alcançar a graça ou o estado/consciência mental/transcendental divino. Enquanto a ascese católica e oriental representam uma fuga do mundo, os protestantes praticam uma ascese sem a necessidade de se isolar da realidade ordinária, o que direciona toda a sua força psicológica dos prêmios religiosos para o estímulo ao trabalho, segundo critérios de maior desempenho e eficiência possíveis16.

Weber vai se perguntar - compreendendo as religiões como sistemas sociais para resolver os problemas e dilemas da vida - quais as dificuldades e sofrimentos que se apresentaram nas sociedades que prosperam tal perspectiva da realidade. Para ele, o “espírito do capitalismo” foi o que permitiu que a ética religiosa protestante encontrasse terreno fértil para prosperar como uma religião que menospreza o ócio e cria condições de trabalho e ascenção social de forma unívoca.

Sem dúvidas, o racionalismo originado pelo estilo de vida protestante em sociedades capitalistas, combinado ao advento do racionalismo empírico da ciência, propiciaram o desencantamento do mundo. Esses fatos em conjunto, provocariam profundas transformações no cenário religioso mundial, chegando até mesmo alguns cientistas anunciarem o fim das religiões17.

Secularização, laicização, privatização religiosa e os novos movimentos religiosos

A Revolução Francesa marcou historicamente a perda da religião como força de coesão social percebida por Durkheim e o advento do racionalismo religioso anunciado por Weber. Mas, sobretudo, permitiu à ciência assumir - antes da religião - o papel de ordenadora dominante de realidade. A esse complexo processo histórico-social chamamos de secularização. Como consequência desses fatores, muitos sistemas de governo se desvinculam da Igreja dominante, tornando-se países laicos. O Estado laico ou laicização, no entanto, ao invés de extinguir o fenômeno religioso nestas sociedades – como alguns anunciavam -, autorizou outras perspectivas espirituais surgirem no mercado religioso18.

Os indianos da casta brâmane ou os “intocáveis”, por exemplo, com o Estado laico instituído, passam a possuir os mesmos direitos e deveres. Não são mais aceitos direitos sociais adquiridos por condição de nascimento ou providência divina e, todos os cidadãos adquirem agora, liberdade em se declarar a qual crença desejam ou não ordenar a realidade de suas vidas, seja pelos preceitos cristãos, hinduístas ou ao ateísmo advindo do empirismo e da razão científica. É o que denominamos de privatização religiosa, ou seja, as religiões tradicionais perdendo o seu vínculo com o Estado (laicização) e domínio exclusivo no campo de conhecimento da verdade (secularização), afrouxam os seus mecanismos de dominação (doutrinação e conversão) permitindo aos indivíduos destas coletividades escolherem, sincretizarem e bricolarem qual forma melhor os aprouver compreender o mundo, dentro das várias em oferta e disponíveis agora.

Os mais diversos e curiosos sistemas de conhecimentos religiosos aparecem em sociedades modernas, da fisica quântica à vida em outros planetas, do retorno das bruxas e duendes à cura energética prânica ou da associação da biomedicina científica ao poder dos cristais e dos ásanas. Dessa forma, novos movimentos religiosos estão autorizados a existir, dando origem ao que ficou denominado de religiões da Nova Era20.

Um pouco mais das religiões Nova Era

As características dos integrantes desse movimento religioso denominado Nova Era, estão na herança da contracultura dos anos 1950-60 e as suas propostas de comunidades alternativas, erigindo um discurso ecológico forte e de autodesenvolvimento pessoal e social com base em tratamentos terapêuticos alternativos, experiências místicas e filosofias holistas buscando integrá-las às mais modernas teses científicas. Os integrantes do movimento Nova Era desenvolvem também uma curiosidade pelo oculto e pelos movimentos esotéricos do século XIX. Para os nova eristas, a natureza é sacralizada e há um forte apelo pelo “primitivo”, por isso as religiões populares, indígenas e aborígenes são mais valorizadas do que as institucionalizadas e tradicionais. O sujeito nova era busca se encontrar com o “cósmico” e sua “verdadeira essência”, para compreender o sagrado em si[20], aonde o discurso monista parece predominar.

No entanto, e vou dissertar um pouco mais a seguir, alguns desses novos movimentos religiosos, inevitavelmente, a partir do momento que se consolidam na sociedade, vão perdendo as suas características errantes e se estabelecendo como uma religião tradicional, com novos líderes carismásticos surgindo e as suas próprias experiências transcendentes. Com isso, doutrinas vão sendo erigidas, comunidades se consolidando em torno de seus líderes.

Poderia, para finalizar o nosso capítulo, incidir sobre vários exemplos de “espiritualidades” advindos da Nova Era, mas que com o tempo foram se firmando como religiões institucionalizadas como o Mahikari, a Igreja Messiânica, o movimento Hare Krishna, a Cientologia e a Projeciologia, mas versarei sobre o ioga como novo fenômeno religioso em andamento.

Religiosidade e espiritualidade: conceitos diferentes

É claro que quando se fala de ioga, se refere a um fenômeno bastante difundindo no mundo todo. Por isso, é muito comum ainda, confundir uma organização religiosa com o conceito de religião. Existe uma tendência para se associar a Inquisição, fruto da mentalidade de um grupo de cristãos que dirigiam a Igreja Católica Medieval com a mensagem de amor de Jesus Cristo, assim como todas as escrituras do Islã aos homens-bomba, por exemplo, o que seria o mesmo que considerar os biólogos darwinistas da Universidade de São Paulo como os representantes de todo escopo da biologia científica mundial.

O editor de uma revista norte-americana (Yoga Journal) assinou em 2001 um artigo intitulado Is a yoga a religion?, da seguinte maneira: “Se o yoga não é religião, é o quê então?”; e ele continua: “É apenas um hobby, fitness, um esporte, uma atividade recreacional?”21. Bem, convido você a não fugir a discussão, esvaziar sua xícara de certezas mais uma vez e lançar-se as dúvidas.

É prudente antes, como já apresentamos algumas teorias sobre religião, diferenciar religiosidade de espiritualidade, para que cada iogue, praticante e acadêmico, interprete as práticas, as organizações, as experiências e as doutrinas “espirituais” ou “filosóficas-práticas” que confesse ou estude como melhor lhe aprouver. Afinal de contas, já existem debates populares e acadêmicos acontecendo no intuito de delimitar o papel do ioga na conjuntura atual, como o que se presenciou na campanha Take Back Yoga: Bringing to Light Yoga's Hindu Roots, promovido pela Fundação Hindu Americana, que luta pela não descaracterização da prática e da filosofia do ioga no ocidente, assim como a mesa redonda que aconteceu no Parlamento Mundial das Religiões, na Austrália, em 2009, sobre a possibilidade do ioga ser desvinculado do Hinduísmo, como religião autônoma.

Especular sobre o ioga sem conhecer os conceitos básicos das ciências que investigam a religião nos estorva compreende-lo no seu montante, fomentando ainda mais a intolerância, a desinformação e provocando contendas estéreis.

Existem inúmeras tentativas de classificação dos termos espiritualidade e religiosidade e, como quase tudo na ciência, não há consensos absolutos. De acordo com especialistas apesar de serem palavras diferentes, podem ter uma relação entre os seus predicados22. Koenig e os seus colegas entendem que, particularmente nos Estados Unidos, existe uma polarização entre a religiosidade e a espiritualidade. Muitos acreditam que a religiosidade se relaciona com uma representação formal eclesiástica, que é um conjunto de normas doutrinais de uma religião institucionalmente estabelecida; enquanto que a espiritualidade está vinculada a considerações mais universais, de uma expressão emocional divina, assistemática e individual da comunhão com o sobrenatural. Segundo esses acadêmicos, mas corroborado por outros cientistas da religião23 no entanto, a espiritualidade parece se mostrar contemporaneamente uma busca pessoal por respostas do significado da vida (transcendentes ou não).

Pargament e outros observam que o conceito da religiosidade pode repousar na busca do sentido pelo transcendente, incluindo as expressões religiosas singulares humanas erigidas por e para eles mesmos, como as presenciadas nas demonstrações tradicionais de fé, na participação em instituições e festas religiosas estabelecidas, nas ações políticas e sociais, bem como nos atos pessoais desapegados e de compaixão vinculados ao sagrado24. A religiosidade, portanto, pode configurar-se no modo em como os indivíduos interpretam e ressignificam o conjunto dos símbolos, das crenças, das práticas e das experiências apresentadas a ele pela sua cultura, numa busca pelo sentido das vicissitudes da sua existência.

Zehavit Gross nos esclarece também, que a relação hoje entre a espiritualidade e a religiosidade pode se apresentar de três formas distintas: 1) a espiritualidade como parte integral da religiosidade humana; 2) a religiosidade e espiritualidade como sendo sinônimos; e 3) a espiritualidade independente do conceito de religiosidade, quando esta não está vinculada ao sobrenatural, ao metafísico ou ao transcendente25. Assim, quando alguém funda a sua espiritualidade num complexo organizado por preceitos éticos e morais, sustentado por um sistema de atos específicos, comungado por um grupo e centrado nas experiências advindas das práticas ditas sagradas, como estabeleceu Greschat anteriormente, pode se apresentar este sistema “espiritual” como religião, mesmo não tendo um poder central constituído e ainda que os seus membros não se declarem como tal, pois já deve estar claro agora à esta altura que, por causa da perda de poder das igrejas dominantes, a palavra “religião” se torna, em sociedades laicas e seculares, quase sinônimo de ilusão ou irrealidade; assim, novas denominações religiosas advindas da Nova Era, evitam se declararem pertencentes ao mesmo campo de atuação das religiões tradicionais e adotam o termo espiritualidade para evitar comparações.

Quando perguntam ao iogue brasileiro Sri Prem Baba, por exemplo, se o que ele ensina é religião, ele responde: “Depende o que você entende por religião”. Pois bem, já o fizemos isso acima, agora, se faz necessário a ampliação do conceito do ioga no cenário religioso.

Ioga, uma religião de cura moderna?

Sabe-se que o ioga flerta atualmente com a ciência biomédica e a educação física elevando o valor do corpo em detrimento a outros aspectos éticos de sua doutrina. No Brasil talvez, mais do que em qualquer outro país, além da ciência, o ioga desde os anos sessenta vem bricolando os seus princípios hinduístas com expressões religiosas católicas, espíritas e, atualmente, daimistas e umbandistas.

Elencar os benefícios terapêuticos das técnicas de ioga é hoje tarefa simples (não por ser fácil, mas pela abundância de informação sobre o tema, e o nosso livro retrata isso), mas poucos são aos acadêmicos que se atreveriam a designar o complexo ioga numa classificação definitiva e absoluta. É somente a partir dos anos noventa do século passado que as “humanidades” se aventuram em tais desafios na Europa e nos Estados Unidos26 em relação as verificações biológicas que despontam a partir de 1920 sobre o ioga27.

Foi a partir da minhas investigações neurofisiológicas sobre o ioga neste livro empreendida desde 2006, e depois pesquisando em outros autores28, que me deparei também com as repercussões religiosas que estes estudos neurofisiológicos infligiam sobre sua doutrina ainda de forma embrionária. No mestrado, defendi os arrolamentos do ioga contemporâneo com a biomedicina, sobretudo a fisiologia, mas não mais me perguntava quanto aos seus benefícios terapêuticos laicos; me interessava compreender as ressignificações simbólicas que as antigas escrituras ioguicas realizavam a partir da biologia. Essa ressignificação simbólica nos preceitos ioguicos à luz da ciência e das mutações religiosas no Brasil, me fez questionar se não haveria isso também reformado os seus clássicos bens de salvação contidos nos clássicos conceitos dos klesas, vrttis e samadhi.

Digo isso, pois evidenciamos acima que em complexas sociedades modernas a secularização, ao invés de diminuírem crenças com base no sobrenatural, autorizaram, através da privatização religiosa, novas formas de crer ingressassem no campo religioso mundial disputando a hegemonia com as antigas dominantes30. Assim, práticas rituais e concepções de realidades antes incorporadas exclusivamente no seio de religiões já institucionalizadas - como o ioga no Hinduísmo, o tai-chi chuan no Taoísmo ou a cabala no Judaísmo - foram transplantadas do oriente para o ocidente, mas ornadas como terapêuticas espirituais31 à convite do movimento religioso Nova Era[32] e sobrevivendo ao desencantamento do mundo33. Ao lado de Weber como nosso marco teórico, sabemos que qualquer alteração no contexto sociocultural de uma dada denominação religiosa suscitará mudanças em sua estrutura de pensamento, e com o ioga não poderia ser diferente.

Sabemos já que as principais características das espiritualidades envoltas com a Nova Era estão em sua obsessão pela cura, no flerte com a ciência, no caráter errante e de bricolagem de seus agentes, além de se desenvolverem com mais propriedade no meio urbano das grandes cidades34. Só no Brasil por exemplo, são mais de 14 milhões de indivíduos (cerca de 7% da população) que se declararam incorporar em suas vidas crenças de matiz oriental de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas de 201035; e dentre estas, não seria surpresa (se o recenseador incluísse a opção) observar uma parcela expressiva da população brasileira adotando os preceitos ioguicos para uma boa vida e busca da felicidade.

A título comparativo, só nos Estados Unidos existem cerca de 15 milhões de praticantes num mercado que movimenta mais de seis bilhões de dólares por ano entre aulas, cursos, workshops e produtos36. No Brasil, mesmo sem dados confiáveis ainda, estima-se entre 500 mil a 1 milhão o número de praticantes, culminando na publicação de uma versão em português da revista norte americana Yoga Journal, na criação de inúmeros espaços comerciais para a prática de ioga, uma infinidade de opções turísticas com cariz espiritual para a Índia guiados por iogues brasileiros, além de confecções exclusivas de materiais e roupas ioguicas37. Não é incomum encontramos até mesmo programas de gerenciamento do estresse em grandes empresas, hospitais e corporações administrativas que se utilizam das técnicas do ioga em seu núcleo pedagógico38. Mesmo o Ministério da Saúde brasileiro discute a inclusão do ioga em seu Sistema Único de Saúde (SUS)39, e debates sobre o papel do ioga como prática médica não-convencional ocorrem academicamente40.

A está altura, seria lícito supor um ioga destituído de suas bases religiosas doutrinais, haja vista a difusão nebulosa de suas crenças hinduístas pela Nova Era, e a profanação dos seus ritos corporais em técnicas profanas na relação com a ciência biomédica. No entanto, não é isso que parece ocorrer.

Para adentramos nesta discussão sobre o ioga dito moderno sem nos perdermos, escolhemos relembrar, mesmo que de forma sucinta e inicial, a soteriologia considerada clássica do ioga (apresentada em capítulos iniciais deste livro) e a confrontarmos com as possíveis alterações acolhidas no seu contato com a cultura moderna. Abaixo, descrevo alguns trechos (sutras) de uma das mais tradicionais e conhecidas escrituras ioguicas, o Ioga Sutras (IS):

1.2. Yoga é a supressão dos movimentos da consciência [ou vrttis]41.

2.1. Ascese, auto-estudo e total consagração ao Senhor [deus ou Isvara] constituem o yoga da atividade meritória [ou essencial]42.

2.2. Com o propósito de produzir a integração [samadhi] e também com o propósito de tornar tênues as aflições [klesa ou obstáculos espirituais]43.

2.3. As aflições [klesa] são: ignorância, sentido de autoafirmação, desejo, aversão e apego à vida44.

2.12. O depósito das ações, enraizado nas aflições [klesa], deve ser vivenciado no nascimento visto [conscientes] e nos não-vistos [inconscientes]45.

2.13. Estando assim enraizada, tal maturação dos frutos das ações determina: condição de nascimento, duração da vida e experiência de vida46.

2.14. Estas possuem os frutos do deleite e do tormento, conforme sejam causadas pela virtude ou pelo vício47.

2.25. Da inexistência desta ignorância [avidya], resulta a inexistência da conjunção [samadhi]: esta é a revogação do problema, o isolamento (kaivalya), no absoluto, do poder de ver48.

A promessa salvífica do ioga do período histórico clássico (séc.II a.C.) descritas acima, se revela nas causas e em como se libertar das agruras da vida através de um caminho espiritual óctuplo ou asthanga ioga (AI). O AI, como já expomos em outro momento do livro, possui a teoria dos klesas como o seu núcleo soteriológico, conjunto de normas éticas para uma boa vida ou proposta de salvação. Os klesas compreendem os comportamentos de apego, aversão, medo da morte e orgulho como obstáculos espirituais ao iogue, pois serão estes os responsáveis em produzir os vrttis ou a “agitação da consciência” (citta-vrttis). Assim, a salvação ioguica clássica sugere a atenuação de citta-vrttis ou “turbilhão da consciência” pois, creem os iogues que nesse estado místico-esotérico (meta-empírico, portanto), o devoto ao ioga teria a experiência religiosa do samadhi ou comunhão com deus/Ishvara, destruindo pela raiz a causa de todo o seu sofrimento49.

Isto posto, três são os conceitos fundamentais à proposta clássica de salvação do ioga: os klesas, os vrttis e o samadhi. Ao contrário, os iogues e praticantes atuais parecem manifestar maior interesse na aquisição de saúde e bem-estar, do que reverenciar algum tipo específico de ética religiosa, conduta espiritualizada de culto à deus ou à religiosidade exclusivamente hinduísta50. O ioga, antes um dársana ou “escola filosófica” hinduísta ortodoxa51, revela-se hoje um misto de terapia laica e ginástica espiritual aonde a ciência, mais do que o Hinduísmo, parece legitimar o seu discurso religioso em sociedades modernas52.

Estudos mostram que as diferenças que caracterizam a passagem do ioga antigo para o moderno residem justamente na sua medicalização e, por conseguinte, na popularização dos seus ritos corporais em técnicas terapêuticas de combate ao estresse53. Essa transformação ainda em processo do ioga clássico para o moderno, parece acontecer sem incorrer na perda total de sua religiosidade.

Numa pesquisa realizada em Londres em 2002 com 750 praticantes de ioga, descobriu-se que 80-83% destes iogues compreendem as suas práticas tanto como auxiliares no combate ao estresse, quanto na experiência igualmente válida de uma vida espiritual plena. Suzane Newcombe concluiu até mesmo ser possível classificar o ioga hoje como uma religião mística, segundo o conceito desenvolvido por Colin Campbell a partir de Ernst Troeltsch54 - teólogo e amigo de Max Weber na construção dos seus conceitos sobre religião que mostramos anteriormente.

A relação, no entanto, que possa existir entre estresse e religião a pesquisadora não incluiu em suas perguntas, mas as suas descobertas ganham mais sentido quando expomos um dos pensamentos de B.K.S.Iyengar, o líder espiritual da escola de ioga investigada por Newcombe e um dos iogues mais populares do mundo. Segundo ele: “a pessoa indisciplinada é alguém sem religião; a pessoa disciplinada é religiosa; a saúde é religião; a doença é falta de religião”55. O seu discurso associado a discussão entre religião-sociedade nos direcionam a concluir haver uma estreita relação se estabelecendo do ioga moderno com a biomedicina ocidental.

Klesa e estresse

Pesquisas revelam a ocorrência do entrelaçamento entre doença-sagrado, medicina-religião e cura-salvação em diversas religiões56. A cientista Sarah Strauss corrobora essas aproximações com o ioga moderno e a biomedicina nos esclarecendo que o diálogo saúde-doença para o ioga não corresponderia a um simples mecanismo resultante da fisiologia orgânica compreendida pela ciência biológica, mas da experiência subjetiva de um sentir-se mal, quase como uma angústia ou uma dor incorporada57. Dessa forma, é legítimo explorar o provável diálogo estabelecido modernamente entre as noções da experiência do mal/angústia/dor e do conceito de estresse nas sociedades ocidentais.

Segundo Rao, mas corroborado por outros pesquisadores, numa interpretação moderna do IS, os klesas poderiam hoje corresponder ao agente estressor ou estresse propriamente dito, e dukha (lit.dor) a experiência dolorosa ou o próprio sofrimento espiritual advindo dos nocivos comportamentos dos klesas. O asthanga ioga (AI) - os oito princípios espirituais do ioga clássico58 - por sua vez, poderia estar sendo entendido modernamente como as “técnicas” para dominar o estresse/klesa.

Essas observações são deveras interessantes, mas ao considerar o estresse como sinônimo de klesa pura e simplesmente, nos faz concluir equivocadamente que toda a manifestação fisiológica do estresse seria nefasta para a vida humana. Todavia o estresse, na perspectiva estrita da biologia - como foi apresentado no primeiro capítulo - nunca foi compreendido assim. O estresse, como sinônimo de doença, é uma noção popularizada sem o devido respaldo da ciência e, talvez, incorporada de alguma forma na doutrina do ioga moderno.

Dois fatos interligados podem esclarecer melhor a contenda que busco expor entre o cenário aparentemente sereno que envolve o ioga e a ciência. A primeira diz respeito a resposta psicofisiológica de relaxamento que a ciência propala como resultado empírico dos ritos corporais ioguicos modernos. E a segunda, reside na permanência da convicção em energias sutis/esotéricas ou transfisiológicas, sobretudo prana, entre os iogues modernos60. A resposta do relaxamento originado pelos ritos ioguicos e a crença em energias transfisiológicas são, portanto, peças-chave na elucidação da questão klesa-estresse e o ioga como denominação religiosa.

Relaxamento

A partir de 1930, publicações de divulgação científica em fisiologia e biomedicina sobre práticas terapêuticas “espirituais” alcançaram popularidade entre os meios alternativos das sociedades ocidentais61. Concomitantemente, em Harvard, os trabalhos de Herbert Benson62. difundiram a prática meditativa e a do ioga como promotores inequívocos de saúde por suas ações na resposta de relaxamento, promovendo o ioga como uma espécie de “terapia secular” ao combate do estresse por meio de suas práticas rituais.

Mas essa fundamentação ainda não explica o porquê do ioga se preservar como “caminho espiritual”, como visto no trabalho de Newcombe, em sociedades modernas e desencantadas, fundadas pela razão das ciências empíricas.

Prana é real

A imbricação do ioga com o racionalismo e o empirismo da ciência moderna, o conceito religioso de prana, ao invés de desencantar-se como se esperava em meios urbanos cosmopolitas, se ressignifica e ganha existência “real” a partir do Mesmerismo de Franz Mesmer, do conceito de orgone e das couraças neuromusculares do caráter desenvolvidos na psicologia de W. Reich63. O psicólogo da religião William James ainda no início dos anos de 1900 e Robert Fuller atualmente, revelam que seria a fé em tal existência metafísica de energia corpórea a responsável pelo qual, os iogues atuais e os religiosos investigados por James, percebessem as doenças fundamentadas em algum tipo de desequilíbrio energético sutil, esotérico, transfisiológico ou meta-empírico64.

Mark Singleton se aprofunda neste tema, tendo como marco teórico o artigo A salvação pelo relaxamento de W. James, e demonstra que o rótulo de “combate ao estresse” que as práticas do ioga moderno conquistaram, seriam consequência do flerte de iogues com as terapias proprioceptivas ocidentais e não de sua origem hinduísta de comunhão com deus/Ishvara, como exposta no IS. Segundo ele, o ioga em contato com o estilo de vida agitado das grandes cidades do mundo ocidental teria direcionado a sua salvação para o relaxamento, apontando que esse fato pode revelar uma corrupção da ancestralidade espiritual do ioga em detrimento a uma coletividade workaholic que não descansa, contribuindo dessa forma, com a ideologia capitalista do consumo e do trabalho65, ou seja, com o “espírito do capitalismo”, aonde o trabalho intramundano é elevado ao nível “sagrado” pelos protestantes, como percebido em Weber?

Não há dúvidas que o ioga moderno enveredou, como já expomos, para sua medicalização e as suas práticas transformadas em técnicas profanas para muitos setores da saúde. Por outro lado, pesquisas apontam igualmente que nunca existiu um “ioga puro”, e a sua tradição medieval - o hatha-ioga –a responsável (e não o estilo de vida moderno) pela maior valoração dada ao corpo em detrimento às suas escrituras clássicas66. Assim, mesmo não desmerecendo a influência social capitalista sobre o ioga moderno e o florescer do relaxamento como o seu “produto” contemporâneo mais importante descoberto - com base na ciência e não no IS (Ioga Sutras) - poderíamos refletir não uma corrupção dos seus preceitos espirituais, como afirma Singleton, mas numa reforma soteriológica dos antigos bens de salvação do ioga.

Talvez a proposta de salvação do ioga, antes pautada exclusivamente nos ensinamentos hinduístas dos klesas, vrttis e samadhi, tenham perdido o seu sentido religioso em meio à sociedades modernas secularizadas e desencantadas. Há inclusive debates filosóficos se o ioga de Patanjali teria mesmo influência do Hinduísmo ou não seria fruto de um sincretismo de outras religiões como o Budismo, por exemplo67.

A partir dos dados obtidos da discussão até agora, podemos deduzir quatro características do ioga vigente que dialogam entre si dando coerência ao seu pensamento contemporâneo: 1) a influência da biomedicina na interpretação de seus ritos e doutrinas68; 2) o estresse sendo elevado ao nível de klesa pelo ioga moderno69; 3) a permanência da crença em energias transfisiológicas, sobretudo prana70; e 4) o relaxamento como principal “produto” dos ritos ioguicos71.

Por mais que denominações religiosas, como o ioga, possam acumular milênios de conhecimento, a sua trajetória é infinita e as suas imbricações sociais, espirituais e econômicas estarão sempre determinando novos caminhos. O ioga, antes do processo de secularização era totalmente subordinado a religião hinduísta, mas hoje percebe-se numa condição ambivalente. Ele vive modernamente entre uma tradição religiosa livre dos grilhões hinduístas e uma simples técnica de cura secular atrelada aos grilhões da ciência. Assim, o mundo moderno está sendo responsável por suscitar novos problemas e soluções religiosas ioguicas que não seriam possíveis em outros termos.

Não é coincidência o ioga moderno florescer como nova religiosidade terapêutica no contexto sociocultural de grandes centros urbanos ocidentais como São Paulo, Nova Iorque e Rio de Janeiro, e nenhuma expressão no Vale do Jequitinhonha, no interior de Minas Gerais. Isso ocorre, pois serão nas metrópoles os locais de maior volume de trabalho e, por conseguinte, de doenças específicas advindas do estresse crônico. Estes fatores, associados as crescentes pesquisas científicas biomédicas sobre o relaxamento induzidos pelas práticas ioguicas, podem ser os responsáveis pela diminuição do valor salvífico (ou ético) das suas escrituras antigas e elevado os das sensações e percepções psicocorporais. Estes fatos, darão plausibilidade as reformas soteriológicas no ioga em sociedades urbanas modernas.

Assim, hipotetizo cinco fatores que podem caracterizar o ioga na modernidade: 1) a ressignificação das escrituras ioguicas à luz da ciência biomédica, 2) a elevação do relaxamento ao nível de espiritual, e a consequente metaforização do estresse como o mal a ser combatido ao invés dos klesas, 3) a busca por uma espécie de homeostase eterna, como forma de reequilíbrio energético meta-empírico e manutenção da saúde, quase como metáfora de evolução espiritual ou experiência religiosa do samadhi, 4) a desvinculação gradual da moral religiosa exclusivamente hinduísta no ioga e, a sua consequente produção de novos bens de salvação, e 5) a ciência biomédica, ao invés de desencantar o seu sistema de crenças, legitima-o, dando plausibilidade ao ioga surgir como uma nova religião em andamento.

Conclusão

Talvez agora você possa ter argumentos para conseguir responder algumas dúvidas iniciais, mas é improvável que esteja terminando com as mesmas certezas que nutria sobre religião. Espero que quando lhe disserem que foram tocados por Jesus, aconselhados pelo exú Tranca Rua, praticam diariamente rituais de cura através do realinhamento dos chackras ou ingerem cápsulas de ômega 3 como fórmulas para a felicidade; não julgue-os como iludidos, loucos ou alienados, mas escolhas pessoais de sistemas de ordenamento de realidades baseadas em aspectos meta-empíricos no intuito de os livrar das suas mais profundas angústias em busca da vida eterna. Ser religioso, filósofo, cientista ou artista (ou todos) é uma decisão pessoal e única de como conduzir a vida que ele acredita ser a melhor a ser vivida.

Notas

  1. FILORMANO & PRANDI, 2007, p. 255-256

  2. ver BECKER, 1973.

  3. GRESCHAT, 2005, p.24-25

  4. OTTO, 2007, p.40

  5. DURKHEIM, 2000, p.9

  6. DURKHEIM, 2000, p.29

  7. Ibid., p.32

  8. SOUZA, 1999, p.20

  9. Ibid., p.21

  10. Ibid., p.21-22

  11. Ibid., p.22

  12. Ibid., p.23

  13. Ibid., p.23-24

  14. Ibid., p.25-26

  15. WEBER, 2001, p.64

  16. WEBER, 2001, p.126

  17. ver DENNET, 2006

  18. NUNES, 2007, p.99-101

  19. CHAMPION, 1989; HANEGRAAFF, 1999

  20. CONTEPOMI, 1999, p.139-140; AMARAL, 1999

  21. CATALFO, 2001

  22. KOENIG; McCOLLOUGH & LARSON, 2001. p.17-23

  23. HILL et.al., 2000; HILL & PARGAMENT, 2003

  24. PARGAMENT, 1997, p.21-33; HILL & PARGAMENT, 2003

  25. GROSS, 2005, p.424-425

  26. SINGLETON, 2010, p.16

  27. ALTER, 2004, p.85

  28. DESIKACHAR et.al., 1980; BERRY, 1992, p.75

  29. ver SIMÕES, 2011

  30. BOURDIEU, 2011, p.79-98

  31. HANEGRAAFF, 1999

  32. CHAMPION, 1989

  33. HANEGRAAFF, 2003

  34. AMARAL, 2000

  35. ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/tab1_4.pdf, acessado 03/11/14

  36. http://www.yogajournal.com/advertise/press_releases/10, acessado 19/08/2014

  37. http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/ioga-ganha-cada-vez-mais-praticantes-no-brasil, acessado 19/08/2014; e dados obtidos da pesquisa da EKOMAT YOGA CONSULTING [email] 01/10/2014, São Paulo [para] SIMÕES, R.S., Santos. 4f. Análise do mercado ioguico no Brasil de 2011

  38. http://www.einstein.br/einstein-saude/bem-estar-e-qualidade-de-vida/Paginas/ioga-uniao-de-corpo-e-mente.aspx, acessado em 01/10/2014

  39. http://www.saude.es.gov.br/download/SESA_MANUAL_PIC_VERSAO_FINAL.pdf, acessado em 01/10/2014

  40. SIEGEL, 2010

  41. GULMINI, 2002, p.115

  42. Ibid., p.212

  43. Ibid., p.212

  44. Ibid., p.212

  45. Ibid., p.225

  46. Ibid., p.225

  47. Ibid., p.225

  48. Ibid., p.255

  49. GULMINI, 2002, p.262-273

  50. ALTER, 2004; BAIER, 2012

  51. JOHNSON, 2010, p.93-94

  52. SIMÕES, 2011

  53. DE MICHELIS, 2008, p.23-27

  54. NEWCOMBE, 2005

  55. IYENGAR, 2001, p.38

  56. FULLER, 2008, p.131-152; LAPLANTINE, 2011, p.213-252

  57. STRAUSS, 2008

  58. Yamas, Niyamas, Asanas, Pranayamas, Prathyahara, Dharana, Dhyana e Samadhi

  59. BHAVANANI, 2007; RAO, 2012

  60. FULLER, 2008, p.133-150; SAMUEL & JOHNSTON, 2013

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Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Há muito em minhas aulas alerto do benefício de ser ler o texto mais basilar da cultura ioguica sem comentários e, só depois, ler o que outros pensaram sobre o que significam. Abaixo tive a paciência de transcrever todos os sutras de Patanjali suprimindo os comentários. Por pura praticidade utilizei as traduções de Taimni e Mehta, mas você pode e deve incluir outras.

Divirta-se!

Seção I – SAMADHI PADA I-1)Taimni: (Será feita) agora uma exposição do Yoga Mehta: Agora começa uma discussão sobre o Yoga

Gulmini: Agora, a instrução do Yoga

I-2)Taimni: Yoga é a inibição das modificações da mente Mehta:Yoga é a dissolução de todos os centros de reação da mente

Gulmini: Yoga é a supressão dos movimentos da consciência I-3)Taimni: Então, o vidente está estabelecido em sua própria natureza essencial e fundamental Mehta:Neste estado, o vidente está estabelecido em sua própria natureza original

Gulmini: Isto feito, obtém-se a permanência da testemunha em sua natureza própria I-4)Taimni: : Nos outros estados existe assimilação (do vidente) com as modificações (da mente) Mehta:Com os centros de reação não dissolvidos, o vidente permanece identificado com as tendências adquiridas da mente

Gulmini: Caso contrário, ocorre a assimilação dos movimentos I-5)Taimni: As modificações da mente são de cinco tipos e são dolorosas ou não-dolorosas Mehta: Os centros de reação são os causadores da dor ou do prazer; eles podem ser agrupados de uma maneira quíntupla

Gulmini: Os movimentos da consciência são de 5 tipos, aflitivos e não-aflitivos I-6)Taimni: (Elas são) conhecimento correto, conhecimento errôneo, fantasia, sono e memória Mehta: As tendências de reação são formadas pela razão, irracionalidade, fantasia, sono e memória

Gulmini: São eles: aferição justa, erro, composição, sono profundo e memória I-7) Taimni: (Os fatos de) conhecimento correto (são baseados em) cognição direta, inferência <associação> ou testemunho Mehta: A razão tem suas raízes na cognição sensorial, na inferência e no testemunho de autoridade reconhecida

Gulmini: As aferições justas são: percepção sensorial, inferência e cognição verbal I-8) Taimni: Conhecimento errôneo é uma concepção falsa de uma coisa, cuja forma real não corresponde a tal concepção errada. Mehta: Quando os fatos são cobertos com as super-imposições da mente, o funcionamento da irracionalidade é visto

Gulmini: O erro é um conhecimento falso, estabelecido no que não é sua natureza I-9) Taimni: Uma imagem evocada por palavras, sem base em nenhuma substância, é fantasia Mehta: A fantasia é a imagem evocada pelo estímulo de palavras sem qualquer realidade por trás de si

Gulmini: A composição é consequência do conhecimento pela palavra, e é vazia de substância I-10) Taimni: A modificação da mente baseada na ausência de qualquer conteúdo é sono Mehta: A atividade da mente que é desprovida de significado e conteúdo é semelhante à condição de sono

Gulmini: Sono profundo é movimento, com suporte na cognição da ausência I-11) Taimni: Memória é não permitir a fuga de um objeto que foi experimentado Mehta: Uma tentativa de dar continuidade a uma experiência, mesmo depois que o acontecimento tenha passado, é Memória

Gulmini: A memória consiste em não permitir a evasão do domínio objetivo apreendido I-12) Taimni: A sua (das modificações) supressão (é obtida) pela prática persistente e pelo desapego Mehta: A dissolução dos centros reativos da mente é alcançada pela prática e pelo desapaixonamento

Gulmini: A supressão destes movimentos dá-se pela disciplina e pelo desapego I-13) Taimni: : Abhyasa é o esforço para permanecer firmemente estabelecido nesse estado (de citta-vrtti-nirodha) Mehta: Prática denota um esforço com o propósito de se estar firmemente estabelecido em um estado livre de todas as tendências reativas

Gulmini: Aqui, disciplina é o esforço na estabilidade I-14) Taimni: (Abhyasa) torna-se firmemente estabelecido pela prática por longo tempo, sem interrupção e com reverente devoção Mehta: A prática deve ser prolongada, ininterrupta e plena de ardor ou entusiasmo

Gulmini: Quando cultivada por longo tempo, sem interrupção e com reverência, torna-se firmemente consolidada I-15) Taimni: A consciência de perfeito domínio (dos desejos) no caso de alguém que tenha deixado de ansiar por objetos vistos ou não vistos é vairagya Mehta: O desapaixonamento é uma condição livre de todas os motivos, sejam aqueles que surgem de um desejo por alguma coisa que tenha sido experimentada ou por alguma coisa que tenha sido experimentada ou por algo que ainda não foi experimentado

Gulmini: Desapego é o discernimento sob comando daquele que está livre da sede do domínio objetivo das coisas vistas e ouvidas por tradição I-16) Taimni: Este é o mais elevado vairagya, no qual, devido ao percebimento do purusa, cessa o mais leve desejo pelos gunas Mehta: No desapaixonamento, devido ao estado de percebimento, há um completo desapego das atividades dos três atributos ou gunas

Gulmini: Superior a este desapego é a indiferença pelos aspectos fenomênicos, nascida da revelação do ser incondicionado I-17) Taimni: Samprajnata samadhi é aquele que é acompanhado por raciocínio, reflexão, bem-aventurança e sentido de puro ser Mehta:Pensamento dialético, mentalização ativa, abundância de interesses e individualidade distintiva são os fatores constituintes de samprajnata samadhi ou experiência com o pensamento-hábito atuando como um centro

Gulmini: A integração denominada “com todo o saber intuitivo” é seguida pela natureza do raciocínio, da sondagem, da felicidade sublime e do sentido de autoafirmação I-18) Taimni: A impressão remanescente que perdura na mente com a supressão do pratyaya, após a prática anterior, é a outra (isto é, asamprajnata samadhi) Mehta: Quando a consciência retém apenas impressões dos fatos sem suas associações psicológicas, então atinge-se asamprajanata samadhi ou uma experiência sem qualquer centro-hábito

Gulmini: A outra integração (denominada “além de todo saber intuitivo”) é precedida pela disciplina sobre a cognição da cessação, e extingue impressões latentes I-19) Taimni: Daqueles que são videhas e prakrtilayas, o nascimento é a causa Mehta: A mediunidade, seja natural ou causada por fatores materiais ou físicos, não deve ser confundida com samadhi ou experiência espiritual

Gulmini: A cognição dos estados da existência pertence aos incorpóreos e aos absorvidos na matriz fenomênica I-20) Taimni: (No caso) dos outros (upaya-pratyaya yogis), fé, energia, memória e grande inteligência precedem e são necessárias para o samadhi Mehta: A experiência espiritual de natureza verdadeira surge quando a consciência está impregnada de fé, energia, reminiscência e inteligência

Gulmini: No caso dos outros (os yogin), a outra integração (“além de todo saber intuitivo”) é precedida por: fé, força heroica, memória, integração e saber intuitivo I-21) Taimni: (O samadhi) está mais perto para aqueles cujo desejo (pelo samadhi) é intensamente forte Mehta: Tal experiência espiritual acontece com aquele que está ardente com intensidade I-22) Taimni: Mas uma diferenciação (surge) em razão da suave, média ou intensa (natureza dos meios empregados) Mehta: É a natureza da intensidade que determina o padrão para que os meios empregados sejam suaves, médios ou fortes I-23) Taimni: Ou pela auto-entrega a Deus Mehta:A verdadeira espiritualidade é caracterizada por um súbito voltar-se para a direção de Deus ou para a Realidade Última I-24) Taimni: Isvara é um purusa particular, que é incólume ás afiliações da vida, às ações e aos resultados e impressões produzidos por essas ações Mehta: Deus é aquele Principio distintivo que permanece intocado pelas aflições da vida, pelos frutos da ação, ou por qualquer motivação I-25) Taimni: Nele está o limite mais elevado da Onisciência Mehta: O Principio Último representa a qualidade insuperável de Onsicencia I-26) Taimni: Não estando condicionado pelo tempo, Ele é o Instrutor até mesmo dos Antigos Mehta: É o antigo dos antigos, pois Ele realmente é Atemporal I-27) Taimni: Sua designação é Om Mehta: No campo de Tempo, Ele é simbolizado por Om ou Pranaya I-28) Taimni: : Sua constante repetição e meditação sobre seu significado Mehta: Na repetição de Om é preciso haver reflexão em meio à repetição I-29) Taimni: Daí (resulta) o desaparecimento dos obstáculos e a orientação da consciência para o interior Mehta: É o que capacita a consciência a voltar-se para dentro, resultando na eliminação de todos os obstáculos I-30) Taimni: Doença, languidez, dúvida, negligência, preguiça, mundanalidade, ilusão, não-conquista de um estágio, instabilidade, este (nove) causam a distração da mente e são os obstáculos Mehta: Os obstáculos são distrações causadas por doença, entorpecimento, dúvida, negligencia, preguiça, anelo, ilusão, não-atingimento do objetivo desejado e instabilidade I-31) Taimni: Dor (mental), desespero, nervosismo e respiração difícil são sintomas de uma condição mental dominada por distrações Mehta: Os sintomas de uma mente distraída são a morbidade, o tédio, o nervosismo e a respiração difícil I-32) Taimni: Para remover esses obstáculos (deveria haver) a prática constante de uma verdade ou principio Mehta: A remoção destes obstáculos demanda atenção unidirecionada I-33) Taimni: A mente torna-se clara pelo cultivo de atitudes de cordialidade, compaixão, alegria e indiferença diante da felicidade, miséria, virtude e vício, respectivamente Mehta:Quando os obstáculos são removidos, uma nova abordagem do relacionamento humano é revelada e é simbolizada pela amizade, compaixão, alegria e consideração para com a felicidade ou sofrimento, virtude ou vício do outro I-34) Taimni: Ou pela expiração e retenção da respiração Mehta: A tranqüilidade da atenção unidirecionada torna-se possível, em parte, por meio de uma respiração regular I-35) Taimni: A ativação dos sentidos (superiores) também ajuda a estabelecer firmeza na mente Mehta: A estabilidade da mente é também possível através da mudança dos sentidos do sensual para o sensório I-36) Taimni: Também (através de estados experimentados interiormente) serenos ou luminosos Mehta: Serenidade e uma perceção mental clara permite movermo-nos para a atenção unidirecionada I-37) Taimni: Também a mente fixada naqueles que estão livres de apego (adquire firmeza) Mehta: Somos capazes de nos mover na direção da atenção unidirecionada, ao visualizarmos aquela condição de mente que está livre das atrações dos opostos I-38) Taimni: Também (a mente) apoiada em conhecimentos obtidos durante o sono, com ou sem sonhos (adquirirá firmeza) Mehta: Isso requer uma inquirição sobre a atividade das camadas subconscientes e inconscientes da mente I-39) Taimni: Ou pela meditação que se desejar Mehta:Isso é possível apenas seguindo o caminho da meditação que se considerar mais conveniente I-40) Taimni: Sua maestria estende-se desde o átomo mais ínfimo até a grandeza infinita Mehta: Com a remoção dos obstáculos surge o domínio da cognição e da ação que se estende do menor até o maior I-41) Taimni: No caso de alguém cujas citta-vrttis foram quase completamente aniquiladas, ocorre a fusão ou completa absorção recíproca do conhecedor, do conhecimento e do conhecido, como no caso de uma jóia transparente (colocada sobre uma superfície colorida) Mehta: No caso de alguém cujas tendências reativas tenham sido quase completamente eliminadas, surge uma fusão do conhecedor com o conhecido e o conhecimento, do mesmo modo que a jóia transparente funde-se com a cor da superfície em que repousa I-42) Taimni: Savitarka samadhi é aquele em que o conhecimento baseado somente em palavras, o conhecimento real e o conhecimento comum baseados na percepção sensorial ou no raciocínio, estão presentes em um estado de mistura e a mente passa, alternadamente, de um para outro Mehta: No savitarka samadhi, uma experiência que tem como centro a modificação-pensamento, observa-se uma confusão mental, porque a mente alterna-se entre pensamento verbal e conceitual I-43) Taimni: Na clarificação da memória, quando a mente perde sua natureza essencial (subjetividade), por assim dizer, e somente o conhecimento real do objeto brilha (através da mente), nirvitarka samadhi é atingido. Mehta: Nirvitarka-samadhi – a experiência na qual não existe o centro da modificação-pensamento – é alcançada quando, em virtude da purificação da memória, as projeções subjetivas da mente são abandonadas I-44) Taimni: Dessa maneira (como foi dito nos dois sutras precedentes), samadhi de savicara, nirvicara e estágios mais sutis (I-17) também foram explicados Mehta:O problema do savitarka e nirvitarka samadhi – uma experiência com ou sem centro de modificação-pensamento – indica uma investigação nas camadas mais sutis e profundas da mente I-45) Taimni: O domínio de samadhi, no que concerne aos objetos sutis, estende-se ao estagio (último) alinga dos gunas Mehta:Até mesmo o pensamento mais abstrato não pode ir além do campo de alinga ou prakrti – ou seja, além do campo da manifestação. I-46) Taimni: Esses (estágios que correspondem aos objetos sutis) constituem somente samadhi com “semente” Mehta:Mesmo este centro circunda uma semente-pensamento I-47) Taimni: Ao alcançar a pureza máxima do estágio nirvicara (de samadhi) dá-se o alvorecer da luz espiritual Mehta: Na completa cessação do pensamento surge a preciosa dádiva da iluminação espiritual I-48) Taimni: Nesse (estágio) a consciência é portadora de Verdade e Religião Mehta: Somente então a Sabedoria portadora da Verdade desponta na outrora limitada consciência do homem I-49) Taimni: O conhecimento baseado em inferência ou testemunho é diferente do conhecimento direto, obtido nos mais elevados estados de consciência (I-48), porque está confinado a um objeto particular (ou aspecto) Mehta:O conhecimento direto é totalmente diferente do conhecimento derivado da inferência e do testemunho, pois, enquanto o ultimo é conhecimento generalizado, o primeiro é o conhecimento do único e do particular. I-50) Taimni: A impressão produzida por ele (sabija samadhi) obstrui o caminho de outras impressões Mehta:Quando há um pensamento com um centro, as impressões, aderidas a este centro, impedirão o despontar de nova luz na consciência. I-51) Taimni: Com a supressão até mesmo daquela (impressão), devido à supressão de todas (as modificações da mente), samadhi “sem semente” (é atingido). Mehta: Quando o próprio núcleo de identidade é destruído, há uma completa cessação de todas as tendências reativas, trazendo assim à existência nirbija samadhi, ou uma experiência na qual não há sem mesmo uma semente-pensamento agindo como um centro. Seção II – SADHANA PADA II-1) Taimni: Austeridade, auto-estudo e entrega a Isvara constituem o Yoga preliminar. Mehta: Austeridade, auto-estudo e aspiração constituem a disciplina preliminar do Yoga. II-2) Taimni: (Kriya-yoga) é praticada para atenuar os klesas e produzir o samadhi. Mehta: Seu propósito é diminuir o impacto das aflições e levar o aspirante à verdadeira iluminação espiritual. II-3) Taimni: Falta de percebimento da Realidade, o senso de egoísmo ou “egoidade”, atrações e repulsões em relação a objetos e o forte desejo de viver são as grandes aflições ou casas de todas as misérias da vida. Mehta: As causas das aflições residem na ignorância, falsa identificação, atração, repulsão e desejo de continuidade. II-4) Taimni: Avidya é a origem daqueles que são mencionados em seguida, estejam estes no estado dormente, atenuado, alternante ou expandido. Mehta: Avidhya ou ignorância dá origem à aflições, que podem ser latentes tênues, intermitentes ou plenamente ativas – ou todas estas condições. II-5) Taimni: Avidya é tomar o não-eterno, impuro, mal e não-atman como sendo o eterno, puro, bem e atman, respectivamente. Mehta: Avidhya ou ignorância é confundir o transitório, o composto (impuro), o gerador da dor, o irreal (o adquirido) com o Eterno, o Puro, o Doador de felicidade e o Real ou o Original. II-6) Taimni: Asmita é a identificação ou mistura, por assim dizer, do poder da consciência (purusa) com o poder da cognição (buddhi). Mehta: Em asmita ou o sendo do eu (i-ness), o instrumento da percepção é considerado idêntico àquele que percebe. II-7) Taimni: A atração que acompanha o prazer é raga. Mehta: Raga ou atração é a busca de prazer. II-8) Taimni: A repulsão que acompanha a dor é dvesa. Mehta: Dvesa ou repulsão é evitar a dor. II-9) Taimni: Abhinivesa é o forte desejo de viver que domina até mesmo os eruditos (ou os sábios). Mehta: Abhinivesa ou ânsia de viver é o desejo de continuidade, que se encontra em todos, até mesmo entre os eruditos. II-10) Taimni: Esses, os (klesas) sutis, podem ser reduzidos pela sua reabsorção de volta à sua origem. Mehta:Para resolver todas as aflições, é necessário descobrir como elas surgem. II-11) Taimni: Suas modificações ativas devem ser suprimidas pela meditação. Mehta:Apenasna meditação é possível uma completa cessação de todas as aflições. II-12) Taimni: O reservatório dos karmas, os quais estão enraizados nos klesas, causa toda a espécie de experiências na vida presente e nas futuras. Mehta: Nas aflições reside toda à base de funcionamento do karma, e é daí que se expressa no presente e no futuro. II-13) Taimni: Enquanto a raiz estiver ali, precisa amadurecer e resultar em vidas de diferentes classes, duração e experiências. Mehta: Enquanto a raiz do karma permanecer, os fatores limitantes de natureza objetiva ou subjetiva continuarão a operar com relação a todas as experiências. II-14) Taimni: Elas terão alegria ou tristeza como seu fruto, conforme sua causa seja virtude ou vício. Mehta: Devido a esses fatores limitantes, sejam agradáveis ou desagradáveis, os frutos do karma, de felicidade ou sofrimento, precisam ser colhidos. II-15) Taimni: Para quem desenvolveu o discernimento, tudo é miséria por causa da dor resultante das mudanças, ansiedades e tendências bem como dos conflitos que permeiam o funcionamento dos gunas e das vrttis (da mente). Mehta: Para o sábio, todas as mudanças que surgem do conflito dos opostos são repugnantes, devido à tríplice miséria que acarretam. II-16) T: O sofrimento que ainda não chegou pode e deve ser evitado. Mehta: O sofrimento que ainda não chegou pode ser evitado. II-17) T: A causa daquilo que deve ser evitado é a união do vidente com o visto. Mehta: No fenômeno obseravdor-observado encontra-se a causa do sofrimento que pode ser evitado. II-18) Taimni: O visto (lado objetivo da manifestação) consiste de elementos e órgãos dos sentidos; tem por natureza a cognição, a atividade e a estabilidade (sattva, rajas e tamas) e tem por propósito (proporcionar ao purusa) experiências e liberação. Mehta:O observado vem à existência quando o impacto dos sentidos é modificado pelas gunas ou pelos três fatores condicionantes da mente por causa da busca de preenchimento da própria mente. II-19) Taimni: Os estágios dos gunas são o particular, o universal, o diferenciado e o indiferenciado. Mehta: As manifestações das gunas ocorrem em função do passivo ou do ativo, do tosco ou do sutil. II-20) Taimni: O vidente é pura consciência, mas, apesar de puro, parece ver através da mente. Mehta: O observador, ao invés de manifestar puro percebimento, vê através da tela conceitual da mente. II-21) Taimni: A própria existência do visto é por sua causa (Isto é, prakriti existe somente para servir ao purusa). Mehta: A natureza e o conteúdo do observado existem para a manutenção da continuidade do observador. II-22) Taimni: Embora o visto torne-se não existente para aquele cujo propósito foi cumprido, continua a existir para os outros, por ser comum a todos (além dele). Mehta: Para aquele que não objetiva realizar-se através da existência do observado, o observado não existe; mas para os demais ele continua a existir. II-23) Taimni: O propósito da união de purusa e prakrti é a conscientização, pelo purusa, de sua verdadeira natureza e do desenvolvimento dos poderes inerentes a ele e a prakrti. Mehta: O fenômeno observador-observado cria um relacionamento de possuir e de ser possuído. II-24) Taimni: Sua causa (da união de purusa e prakrti) é a falta de percebimento (por parte do purusa) de sua real natureza. M: Este desejo de possuir e de ser possuído é motivado por avidya ou ignorância. II-25) Taimni: A dissociação de purusa e prakrti, resultante da dispersão de avidya, é o verdadeiro remédio e (esta dissociação) é a Libertação do vidente. Mehta: Com a dissolução da ignorância, desaparece o fenômeno obseravdor-observado, resultando na emergência da percepção pura. II-26) Taimni: A prática ininterrupta do percebimento do Real é o meio para a dispersão (de avidya). Mehta:Um percebimento ininterrupto é a única maneira de dissolver avidya ou ignorância. II-27) T: Em seu caso (de purusa) o mais elevado estágio de Iluminação é alcançando em sete estágios. Mehta: Este percebimento deve cobrir a totalidade de nossa existência

II-28) Taimni: Da prática dos exercícios que compõem o Yoga, da destruição da impureza, brota a iluminação espiritual, que evolui para o percebimento da Realidade. Mehta:O propósito da disciplina do Yoga é eliminar as impurezas causadas pelo processo do condicionamento, de modo que a Luz do Puro Percebimento Incondicionado possa brilhar. II-29) Taimni: Auto-restrições, observâncias, postura, controle da respiração, abstração, concentração, contemplação e êxtase são as oito partes (da autodisciplina do Yoga). Mehta: Os oito instrumentos do Yoga são abstinências, observâncias, postura, controle da respiração, abstração, percebimento, atenção e comunhão ou absorção. II-30) Taimni: Os votos de auto-restrições compreendem abstenções de violência, de falsidade, de roubo, de incontinência, e de cobiça. Mehta: Não-violência, não falsidade, não-roubar, não-indulgência e não-possessividade são as abstinências. II-31) Taimni: Estes (os cinco votos) impedem de classe, lugar, tempo ou ocasião, e, estendendo-se a todos os estágios, constituem o Grande Voto. Mehta: Este é o Grande Voto, em cuja observância não devem interferir fatores biológicos, nem físicos, nem sociais. II-32) Taimni: Pureza, contentamento, austeridade, auto-estudo e auto-entrega constituem as observâncias. Mehta:Pureza, contentamento, simplicidade, auto-estudo e aspiração são as regras de observância. II-33) Taimni: Quando a mente é perturbada por pensamentos impróprios, a constante ponderação sobre os opostos (é o remédio). Mehta: Quando a mente está distraída por pensamentos não-desejados, precisamos investigar a natureza do oposto. II-34) Taimni: Uma vez que os pensamentos e as emoções (e ações) impróprios, como os de violência etc., sejam eles gerados diretamente, indiretamente ou aprovados, sejam eles causados por avidez, ira ou ilusão, e ou se apresentem em grau suave, médio ou intenso, resultam em dor e ignorância sem fim: por esta razão existe a necessidade de ponderar sobre os opostos. Mehta: Quando surgirem tendências indesejáveis, tais como violência, seja por indulgência, provocação ou conivência, devido às motivações do ganho, do ressentimento ou da ilusão, expressando-se em formas suaves, médias ou excessivas, causando pesar e percepção distorcida, investigue o conteúdo e as implicações do oposto. II-35) Taimni: Estando (o yogi) firmemente estabelecido na não-violência, deixa de existir hostilidade em (sua) presença. Mehta: Quando nos estabelecemos em ahimsa ou não-violência, não pode existir hostilidade ou ressentimento em suas cercanias. II-36) Taimni: Estando firmemente estabelecido na veracidade, o fruto (da ação) repousa somente na ação (do yogi). Mehta: Para aquele que está estabelecido em satya ou não-falsidade, a própria ação é sua recompensa. II-37) Taimni: Estando firmemente estabelecido na honestidade, todas as espécies de gemas apresentam-se (ante o yogi). Mehta: Quando estamos estabelecidos em asteya ou não-roubar, sentimos como se estivéssemos de posse de toda a riqueza do mundo. II-38) Taimni: Estando firmemente estabelecido na continência sexual, o vigor (é adquirido). Mehta: Quando estamos estabelecidos e, brahmacarya ou não-indulgência, somos dotados de inexaurível energia. II-39) Taimni: Com o estabelecimento da não-possessividade, surge o conhecimento de “como” e do “porquê” da existência. Mehta: Quando estamos estabelecidos e, aparigraha ou não-possessividade, começamos a compreender o significado da existência. II-40) Taimni: Da pureza física (surge) repulsa pelo próprio corpo e indisposição para o contato físico com outros. Mehta: Pureza indica indiferença para com as reivindicações do eu e um retiro, de tempos em tempos, para a reclusão ou solidão. II-41) Taimni: Da pureza mental (surge) pureza de sattva, disposição ao contentamento, unidirecionalidade, controle dos sentidos e aptidão para a visão do Eu. Mehta:Da purificação da mente surge disposição, unidireção, controle dos sentidos e clareza de percepção. II-42) Taimni: Superlativa felicidade resulta do contentamento. Mehta: Quando estamos estabelecidos em santosa ou auto-suficiencia surge uma alegria incomparável. II-43) Taimni: Pefeição dos órgãos dos sentidos e do corpo, com a destruição das impurezas por meio de austeridades. Mehta: Através da remoção das impurezas chegamos à austeridade ou tapa, onde o corpo e os sentidos adquirem grande sensibilidade. II-44) Taimni: Do auto-estudo resulta a união com a deidade desejada. Mehta: Através do auto-estudo ou svadhyaya, descobrimos a tendência de nossas aspirações mais elevadas. II-45) Taimni: Conquista de samadhi pela auto-entrega a Deus. Mehta: A reta orientação ou Isvara-pranidhana permite-nos chegar ao estado de contemplação. II-46) Taimni: A postura (deve ser) estável e confortável. Mehta: A postura dever ser firme e relaxada. II-47) Taimni: Pelo relaxamento do esforço e da meditação no “Infinito” (a postura é dominada). Mehta:Deve ser conquistado por meio de um estado de passividade alerta. II-48) Taimni: Então não há ataque dos pares de opostos. Mehta:É aquele estado onde não há atração dos opostos. II-49) Taimni: : Isto tendo sido (realizado), (segue-se) pranayama, que é a cessação de inspiração e expiração. Mehta:Tendo isso sido realizado, deve haver pranayama ou controle da respiração, que é a criação de um intervalo entre a inspiração e a expiração. II-50) Taimni: (Consta de) modificações externa, interna ou suprimida; é regulado por lugar, tempo e número (e se torna progressivamente) prolongado e sutil. Mehta: O intervalo é regulado por lugar, tempo e número e é profundo e silencioso. II-51) Taimni: O pranayama que vai além da esfera do interno e do externo é a quarta (variedade). Mehta: Quando o intervalo não é acompanhado por inspiração e expiração, então é um estado avançado de controle da respiração. II-52) Taimni: A partir disso desaparece o que encobre a luz. Mehta: No intervalo surge uma clareza de percepção. II-53) Taimni: E a mente fica preparada para a concentração. Mehta: Ele prepara a mente para o estado de dharana ou percebimento. II-54) Taimni: Em pratyahara, ou abstração, é como se os sentidos imitassem a mente, retirando-se dos objetos. Mehta: Quando os sentidos imitam a mente em sua ação de recolhimento isso é denominado pratyahra ou abstração. II-55) Taimni: Segue-se então o completo domínio dos sentidos. Mehta: Disto advém a maior elasticidade dos sentidos. Seção III – VIBHUTI PADA III-1) Taimni: Concentração é o confinamento da mente dentro de uma área mental limitada (objeto de concentração). Mehta: A definição da extensão interna de percepção é dharana ou percebimento. III-2) Taimni: Fluxo ininterrupto (da mente) na direção do objeto (escolhido para meditação) é contemplação. Mehta: Neste estado, observar o fluxo do pensamento sem qualquer interrupção é dhyana ou atenção. III-3) Taimni: A mesma (contemplação), quando há consciência somente do objeto de meditação e não de si mesma (a mente), é samadhi. Mehta: Isso é verdadeiramente samadhi, ou comunhão, onde apenas o objeto é visto, negando-se completamente a presença do observador. III-4) Taimni: Os três em conjunto constituem samyama. Mehta:Os três juntos constituem samyama ou meditação. III-5) Taimni: Pelo seu (de samyama) domínio (surge) a luz da consciência superior. Mehta:Através do estado de meditação, penetramos na Luz da Sabedoria. III-6) Taimni: Sua (de samyama) aplicação (se dá) por estágios. Mehta:A experiência de samyama ou meditação precisa comunicar-se gradualmente em estágios ou graus. III-7) Taimni: Os três são internos em relação aos precedentes. Mehta: Os três (dharana-dhyana-samadhi) são internos, comparados com os cinco instrumentos externos. III-8) Taimni: Mesmo esse (sabija samadhi) é externo em relação ao sem-semente (nirbija samadhi). Mehta:No entanto, mesmo os três externos comparados ao “sem-semente”. III-9) Taimni: Nirodha parinama é aquela transformação da mente na qual esta é progressivamente permeada pela condição de nirodha, que intervém momentaneamente entre uma impressão que desaparece e outra impressão que a substitui. Mehta: Há uma transformação na qual a mente está cônscia do intervalo entre a cessação e o reaparecimento do processo do pensamento. Essa transformação é chamada nirodha-parinãma ou percebimento do intervalo. III-10) Taimni: Seu fluxo torna-se tranqüilo pela impressão repetida. Mehta: Cresce firmemente em maior sensibilidade. III-11)Taimni: Samadhi parinama é aquela transformação que consiste no desaparecimento (gradual) das distrações com simultâneo surgimento da unidirecionalidade. Mehta: Há uma transformação na qual a mente está ciente do silencio que surge com a cessação das distrações. Essa transformação é conhecida como samadhi-parinãma ou o percebimento da quietude. III-12) Taimni: Assim também, a condição da mente em que o “objeto” (na mente) que desaparece é sempre exatamente similar ao “objeto” que surge (no momento seguinte) é denominada ekagrata parinama. Mehta: Há uma transformação na qual o percebimento da mente não é submetido à mudança, quer haja ruído ou cessação do ruído. Essa transformação é conhecida como ekagrata parinama ou percepção do silêncio em meio ao ruído. III-13) Taimni: Essas transformações da mente são refletidas na qualidade, nas tendências e nos padrões de comportamento, tanto no nível estrutural quanto funcional da existência do homem. Mehta: Desse modo (pelo que foi dito nos últimos quatro sutras) as transformações de prosperidade, característica e condição nos elementos e nos órgãos dos sentidos também ficam explicados. III-14) Taimni: O substrato é aquele no qual as propriedades – latentes, ativas ou não-manifestadas – são inerentes. Mehta: O Imanifesto é a Base ou substrato no qual todas as expressões do passado, presente e fututo residem. III-15) Taimni:A causa da diferença na transformação é a diferença no processo subjacente. Mehta: A causa das diferenças nas expressões deve-se ao fator da sucessão do tempo. III-16) Taimni: Pela aplicação de samyama aos três tipos de transformações (nirodha, samadhi e ekagrata), o conhecimento do passado e do futuro (é obtido). Mehta: A mente nova, caracterizada pela tripla transformação, pode compreender a natureza do Tempo. III-17) Taimni: O som, seu significado (oculto), e sua idéia (presente na mente no momento) apresentam-se juntos em um estado confuso. Aplicando samyama (ao som) eles (o som, seu significado e sua idéia) separam-se e surge a compreensão do significado dos sons emitidos por qualquer ser vivo. Mehta: Através da comunhão com o significado verbal, com a significação projetada e com o conteúdo real, a confusão entre eles é removida, o que nos permite compreender o real significado da palavra pronunciada seja por quem for. III-18) Taimni: Pela percepção direta das impressões (é obtido) o conhecimento do nascimento anterior. Mehta:Através da comunhão com nossas próprias tendências inerentes, podemos compreender a natureza de nossas encarnações anteriores. III-19) Taimni: (Pela percepção direta, através do samyama), da imagem que ocupa a mente, (é obtido) conhecimento da mente dos outros. Mehta: Através da comunhão com as expressões do pensamento do outro, podemos compreender como sua mente funciona. III-20) Taimni: Não incluindo, porém, outros fatores mentais que apóiam a imagem mental, pois este não é o objeto (de samyama). Mehta: Isso, contudo, não nos habilita a conhecer os fatores motivadores que sustentam e suportam aquelas imagens-pensamento. III-21) Taimni: Aplicando samyama ao rupa (um dos cinco tanmatras), com a suspensão do poder receptivo, o contato entre o olho (do observador) e a luz (do corpo) é interrompido, e o corpo torna-se invisível Mehta: Através da meditação no corpo da forma, a consciência retira-se de seu foco físico e alcança um “estado interno”. III-22) Taimni: Pelo que foi dito antes, pode ser compreendido o desaparecimento do som etc. Mehta: Isso indica que atingiu um estado interno através da meditação no som. III-23) Taimni: O karma é de dois tipos: ativo e dormente. Aplicando samyama a eles (é obtido) o conhecimento da hora da morte; e também (aplicando samyama) aos presságios. Mehta: O karma pode ser maduro bem como imaturo – aquele que produziu um efeito, e o que não produziu. Ao entrarmos em comunhão com o efeito, podemos compreender, através de sinais e indícios, a maneira de dissolver a causa determinante. III-24) Taimni: (Aplicando samyama) à amizade etc., (produz-se) o fortalecimento (da qualidade). Mehta:Através da comunhão com a virtude, descobrimos a nascente da força interior. III-25) Taimni:(Aplicando samyama) à força (dos animais), (obtém-se) a força de um elefante etc. Mehta: Esta força interior libera em nós um manancial inexaurível de energia. III-26) Taimni: Conhecimento do (que é) pequeno, do (que está) oculto ou distante, (obtém-se) direcionando a luz da faculdade superfísica. Mehta:Ao projetarmos os poderes ampliados da percepção dos sentidos, podemos conhecer o pequeno, o oculto e o distante. III-27) Taimni: Conhecimento do sistema solar (obtém-se) pela aplicação de samyama ao Sol. Mehta: Ao refletirmos sobre as forças solares, podemos compreender a natureza do sistema solar. III-28) Taimni: (Aplicando samyama) à Lua (obtém-se) conhecimento em relação à configuração das estrelas. Mehta: Ao refletirmos sobre a Lua podemos compreender a configuração das estrelas. III-29)Taimni: (Aplicando samyama) à estrela polar (obtém-se) conhecimento dos seus (das estrelas) movimentos. Mehta: Ao refletirmos sobre a Estrela Polar, podemos compreender o Grande Projeto subjacente ao movimento das estrelas. III-30) Taimni:(Pela aplicação de samyama) ao centro do umbigo (obtém-se) conhecimento da organização do corpo. Mehta: Através da concentração no chackra do umbigo, podemos compreender o funcionamento apropriado do mecanismo do corpo. III-31) Taimni: (Pela aplicação de samyama) à garganta (obtém-se a) cessação da fome e da sede. Mehta:Através da concentração na cavidade da garganta, podemos controlar os impulsos da fome e da sede. III-32) Taimni: (Aplicando samyama) ao kurma-nadi (nervo específico que atua como veículo do prana) (obtém-se a) imobilidade. Mehta: Através da concentração em kurma nadi, o canal nervoso na região do peito, alcançamos a estabilidade do corpo. III-33) Taimni: Aplicando samyama) à luz sob a coroa da cabeça (obtém-se a) visão dos Seres que atingiram a perfeição. Mehta: Através da concentração na região da coroa da cabeça, obtemos uma perfeita clareza de percepção. III-34) Taimni:(Conhecimento) de todas as coisas por intuição. Mehta:Mas a ilusão habilita-nos ao insight de todas as coisas. III-35) Taimni:(Aplicando samyama) ao coração (obtém-se o) percebimento da natureza da mente. Mehta: Através da meditação no coração, surge um percebimento do funcionamento de toda a extensão da consciência. III-36) Taimni: Experiência é o resultado da inabilidade em distinguir entre o purusa e o sattva, embora os dois sejam absolutamente distintos. Conhecimento do purusa resulta de samyama (aplicado) ao Auto-interesse (do purusa), separado do interesse de outrem (de prakrti). Mehta: Nas experiências normais, o observador e o sujeito são indistinguíveis, mesmo que sejam absolutamente distintos um do outro. É através da compreensão da automotivação do observadoir que a distinção entre os dois é conhecida e, portanto, surge o conhecimento do sujeito. III-37) Taimni: Daí são gerados audição, tato, visão, paladar e olfato intuicionais. Mehta: Então confere-se às experiências dos sentidos q qualidade dimensional da intuição. III-38) Taimni: Eles são obstáculos no caminho do samadhi e poderes quando a mente está voltada para fora. Mehta: Os poderes psíquicos são um grande obstáculo quando a consciência não está misticamente orientada.

III-39) Taimni: A mente pode entrar no corpo de outro por meio do relaxamento da causa da escravidão e da posse do conhecimento das passagens. Mehta: Quando somos capazes de dissociarmo-nos dos efeitos do karma de nosso passado e quando conhecemos a requerida técnica, podemos entrar na consciência e no corpo do outro. III-40) Taimni: Pelo domínio de udana (obtém-se) a levitação e o não contato com a água, o lodo, os espinhos etc. Mehta: Através do controle sobre udana ou o prana ascendente, podemos adquirir os poderes da levitação. III-41) Taimni: Pelo domínio de samana (obtém-se) o aviamento do fogo gástrico. Mehta:Através do controle sobre samana, o alento vital que cobre a região entre o coração e a área do umbigo, o corpo torna-se flamejante e fulgente. III-42) Taimni: Pela aplicação de samyama à relação entre o akasa e o ouvido (obtém-se) a audição superfísica. Mehta: Ao estabelecer um relacionamento entre o órgão da audição e akasa ou Espaço, podemos desenvolver os poderes da audição divina. III-43) Taimni: Pela aplicação de samyama à relação entre o corpo e akasa e, ao mesmo tempo, produzindo a fusão da mente com (algo) leve (como) o algodão (obtém-se o poder de) viajar pelo espaço. Mehta: Ao estabelecermos um relacionamento com o espaço relativo ao corpo e ao tomarmos a mente leve como algodão, podemos nos mover no espaço exterior III-44) Taimni: A partir de maha-videha, que é o poder de contatar o estado de consciência que está fora do intelecto e portanto é inconcebível, é destruído o que encobre a luz. Mehta: O estado em que a Mente não está presente, inconcebível por todos os processos de mentalização, é conhecido como maha-videha. Ele remove todas as cortinas que impedem a entrada da Luz. III-45) Taimni: Domínio dos panca-bhutas (é obtido) pela aplicação de samyama aos seus estados denso, constante, sutil, interpenetrante e funcional. Mehta: Através da concentração nas expressões densas e sutis dos elementos em suas características essenciais em que tudo penetram e no funcionamento de seus atributos, adquire-se maestria sobre os cinco elementos. III-46) Taimni: Daí a obtenção de animan etc., a perfeição do corpo e não-obstrução de suas funções pelos poderes (dos elementos). Mehta: Através disso, desenvolvemos poderes psíquicos tais como anima etc., alcançamos uma excelência do corpo e seu funcionamento desobstruído. III_47) Taimni: Beleza, compleição excelente, força e solidez Adamantina constituem a perfeição do corpo. Mehta: A excelência do corpo consiste em beleza de forma, graça de movimento, força da dignidade e agilidade dos membros. III-48) Taimni: Domínio sobre os órgãos dos sentidos, pela aplicação de samyama ao seu poder de cognição, sua verdadeira natureza, seu “senso de individualidade”, sua penetrabilidade e suas funções. Mehta: Surge uma maestria sobre os sentidos, que envolve sua receptividade, sua natureza, sua nitidez, seus atributos e propósitos funcionais III-49) Taimni: Daí (resultam) cognição instantânea, sem a utilização de qualquer veículo, e completo domínio sobre pradhana. Mehta: Surge então no campo dos sentidos uma velocidade comparável à da mente, que resulta na não-dependência de instrumentos ou órgãos dos sentidos, indicando maestria sobre as forças da natureza. III-50) Taimni: Somente pelo percebimento da distinção entre sattva e purusa é obtida supremacia sobre todos os estados e formas de existência (onipotência) e conhecimento de tudo (onisciência). Mehta: No percebimento de uma clara distinção entre sattva ou o observador e purusa ou o sujeito, somos dotados de conhecimento e poder para tratar com todas as situações da vida III-51) Taimni: Pelo desapego até mesmo a isso (ao siddhi referido no sutra anterior), sendo destruída a própria semente da escravidão, Kaivalya é alcançada. Mehta: Quando estamos desapegados até mesmo do percebimento do estado incodicionado, então, devido à destruição da própria semente da corrupção, chegamos à experiência da liberdade absoluta. III-52) Taimni: (Devem ser) evitados o prazer ou o orgulho ao ser tentado pelas entidades superfísicas regentes dos vários planos, porque (ainda) existe a possibilidade da revivescência do mal. Mehta:Se surgir um sentimento de prazer ou de orgulho ao recebermos reconhecimento dos outros, poderá haver uma recorrência às tendências antigas. III-53) Taimni: Conhecimento nascido do percebimento da Realidade pela aplicação de samyama ao momento e (ao processo de) sua sucessão. Mehta: Quando há um percebimento do momento e também da ocorrência da sucessão do tempo, daquele momento, então, nasce a Sabedoria. III-54) Taimni: Daí (vivekajam-jnanam), conhecimento da distinção entre similares que não podem der distinguidos por classe, características ou posição. Mehta:Na Sabedoria surge uma percepção da diferenciação das coisas que, de outro modo, não podem ser diferenciadas seja por classe, característica ou posição. III-55) Taimni: O altíssimo conhecimento nascido do percebimento da Realidade é transcendente, inclui a cognição de todos os objetos simultaneamente, abrange todos os objetos e processos do passado, do presente e do futuro, e também transcende o Processo Mundial. Mehta: A Sabedoria que transcende todos os processos do conhecimento conhece a natureza total das coisas de uma só vez e não na sucessão do tempo III-56) Taimni: Kaivalya é alcançado quando há igualdade de pureza entre o purusa e sattva. Mehta: Quando a experiência e a expressão atuam no mesmo nível e com a mesma intensidade, nasce o estado de liberdade absoluta. Seção IV – KAIVALYA PADA IV-1) Taimni: Os sidhis são resultado de nascimento, drogas, mantras, austeridades, ou samadhi. Mehta: Os poderes psíquicos podem ser devidos à hereditariedade, drogas, encantamentos, austeridades ou samadhi IV-2) Taimni: A transformação de uma espécie ou tipo em outra faz-se pelo excesso de tendências ou potencialidades naturais. Mehta: A causa de todas as mutações reside no transbordamento da natureza. IV-3) Taimni: A causa incidental não impulsiona ou provoca as tendências naturais à atividade, mas, como um agricultor (irrigando um campo), meramente remove os obstáculos. Mehta: A causa instrumental não pode alterar os componentes hereditários; pode apenas remover obstáculos, da mesma maneira que um agricultor irriga seu campo IV-4) Taimni: Mentes criadas artificialmente (procedem) somente do “senso de individualidade”. Mehta:Todas atitudes mentais cultivadas conscientemente surgem de um senso de eu. IV-5) Taimni: A mente (natural) dirige ou move as muitas mentes (artificiais) em suas diferentes atividades. Mehta: Há na realidade apenas uma mente atrás da multiplicidade aparente de suas expressões. IV-6) Taimni: Dessas, a mente nascida da meditação é livre de impressões. Mehta: Apenas o estado nascido da meditação é completamente livre de todos os motivos. IV-7) Taimni: No caso dos yogis, os karmas não são nem brancos nem pretos (nem bons, nem maus); no caso de outras pessoas, eles são de três tipos. Mehta:O karma de um yogui não é bom nem mau; no caso dos demais, o karma é de natureza tríplice. IV-8) Taimni: Dentre essas tendências, somente se manifestam aquelas para as quais as condições sejam favoráveis. Mehta:O karma tríplice dá origem a certas tendências que se tornam ativas em condições que lhe são favoráveis. IV-9) Taimni: Existe a relação de causa e efeito, mesmo que separados por classe, lugar e tempo, porque memora e impressões são o mesmo em termos de forma. Mehta: Embora separadas por tempo, espaço e diversidade de características, há uma continuidade que é conferida a estas tendências pelo hábito e pela memória. IV-10) Taimni: Não existe um começo para eles, sendo eterno o desejo de viver. Mehta: Estas tendências parecem não ter começo, porque o desejo de viver parece absolutamente não ter fim IV-11) Taimni: Estando interligados como causa-efeito, substrato-objeto, eles (os efeitos, isto é, vasanas) desaparecem com seu desaparecimento (da causa, isto é, avidya). Mehta: Sendo dependentes e sustentados pelos motivos e sua realização, eles desaparecem quando os fatores motivadores esmorecerem. IV-12) Taimni: O passado e o futuro existem em sua própria forma (real). A diferença de dharmas (ou prosperidades) decorre da diferença de caminhos. Mehta: O Passado e o Futuro existem no momento do Agora; parecem diferentes por causa da sucessão do tempo. IV-13) Taimni: Eles, manifestos ou não-manifestos, são de natureza dos gunas. Mehta: Os fatores do Vir-a-ser, tangíveis ou sutis, são governados pela atividade das gunas ou os Três Atributos. IV-14) Taimni: A essência do objeto consiste na singularidade da transformação (dos gunas). Mehta: Por causa da uniformidade no movimento oscilante das gunas, não há distorção na qualidade do ser. IV-15) Taimni: O objeto sendo o mesmo, a diferença entre os dois (o objeto e sua cognição) é devida aos caminhos separados (das mentes). Mehta: É a mente fragmentada que não vê as coisas como elas são. IV-16) Taimni: Nenhum objeto é dependente de uma mente. Que seria dele quando não fosse por ela percebido? Mehta: A existência de uma coisa não depende da mente percebê-la; pois o que seria dela se a mente não a reconhecesse? IV-17) Taimni: Um objeto será ou não concebido, em conseqüência da mente ser ou não colorida por ele. Mehta: De acordo com a coloração da mente o objeto é reconhecido ou não. IV-18) Taimni: As modificações da mente são sempre conhecidas por seu dono, em razão da imutabilidade do purusa. Mehta: A mente tem uma possibilidade de observar seu próprio condicionamento. IV-19) Taimni: Nem é ela (a mente) auto-iluminativa, pois é perecível. Mehta: A mente não é auto-resplandecente, pois ela é o campo, não o Conhecedor do campo. IV-20) Taimni: Além do mais, nem lhe é possível funcionar das duas maneiras (como aquele que percebe e como aquele que é percebido) ao mesmo tempo. Mehta: O percebimento daquele que percebe e do percebido não pode acontencer ao mesmo tempo. IV-21) Taimni: Se (fosse admitida) a cognição de uma mente por outra mente, teríamos que admitir a cognição de cognições e também a confusão de memórias. Mehta: Se postularmos que uma segunda mente reconhece a atividade de uma primeira, então, a proposição lançar-nos-á à postulação de uma infinidade de mentes, uma superior a outra. IV-22) Taimni: O conhecimento de sua própria natureza, através da autocognição, (é obtido) quando a consciência assume aquela forma na qual não muda de lugar para lugar. Mehta: Quando a consciência é serena, vem a ela o percebimento de sua verdadeira e original natureza. IV-23) Taimni: A mente colorida pelo Conhecedor (isto é, pelo purusa) e pelo Conhecido é oniabarcante (aquele que tudo percebe). Mehta: Este percebimento surge unicamente quando vemos a natureza que tudo permeia do observador e do observado. IV-24) Taimni: Embora matizada por inúmeros vasanas, ela (a mente) age para outro (purusa) pois age em associação. Mehta: Embora contendo inúmeros desejos e anelos, a mente move-se apenas com um fator motivador, qual seja, de salvaguardar o observador através de um processo associativo. IV-25) Taimni: A cessação (do desejo) de permanecer na consciência de atma vem para aquele que percebeu a distinção. Mehta: No homem de reta percepção, o sentimento de “eu sou eu” cessou completamente. IV-26) Taimni: É então que, na verdade, a mente inclina-se para o discernimento e gravita em direção a Kaivalya. Mehta: Então a mente está orientada pela sabedoria, indicando o estado de liberdade absoluta. IV-27) Taimni: Nos intervalos outros pratayayas surgem pela força dos samskaras. Mehta: Nos momentos de não-percebimento, as tendências antigas aparecem novamente. IV-28) Taimni: Sua remoção, como a dos klesas, consegue-se como foi descrito. Mehta: A eliminação destas tendências pode ser feita da mesma maneira que se obtém a libertação dos klesas ou aflições, conforme abordado anteriormente. IV-29) Taimni: No caso de alguém que é capaz de manter um estado de constante vairagya, mesmo em relação ao mais exaltado estado de iluminação, e exercer o mais elevado tipo de discernimento, segue-se dharma-megha-samadhi. Mehta: Quando o estado de meditação é um fim em si mesmo e não um meio para a realização de algum outro fim, surge aquele percebimento puro e total no qual nasce dharma-mega-samadhi, significando uma experiência espiritual comparável a uma Nuvem de Benção. IV-30) Taimni: Então, segue-se a libertação de klesas e karmas. Mehta: Então há completa libertação do karma e das aflições que surgem dele. IV-31) Taimni: Então, em conseqüência da remoção de todas as obscuridades e impurezas, aquilo que pode ser conhecido (através da mente) é insignificante em comparação com o conhecimento ilimitado (obtido na Iluminação). Mehta: Livre de todos os véus que ocultam a Realidade, compreendemos que todo o conhecimento reunido pela mente é totalmente insignificante comparado com a iluminação nascida da Sabedoria. IV-32) Taimni: Tendo os três gunas cumprido seu objetivo, o processo de mudanças (nos gunas) chega a um fim. Mehta: Em tal Infinidade de Sabedoria, chega ao fim o processo do vir-a-ser psicológico através das atividades funcionais das três gunas. IV-33) Taimni: Kramah é o processo correspondente aos momentos (em sucessão) que se torna compreensível ao final das transformações (dos gunas). Mehta: Mudanças ocorrem apenas nos momentos, mas tornam-se apreensíveis na sucessão do tempo. IV-34) Taimni: Kaivalya é o estado (de Iluminação) que se segue à reabsorção dos gunas, por estarem destituídos do objetivo do purusa. Neste estado, o purusa está estabelecido em sua verdadeira natureza, que é pura Consciência. Mehta: Kaivalya ou liberdade absoluta é um estado de não-esforço onde as três gunas, desagrilhoadas pela mente retornam a seu movimento e onde a consciência retoma sua condição original não-modificada.

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