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Dr. Roberto Simões

Desde Ramakrishna e depois com seu discípulo Vivekananda que ouvimos, lemos e repetimos - muitas vezes como uma verdade axial - que a doutrina do yoga traz a mesma “mensagem” e bens de libertação do sofrimento de outras religiões, com a diferença do yoga não ser dogmático, mais ecumênico e onde nenhuma luta por dominância de capital social e econômico se manifestaria.

Em outro ensaio, sem muitas pretensões academicistas, argumentei que no subcampo religioso ioguico essa luta por poder também ocorre, e neste abordarei que se há algo em comum entre o yoga e as religiões - além de serem conservadas e subvertidas por homens e mulheres - está na crença da existência de um mundo ideal ou transcendente a este - como kaivalya, moksa, nirvana, Nosso Lar ou o Paraíso.

Os idealistas, como denominarei, creditam ao mundo transcendente como O perfeito, onde reinaria uma vida sem sofrimentos e ignorância à nossa espera em contraposição a este que vivemos. Em outras palavras, antes de ser iniciado às técnicas de yoga e sua doutrina, a realidade é profana, ilusória e passageira. Podemos então distinguir dois grupos: os idealistas, metafísicos dualistas e os materialistas, não-metafísicos ou não-dualistas. Os materialistas são os que creêm no mundo como ele é. Mais simples, se houver alguma libertação, estará na sua imanência e não em um outro transcendente a este. O idealismo por sua vez, compreende o universo ordenado cosmicamente, onde tudo nasce predeterminado por uma força exterior ao ser humano, seja Deus, a natureza, vidas inteligentes extratrerrestres ou dharma. Sendo assim, para os idealistas, tudo o que é sentido pelo nosso corpo seria apenas uma aparência ou uma sombra, pois o Real existiria na essência de cada objeto ou pensamento que tenhamos, como no pensamento platônico-cristão.

Há, portanto, um mundo dual por “natureza”. Para alguns iogólogos, os textos seminais do yoga teriam essa compreensão do universo também, interpretando purusa (a parte imaculada do Ser e imperecível, que sempre existiu e sempre existirá) e prakrti (o corpo de uma forma geral, que se “contamina” pelo mundo maculando nossas consciências pelo e perecível ou transitório) como distintos. Isvara seria outro exemplo, compreendido tanto como Deus ou um yogue ideal, estaria no patamar das essências universais de um iogue a ser alcançado. A infelicidade, o sofrimento, o pecado e a ignorância em que vivemos imanentemente, acreditam estes, seriam frutos de uma vida humana fora da ordem cósmica. Nasceríamos então com um projeto de vida pronto desde o nascimento, cromossômico por assim dizer. Como as peças de um relógio, teríamos uma posição a ocupar no plano cósmico, e mais alegre seria aquele que compreendesse e vivesse o quanto antes segundo o papel designado pelo universo, um mestre brâmane, pastor, Papa ou Deus a ele; muito parecido com o conceito de dharma ou na ideia que as suas agruras de hoje seriam "algo a resgatar" de karma, um substituto oriental para o pecado original cristão. Caberia a nós então descobrimos qual o destino que nos foi estabelecido por uma força exterior, ou pior, suportar viver carregando um fardo cósmico como penitência das impropriedades que realizamos em outras vidas - que não lembramos -, o bem conhecido de nós investigadores da doutrina e das práticas do yoga. O ioga contemporâneo, como uma interpretação de acadêmicos e teólogos europeus ao lado de sacerdotes hindus, de um ioga antigo à luz da vida moderna.

Mesmo que tenhamos nascidos em uma casta social não tão digna como a de um brâmane por exemplo, isso seria obra não das classes sociais dominantes que lutam por manter a sua hegemonia no poder e subjugar os menos abastados como eles que nasceram de “sangue azul”, mas de propriedades divinas ou extrahumanas que, ordenadas por forças de sabedoria superior, e nos caberia apenas seguir a moral, a ética e os valores concebidos desta ou outra cultura, como nos klesas ioguicos que visam desnuviar a ignorância humana pelo hábito inverso do apego, da aversão, do medo da morte e do orgulho.

Perceba, que tanto na Índia antiga - antes da influência inglesa/européia - como na Índia no final do séc.XIX, o ioga estava como uma espirituaidade de libertação, mas de quê para o quê?

"Não entendi!", anuncia meu leitor do fundão. Pois me siga, se você porventura “esquecer-se” de seguir o que foi estabelecido como o Mal, seja não seguir a sua vida pelos preceitos dos mandamentos de Cristo ou dos Yamas e Niyamas e subverter tais ordens; se pretender se aventurar a andar como alguém fora da sua casta, frequentar lugares que não lhe cabem socialmente ou comer carne de vaca, haverá sempre um “bom iogue” que lhe lembrará de sua gafe social-espiritual com um olhar, vestimenta de determinada cor, corte de cabelo, marca de bem de consumo ou valor e tipo de refeição. Tudo isso, para deixar bem claro que ali não é o seu lugar ou o que faz não está dentro das normas estabelecidas pela sociedade, por Deus, sua casta (leia-se status social) ou escola/tradição/método de ioga.

E o mais paradoxal - já que o ioga prega a libertação - outros com uma “posição cósmica desfavorável” tanto quanto você, estarão prontamente atentos às falhas “éticas” alheias e resignados com o papel menor que o universo lhe ofertou nesta vida dizendo a quem for: "que é assim mesmo e que em uma próxima vida a sorte será outra, se Deus quiser". Nunca lhe passará pela ideia, enquanto kaivalya significar sempre libertação dos valores errados nas "outras espiritualidades/religiões", mas nunca nas do ioga, pois os valores do ioga são universais. O mesmo discurso dos cristãos que serviram a Santa Inquisição.

A sua condição social pode ter sido imposta culturalmente e os valores e hábitos que você segue - mesmo os do ioga, e não apenas dos muçulmanos e judeus, podem ter origem social-econômica e não cósmica, transcendente em um Além-mundo, mesmo que seja a anunciada por rishis anônimos das mais longíguas florestas indianas. Mesmo que profetas, místicos, swamis, gurus ou rishis tenham lhe dito determinada “verdade” ao seu ouvido, essas palavras sempre terão sido interpretadas por estes, que são humanos tanto quanto você e foram construídos biopsicossocialmente como qualquer outro. Não existem fatos, apenas interpretações.

Os materialistas, por outro lado, creêm que a transcendência do Ser se dá na imanência do mundo e que somos apenas átomos em movimento no vazio. Essa posição nos reduz à uma condição bem mais modesta do que filhos de Deus além de ser bastante angustiante existencialmente, pois a vida não teria nenhum sentido a não ser buscar o que nos faz mais motivados a viver, em outras palavras, em mais alegria, em mais felicidade, em mais libido, em mais tesão de vida. Se essa motivação vier depois da prática diária as 4:30h de uma série de asanas, dialogando com seus alunos em uma sala de aula ou bebendo cerveja com amigos em um churrasco, por quê vou conduzir a minha vida para outra atividade, se é esta que me conduz hoje a vida que vale a pena ser vivida? E o melhor, como não sou predestinado a nada, não possuo karma algum a cumprir ou estou limitado por esta ou aquela alimentação, vestimenta ou modo de andar ou falar, pode ser o que eu quiser e mudar sempre que a minha motivação ou potência mudar também.

Nasceríamos então um Nada ou um purusa - no sentido de vazio, nunca predeterminado - que vai Sendo ao longo de nossas experiências cotidianas de vida. É claro que temos nossos instintos inatos como algumas expressões faciais, atos mecânicos como sugar, gestos natatórios, o próprio respirar, dentre tantos outros mas eles, ao contrário de outros animais, não dão conta de nos manter vivos sozinhos, pois sem contato humano morreríamos ali mesmo aonde caíssemos depois do parto, inertes; mexendo bracinhos e perninhas mas sem, literalmente, sair do lugar até morrermos de fome ou servirmos de refeição para qualquer outro animal.

Um gato nasce gato, tem instinto de gato e vive a vida inteira como ele só poderia viver, como um gato, já dizia Prof. Clóvis de Barros. Quando um gato ou uma zebra nascem é preciso poucos dias para se adaptarem ao seu meio e seus instintos os provêm de tudo o que eles precisarão para viver toda a sua existência de forma plena, feliz e sem úlceras.

Nós humanos não. Por nascermos Nada, um Vazio entre átomos (e células) em movimento sem nenhum sentido de vida cósmico prédeterminado ou de herança kármica, estaríamos condenados a viver livres a SERmos que quisermos, podendo mudar nosso Ser a cada instante, a cada amanhecer, a cada respirar.

Entretanto, qual sociedade humana prepara os seus para Ser liberto neste sentido? De quem é esse papel? Da filosofia, da religião, da ciência, das artes, dos mitos? Talvez o ioga, volto ao mote do nosso assunto, possa também fazer esse papel, mas resgatado sem uma metafísica que o sustente, LIVRE portanto, para que cada iogue, poeticamente, escreva a sua própria obra de arte de viver.

Desde que o ioga se imbricou com o poder de sacerdotes, os iogues vivem uma vida determinda e ditada pelas regras de conduta moral e ética de dada cultura e sociedade, mas sobretudo das escrituras erigidas sob essas égides. E são centenas de novos discípulos que se empenham se cercear a criatividade de iogues em erigir seus sonhos. Apesar (ou por causa disso) da ausência da metafísica, é necessário sonhar mesmo sabendo que estamos sonhando.

Poucos se deram conta de que sendo Nada (purusa como vazio livre de sentido) podemos ser Tudo e, que talvez kaivalya, a libertação de que tanto fala o YogaSutras como meta final do ioga, seja compreendermos o Nada que Somos. Pois é muito conveniente para uma sociedade marcada pelas castas como na Índia de Patanjali, aonde um brâmane (sempre do gênero masculino) era o que ocupava a alta casta sacerdotal, pregar que a causa da ignorância humana (avidya ou maya) seja viver apegado, já que eles tinham tudo o que desejavam; ou esbravejar para ninguém desenvolver o hábito da aversão, pois qual dominante aprecia ver seus dominados sendo subversivos e lutando por direitos iguais; ser destituído totalmente de qualquer caráter de orgulho e contentar-se com o pouco que têm, afinal, parece ser um desígnio dos deuses ser humilhado por sua sombra cruzar a de um brâmane ou comerciante local; ou ainda não temer a morte já que se um indivíduo de uma classe inferior seguir esses preceitos acima sem questioná-los, quem sabe Deus ou a oderm cósmica não lhe confira uma pequena ascenção social em uma vida próxima? Quem sabe?

Mas como é angustiante nascer um Nada. Que tamanho esforço é realmente Ser. Muito mais fácil e cômodo é agarrar com todas as nossas forças o Ser de outro - como sonhar em ter o direito legítimo de desfilar com um diploma de "formado em yoga", um cordão branco de brâmane ou pronuncar corretamente um mantra em sânscrito ao invés de se dedicar a viver a liberdade de Nada com a potência de Sermos o que bem quisermos e mudarmos no instante seguinte sempre em busca do que nos dê maior potência/tesão de vida. Como é reconfortante acreditarmos que nascendo brâmane seja “natural” ou genético subjugar alguém de casta inferior ou por praticar ioga eu seja superior espiritualmente de um umbandista, católico carismático ou evangélico. Como é satisfatório e me promove uma falsa potência me sentir MAIS por realizar vinyasas ou me intitular MAIS calmo por praticar o "hatha-yoga clássico".

E, como gastamos as nossas forças e atenção em viver uma vida inteira imitando outros, mas sobretudo, ser abençoados com o Ser/potência/tesão de outro e não o nosso, vivemos uma vida ascética e sem VIDA própria. Daí, depois de aprendido viver por hábito o Ser de um guru ou de uma tradição (leia-se comunidade religiosa ioguica) quem ousará jogar fora esse capital social construído e admitir o seu erro e começar de novo? Somente um iogue, na acepção da palavra, fará isso.

Após de construído esse Ser alheio, até mesmo na forma de andar, falar, comer, olhar, respirar e pensar e perdido a sua natureza inata de Nada, luta-se para conservá-lo como se todos esses trejeitos estivessem vindo de uma experiência cósmica e não de um habitus social, e há de quem ousar e pretender também obter esse capital externamente ou criticá-lo.

Mas quem almeja Ser verdadeiramente como promete o yoga, ou seja, construir o seu Ser sem subterfúgios fáceis de leis espirituais universais em 5, 7 ou 10 lições de livraria, quem almeja realmente buscar subverter a ordem social e humildar-se frente ao Nada que se É e sempre será, o que deve fazer? Está aí o grande paradoxo do caminhar espiritual de todas as religiões talvez, inclusive o ioga, pois quando se compreende o Ser em sendo Nada, muitos caem na tentação quase sempre mística ou profética de padronizar o caminho para que outros também o consigam como “dever espiritual”, mas lógico, com a insígnia deste primeiro “abençoado” ou de sua linhagem, tradição ou método. Mas, se somos Nadas condenados a Ser únicos não há caminho a seguir, pois sendo um Vazio podemos ser Tudo (qualquer caminho é válido, conquanto que seja trilhado por você conscientemente e poeticamente), e quando adota-se os passos de alguém Realizado ou Iluminado, ou seja, tudo esvai na mesma armadilha anterior, de ser a cópia de outro e não Ser original.

Digo e repito, o caminho é árduo pois o candidato a Ser não pode contar com uma marca qualquer ou título ofertado por um outro, mesmo que seja de um Buda ou Siddha. Ele precisa aprender a Ser sozinho como todos que realmente construíram silenciosamente o seu Ser a partir do Nada. E, só assim ser denominado um iogue sem almejar que o sigam ou edificar tradições, escolas ou métodos.


Psiconeuroimunoendocrinologia

As facilidades impostas pela melhora da tecnologia no mundo moderno têm gerado seres humanos cada vez mais sedentários, e paralelamente tem ocorrido um aumento das doenças crônicas degenerativas. Pouca importância tem sido dada às alterações que esse sedentarismo provoca no sistema imunológico.

Uma das áreas mais fascinantes e de rápido desenvolvimento na fisiologia moderna compreende a ligação entre a mente e o corpo. Embora muitos renomados cientistas tenham zombado deste tópico durante muitos anos, a interação entre as nossas emoções e as doenças somáticas tem sido descrita por séculos. Muitas sociedades descrevem histórias de pessoas que perderam a alegria de viver e mais tarde morreram sem nenhuma doença aparente, ou de pessoas que desistiram da morte e tiveram uma recuperação notável.

A interação entre a mente e os demais sistemas de integração, como o nervoso, o endócrino e o imunológico, permite-nos postular a existência de um sistema psiconeuroimunendócrino, responsável pela manutenção do equilíbrio interno de nosso organismo, e cuja existência nos permite entender como modificações em um dos elos levaria ao desarranjo dos demais. A base de sustentação para a existência deste eixo seria a possibilidade de troca de informações entre os diferentes subsistemas, através da liberação de uma grande quantidade de substâncias químicas, como citocinas, peptídeos, monoaminas, glicocorticóides, radicais livres e opióides. A assunção de tal pressuposto nos permite compreender melhor as ligações entre a incapacidade de se enfrentar o estresse e o desenvolvimento de enfermidades.

O estresse é um fenômeno biológico comum e conhecido por todos nós através de nossas próprias experiências. A vida moderna tem sido caracterizada pelos altos índices de estresse, e tem levado uma grande quantidade de pessoas a procurar abrigo em spas, academias de ginástica, livros de auto-ajuda e, neste contexto, o refúgio no yoga, nas práticas meditativas, assim como no seio de diversas religiões, também encerra importância fundamental. Sendo assim, é lícito compreender melhor os mecanismos envolvidos na geração do estresse, assim como a possibilidade de diminuí-lo através de tais práticas.

Em sua etimologia o verbete estresse tem como sinônimo o termo strain e remonta às origens das línguas Indo-Européias. No grego antigo, era a raiz de strangale e do verbo strangaleuin que significa estrangular. Em latim, a raiz formou o verbo stringere que significa apertar. Logo, as raízes do estresse remetem à idéia do empenho de forças fundamentalmente contrárias.

A percepção do estresse é bem antiga. Para os homens primitivos, a perda de vigor e o sentimento de exaustão que experienciavam após um trabalho intenso ou exposição prolongada ao frio, ao calor, perda de sangue, medo ou doença, teriam alguma semelhança entre si.

Claude Bernard, fisiologista francês considerado o pai da ciência moderna, introduziu o conceito de milieu interieur ou o princípio do equilíbrio fisiológico interno dinâmico, dependente do líquido orgânico que circunda e banha todos os tecidos. Bernard foi primeiro a observar que o meio interno dos organismos vivos não era meramente um veículo para levar alimento às células, mas que da estabilidade do meio interior dependia o nosso bem estar geral. A partir da noção de meio interno constante, Walter Cannon, um fisiologista americano, desenvolveu o conceito de homeostase, do qual depende a qualidade de vida do ser humano. Entende-se por homeostase o conjunto de mecanismos regulatórios que mantêm a constituição do meio interno dentro de limites adequados para a sobrevivência do organismo, permitindo sua funcionalidade pela adaptação às condições externas variáveis da natureza. Tais mecanismos são os responsáveis pela detecção e correção de variações em diversos parâmetros orgânicos, tais como pressão arterial, volume sangüíneo, temperatura corporal interna, concentração de sais minerais, pH, entre outros. A existência desses mecanismos de regulação permite o funcionamento do organismo nas condições externas presentes na natureza.

Segundo Selye, o estresse é definido como um estado de diminuição da homeostase, onde o organismo apresenta diversos sintomas que demonstram sua crescente dificuldade em adaptar-se aos agentes físicos ou patológicos. Este mesmo pesquisador foi o responsável por introduzir o conceito de Síndrome da Adaptação Geral, que pode ser definido como a resposta não-específica estereotipada do organismo sadio a sinais estressores de diversas origens. A reação de adaptação aumentaria o poder de resistência do organismo aos agentes estressores e à sua capacidade de moldar-se às mudanças ambientais. O fator limitante da adaptabilidade de um organismo é a chamada energia de adaptação, ou seja, a capacidade de resistir às influências adversas do meio ambiente, que é limitada e declina com o aumento e/ou a contínua exposição ao agente estressante, levando a um desajuste da referida capacidade adaptativa e ao surgimento das doenças.

Ao longo da vida, a capacidade de adaptação do indivíduo vai se deteriorando, processo conhecido como senescência, provocando a queda da qualidade de vida. Em situações extremas, ou então quando o organismo não consegue reagir de forma adequada às situações do dia-a-dia, sobrevém o estado comumente chamado de estresse crônico. O estresse crônico pode atingir qualquer pessoa, independente da idade: atletas sobrecarregados com inúmeras sessões de treino, crianças sobrecarregadas com tarefas cotidianas, trabalhadores presos diariamente nos engarrafamentos da avenida Brasil no Rio de Janeiro ou das marginais em São Paulo etc. Um indivíduo nessas condições passaria por três estágios: no primeiro momento a experiência parece ser muito dura, é a reação de alarme do organismo, em seguida acostuma-se a ela, é o estado de resistência, e finalmente não se pode mais suportá-la, é o estado de exaustão.

É sabido que estressores físicos são capazes de influenciar a funcionalidade do sistema imunológico. Além desses fatores estressantes citados acima, as injúrias térmicas, traumáticas, cirúrgicas, o infarto do miocárdio e o choque hemorrágico também são capazes de influenciar a funcionalidade do sistema imunológico.

O exercício físico também tem sido classificado como um agente estressor, pois se sabe que este é capaz de alterar o estado de equilíbrio do eixo psiconeuroimunendócrino, influenciando a saúde do indivíduo. Devido a isso, inúmeros cientistas têm feito uso do exercício quando querem testar algum medicamento ou alguma terapia que supostamente possa combater o estresse, pois caso a intervenção seja eficaz, o indivíduo que se submete a ela deverá realizar o mesmo exercício com um menor gasto energético. O exercício também é reconhecido como um potente influenciador do sistema imunológico, muito embora os mecanismos por detrás de tais efeitos não sejam totalmente conhecidos. Sabe-se, porém, que a prática de exercícios em diferentes intensidades e segundo diferentes protocolos de execução e duração pode exercer efeitos positivos ou negativos sobre diversos parâmetros do sistema imunológico, uma vez que pode aumentar algumas células deste sistema, ou ainda, reduzi-las sensivelmente. Logo, exercícios moderados como um jogging na praia estimulam o sistema imunológico, ocorrendo justamente o oposto com exercícios mais intensos. Deve-se salientar que além da intensidade com a qual o exercício é realizado, a freqüência com que se pratica o mesmo (agudo ou crônico) também é fundamental na promoção de seus efeitos. Portanto, ao se estudar os efeitos do exercício sobre o sistema imunológico deve-se obrigatoriamente distinguir os resultados que são característicos de sessões agudas, daqueles decorrentes do exercício crônico, repetitivo, intenso, demasiado.

Se a compreensão dos mecanismos pelos quais o exercício atua no sistema imunológico ainda está em seu estado embrionário, muito menos se sabe a respeito da influência das práticas yoguicas, meditativas ou das orações sobre a dinâmica do sistema de defesa do corpo. Dentro em breve comentaremos mais sobre esse tópico. Todavia, compreender, ao menos que parcialmente, como o exercício influencia o sistema imunológico, é um pré-requisito para iniciarmos nosso discurso sobre os benefícios da prática do yoga e da meditação na aquisição de uma resposta imunológica mais eficaz. Sabe-se que, apesar do yoga ser muito mais do que um mero exercício, algumas escolas partem do trabalho corporal com o intuito de atingir estados conscienciais mais elevados, e talvez no futuro, os pesquisadores associem tais práticas ao conhecimento que hoje se constrói da relação exercício-sistema imunológico. Todavia, de compreensão muito mais difícil é a influência da meditação por si só sobre o sistema imune, pois, como dito na introdução deste trabalho, a meditação é a prática do nada fazer, do estar conscientemente em silêncio profundo, da contemplação pacífica dos pensamentos vagantes. Como o nada fazer pode, supostamente influenciar de forma benéfica o sistema imunológico é uma questão deveras intrigante.

Baseado nas hipóteses acima descritas, pesquisadores tem sugerido que o exercício de intensidade moderada aumentaria a resistência contra infecções ao liberar fatores imunomoduladores na circulação, como hormônio do crescimento, prolactina e citocinas. Portanto, de acordo com essa proposta, o exercício moderado para apresentar efeitos positivos deve ser realizado em intensidade que corresponda a pelo menos 60% da capacidade aeróbia máxima de um indivíduo, que é a capacidade associada ao ato de correr, nadar, pedalar, caminhar etc. Isso se deve ao fato de que alterações significativas de hormônios como adrenalina, noradrenalina, hormônio do crescimento, e beta-endorfina, assim como aumentos da temperatura corporal, ocorreriam a partir dessa intensidade. O exercício de alta intensidade por sua vez, não apresentaria esses mesmos efeitos positivos devido ao fato de promover a liberação de diversas substâncias imunossupressoras em quantidades elevadas, os glicocorticóides O cortisol é um hormônio glicocorticóide que pode ser nocivo para o sistema imunológico, principalmente quando suas concentrações plasmáticas são mantidas elevadas por longos períodos de tempo. Este fato é comumente visto em pessoas que sofrem com o estresse crônico, seja ele advindo de cargas excessivas de exercício, ou de preocupações exageradas com os problemas do cotidiano.

Portanto, o exercício físico agudo ou crônico, por se tratar de um fator estressor, tem seu papel sobre o sistema nervoso e endócrino. Mas, como dito anteriormente, com relação aos seus efeitos sobre o sistema imunológico, sua função ainda não está firmemente estabelecida. Esta dificuldade em se estabelecer o papel do exercício sobre a imunidade está relacionada ao grande número de variáveis diretamente ligadas à prática da atividade física, tais como: intensidade, duração e cronicidade.103 Os mecanismos envolvidos na resposta do sistema imunológico ao exercício englobam alterações hormonais, notadamente nas concentrações plasmáticas de alguns hormônios e do aminoácido conhecido como glutamina, pois é sabido que este é essencial no metabolismo dos leucócitos.

O exercício e suas conseqüências fisio-metabólicas causam profundas mudanças no número e distribuição de leucócitos na circulação e podem induzir mudanças na resposta proliferativa dos linfócitos. A redistribuição dos leucócitos tem sido atribuída às mudanças hormonais ocorridas durante e imediatamente após o exercício. Já no começo do século XX, se demonstrou que participantes da maratona de Boston, apresentavam leucocitose, que é o aumento das células do sistema imunológico no sangue, após o exercício. A leucocitose é uma das mudanças consistentemente observada durante o exercício. O número de leucócitos na circulação pode crescer quatro vezes, e continuar aumentando após o término do exercício, e ainda permanecer elevado por períodos prolongados, após alguns tipos de atividade. No geral, a magnitude da leucocitose parece estar diretamente relacionada à intensidade e duração do exercício e inversamente relacionada ao nível de aptidão do indivíduo. O aumento do número dos leucócitos se deve predominantemente ao aumento nos neutrófilos e, num menor grau, linfócitos, apesar do número de monócitos também aumentar. Ao contrário, durante exercícios muito longos, tais como 24 horas de caminhada, o número de leucócitos aumenta progressivamente após 16 horas, e então diminui e continua baixo até 62 horas após a caminhada.

Indivíduos não treinados também exibem leucocitose durante e depois de vários tipos de exercício. A magnitude da leucocitose induzida pelo exercício em sujeitos não treinados é semelhante àquela dos atletas, quando o exercício é realizado na mesma taxa de trabalho relativo, ou seja, com intensidades semelhantes quando se respeita a individualidade biológica de cada esportista. Isso por si só já nos faz hipotetizar os benefícios que uma aula de yoga poderia trazer para a aquisição de um sistema imunológico mais eficaz, uma vez que mesmo aquelas linhas de Hatha-Yoga menos vigorosas podem, para algumas pessoas, caracterizar-se como um exercício moderado. Em alguns momentos, dependendo do indivíduo em questão, o exercício corporal pode ser até mesmo classificado como pesado ou extremo como no caso das escolas do Asthanga-Vinyasa Yoga ou do Power Yoga. Contudo, no presente momento isso é somente especulativo, uma vez que não encontramos na literatura científica mundial nenhum trabalho que tenha intencionado averiguar as respostas imunológicas advindas da prática do yoga corporal.

Em condições de repouso, menos da metade dos leucócitos maduros do corpo está circulando no sistema vascular. O resto é seqüestrado para perfusão de microvascularidades nos pulmões, fígado, e baço. O mecanismo exato pelo qual os leucócitos são lançados dentro da circulação durante o exercício permanece desconhecido, mas pode envolver fatores mecânicos, assim como o aumento do rendimento cardíaco, bem como mudanças nas interações entre leucócitos e células endoteliais dos capilares. O exercício ainda influencia o número de linfócitos. A linfocitose, que é o aumento do número de linfócitos, ocorre durante e imediatamente após o exercício, realizado nas mais diversas condições como, após 10 minutos de subida de escadas ou após uma corrida de maratona. Tal como o observado com relação aos leucócitos totais, o número de linfócitos sobe progressivamente com o aumento da taxa de trabalho, e a magnitude da linfocitose está relacionada à intensidade do exercício.

Vários subgrupos de linfócitos podem responder diferentemente ao exercício. Em geral, todos os subgrupos aumentam em número, mas as células B e natural killer (NK) podem atingir número proporcionalmente maior que as células T. O exercício intenso e breve, recruta as células T da circulação, mas seu número pode ser restaurado logo após a atividade. O número aumenta mais em indivíduos não treinados do que em treinados após exercício intenso e breve. Já o número de células B aumenta dramaticamente durante o exercício, mas retorna rapidamente ao nível basal logo após o seu término.

Trabalhos realizados com animais de laboratório mostraram que a produção de anticorpos (imunoglobulinas) pelas células B também é reduzida pelo exercício exaustivo, sugerindo supressão da proliferação de células T e subseqüente estimulação da diferenciação das células B. Por outro lado, indivíduos que praticaram meditação por alguns meses demonstraram aumentos significativos na produção de anticorpos específicos. Esta pesquisa sobre meditação é a única na literatura científica mundial que investigou os efeitos da prática meditativa sobre a função imunológica no ser humano, e seus achados são deveras interessantes. Sendo assim, mais adiante versaremos sobre ela com um maior grau de profundidade.

Todavia, algumas coisas ainda devem ser faladas sobre o sistema imunológico humano. Os linfócitos fazem parte do eixo neuroimunoendócrino, responsável pelo controle da homeostase119, e necessitamos conhecer melhor esse tipo celular. Os linfócitos são células com diâmetro variando entre 6-10 m, e isso significa dizer que são pequenas; muito pequenas. No corpo humano existem cerca de 2x1012 linfócitos, e isso significa dizer que temos muitos linfócitos; bastante mesmo. O número total é tão grande que o sistema imunológico pode ser comparável, em massa celular, ao fígado ou ao encéfalo, representando cerca de 2% do peso corporal.120 Os linfócitos originam-se a partir de células primitivas localizadas na medula óssea. Os linfócitos B adquirem maturidade na própria medula óssea, ao contrário dos linfócitos T, que o fazem no timo. As células B, quando estimuladas por citocinas, passam a se dividir e podem dar origem às células produtoras de anticorpos. As células T não sintetizam imunoglobulinas, mas atuam como moduladoras da resposta imunológica.

Os linfócitos T estão intimamente envolvidos na iniciação e regulação da maior parte das respostas imunológicas, graças a sua capacidade em modular a atividade de algumas células deste sistema. Exemplos dessas modulações são: a ativação de células B para proliferação e produção de anticorpos; a morte de células tumorais e células infectadas por vírus; e secreção de fatores solúveis que modulam a atividade de outras células do sistema imunológico.

Os estudos sobre os efeitos do exercício na função de linfócitos B e T realizados até o momento, utilizaram-se de protocolos de treinamento e exercícios variados, não havendo uma sistematização desses resultados. Menos sistematizado ainda está o ramo da ciência que investiga os efeitos sobre o sistema imunológico advindos da prática da prece e da meditação. Entretanto, Richard Davidson, a pedido do Dalai Lama, iniciou uma série de pesquisas com monges budistas e com praticantes menos versados em meditação. Uma de suas pesquisas investigou os efeitos da meditação sobre o sistema imunológico de seus praticantes. Tal pesquisa, conduzida de forma extremamente elegante, fez uso de vinte e cinco voluntários treinados em técnicas meditativas durante oito semanas. Dezesseis outros voluntários serviram como grupo controle da experiência, e não passaram pelo treino em meditação. Richard Davidson e seus colaboradores realizaram eletroencefalografias em ambos os grupos, e perceberam que o grupo praticante de meditação apresentou durante a prática meditativa, assim como, em períodos posteriores, uma maior ativação de seu córtex pré-frontal esquerdo. Ativações eletroencefalográficas nesta região têm sido correlacionadas com a presença de emoções mais positivas. Outras pesquisas ainda correlacionam tais ativações assimétricas do córtex pré-frontal esquerdo, com melhores funções imunológicas refletidas através de maiores atividades das células natural killers (NK).

Como algumas recentes pesquisas têm demonstrado, o estresse da vida cotidiana pode interferir na resposta imunológica à algumas vacinas. Em outras palavras, quanto maior o nível de estresse, menor os benefícios advindos da imunização medicamentosa, como por exemplo, da vacina que combate o vírus da influenza. Richard Davidson e seus colaboradores hipotetizaram que a prática meditativa poderia melhorar a resposta imunológica. Para testar tal hipótese, os dois grupos participantes da pesquisa receberam uma vacina contra o vírus da influenza, logo após o término das oito semanas de treino meditativo. Após quatro meses, a quantidade de anticorpos específicos para esse vírus foi medida, e o grupo praticante de meditação mostrou efeitos mais positivos em seu sistema imunológico, uma vez que a contagem de anticorpos foi significativamente maior do que a do grupo controle. Os autores ainda demonstraram que aqueles indivíduos submetidos à prática da meditação, e que apresentaram uma maior ativação cortical esquerda, apresentaram também uma maior contagem de anticorpos.

A pesquisa conclui que a meditação, mesmo aquela realizada em curto espaço de tempo, pode produzir efeitos significativos no cérebro e no sistema imunológico. Futuras pesquisas são necessárias para que se possa investigar com mais profundidade tais achados, uma vez que a reprodução dessas pesquisas pode ser de grande valia para todos os profissionais atuantes na área da saúde.

Os caminhos neuroquímicos do estresse

Como vimos, a experiência do estresse é comum a todos nós. Expectativas positivas, assim como expectativas negativas, geram um espectro muito grande de alterações fisiológicas necessárias para a manutenção da homeostase do organismo. Versamos que uma das adaptações mais fundamentais é a liberação de glicocorticóides pelas glândulas adrenais, mais especificamente o córtex de tais glândulas. Todavia, a hipersecreção de glicocorticóides pode desencadear uma disfunção psicofisiológica no organismo em questão. Desequilíbrios das cascatas regulatórias do estresse estão associados à patogênese de diversas doenças, como colite, hipertensão, asma, depressão, ansiedade etc; assim como algumas doenças neurodegenerativas, tal qual o mal de Alzheimer.

A secreção de glicorticóides é desencadeada através de um eixo neuroendócrino conhecido como: eixo hipotálamo-hipófise-adrenocortical (HHA). Em contrapartida, o eixo HHA é controlado por uma grande quantidade de neurocircuitos associados à percepção do estresse. O principal núcleo hipotalâmico relacionado a esse eixo é o núcleo paraventricular (NPV). Sob condições do estresse, esse núcleo libera um hormônio conhecido como: hormônio liberador de corticotropina (CRH), além de arginina-vasopressina (AVP). Tais hormônios induzem à liberação do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) da glândula hipófise anterior, sendo que este é o responsável pela liberação de glicocorticóides do córtex das glândulas adrenais. Estresses prolongados correlacionam-se positivamente com os aumentos da liberação de CRH, AVP e ACTH, e isso induz uma liberação crônica de glicocorticóides, o que afeta negativamente o sistema imunológico do organismo, privando-o de suas defesas naturais contra agentes patogênicos.

Não são poucas as cascatas bioquímicas associadas ao estresse. Há aproximadamente 30 anos atrás falar de doenças produzidas pela mente era algo destinado aos cursos voltados à psicologia e auto-ajuda, que as caracterizavam como doenças psicossomáticas. Atualmente, as neurociências têm corroborado as afirmações realizadas há décadas por tais profissionais, na medida em que tem descoberto os caminhos neuronais que intermedeiam o pensamento, as emoções e a liberação de neurotransmissores e hormônios que podem patrocinar a saúde ou a doença.

O ioga, a cura e você

É inegável que o ioga contemporâneo (o que você pratica) estabeleceu um estreito diálogo com a cura e a terapia ocidentais. Em outros textos explorei melhor a relação do ritual de cura ioguico e a influência da biomedicina com as escrituras antigas do ioga. Entretanto, aqui, quis evidenciar que as práticas ioguicas podem contribuir (e estão) com a diminuição do estresse crônico dos habitantes/praticantes de ioga das grandes cidades. As práticas de ioga conseguem arrefecer neurotransmissores e hormônios ligados ao estresse e fortalecer essa imensa rede que compõe o eixo psico-neuro-endócrino-imunológico do nosso organismo. Mas o que isso tem a ver com a proposta de libertação de maya, o estado de samadhi e o alcance de kaivalya? Será que o ioga não está pagando um alto preço por ter ser envolvido com a ciência como meio proselitista moderno? Ou o ioga surge (romanticamente?) como uma nova espiritualidade para uma "nova ciência", à luz de D.Chopra, A.Goswami e outros cientistas-gurus?

Para ser mais claro: e daí que essas repercussões fisiológicas tenham alcançado essa interpretação da biomedicina? O ioga contemporâneo realmente precisa da legitimação da ciência, pois a sua espiritualidade perdeu valor para o empirismo científico, ou a sua proposta de libertação das agruras da vida (asthanga ioga de Patanjali) necessitam hoje mais dos cientistas do que os swamis de outrora? Essas são questões que tentei responder ao longo da minha dissertação de mestrado e tese de doutorado. Confira e me diga depois o que acha.

Extraído do livro Neurofisiologia da Meditação, Ed.Phorte.

Aos mais afoitos por referências, estão todas lá, ao final do capítulo 1. Se você não aguenta, me peça, se for necessário.


CONTEXTO

Há muito vemos uma proliferação de “yogues” pelo Brasil e o mundo. Com eles surge a crise de identidade de quem são e a qual tradição religiosa estão vinculados ou influenciados. Sim, pois o Yoga vive como expressão religiosa há alguns milênios e as suas práticas e os seus preceitos já foram sincretizados por religiões como o Budismo, o Samkhya, o Catolicismo, o Tantrismo e o Hinduísmo (ver SIMÕES, 2011). Mas quando se indaga a um yogue ou a um praticante moderno o que é o Yoga afinal, muitos perdem-se dentro de tantos conceitos e definições.

O cerne deste artigo, portanto, reside no pano de fundo religioso ao quais os yogues e os praticantes modernos descendem por assim dizer. Não há como surgir qualquer tradição espiritual/religiosa que não possua influências históricas, antropológicas, psicológicas, fisiológicas e sociológicas. Quais são as do yogue moderno? Para se tentar discutir a esta questão resolveu-se entender melhor uma das influencias mais importantes em sua contemporaneidade, o movimento religioso conhecido como Nova Era.

HISTÓRIA

O termo “Nova Era” é de difícil definição, pois está envolto em diversas crenças, seitas, tradições filosóficas, místico-espirituais e religiões propriamente ditas, muitas vezes de cunho mágico. Gouvêa (2001) buscando uma definição nos diz que um de seus indícios está na profusão de um “senso impreciso de espiritualidade inexistente” já nas primeiras décadas do séc.XX e final do séc.XIX, de um período, segundo os novaeristas, que chega supostamente ao fim (era de Peixes) e a outro que se inicia (era de Aquário).

Segundo ainda Gouvêa e Contepomi (1999, p.132), vive-se a virada de um novo paradigma, pois após o mundo viver a utopia de 1950 e 1960, assiste-se a um desmoronamento ideológico e religioso que atingiu todo o planeta, obrigando a todas as pessoas drasticamente a romper com o seu passado e instaurar uma nova ordem mundial emergente no ocidente neoliberal e, com isso construiu-se inúmeras incertezas e possibilidades (CONTEPOMI, 1999, p.132). É como se as religiões já não dessem mais conta de explicar e sustentar esse mundo caótico, movido por guerras, catástrofes ambientais, desenvolvimentos tecnológicos que põem em xeque muitos conceitos doutrinais das Grandes narrativas universais (CONTEPOMI, 1999, p.132-134).

Foi nessa conjuntura que surgiram as denominadas religiões da Nova Era, como outra possibilidade de explicar o mundo, gerando e acompanhando os novos conhecimentos científicos (Ibid.; SILVA, 2004) e a emergência de um desenvolvimento humano através de práticas religiosas de todos os tipos; onde fica claro para os adeptos da Nova Era, que todas as religiões falam a mesma língua, no entanto, elas (as religiões como instituições “tradicionais”) estariam com o prazo de validade vencido, por assim dizer. Neste contexto é que os yogues modernos (a partir de 1897 com Vivekananda) também surgem no cenário urbano ocidental, ou seja, os elementos socioculturais que fomentaram o florescer da cultura Nova Era, para alguns especialistas, parecem ser os mesmos, guardando, como se verá, estreita relação com os yogues atuais, já que nasceram também nutridas de tradições culturais, filosóficas e religiosas tão díspares como a alquimia, o ocultismo ocidental e o xamanismo, para citar alguns exemplos (CONTEPOMI, 1999, p.130; SIMÕES, 2011).

Mas a religião deveria ser pra (sic) te religar ao seu céu. Ajudar você a encontrar o melhor de você. E utilizar isso em vida. Não tem sido assim. Então ela mudou. Então ela se perdeu. Então ela se tornou algo que não deveria ser. Então ela se tornou algo que não foi o que os deuses passaram. Então ela não esta servindo ao seu propósito. Amaral (1999, p.76 em notas 2), resume de forma clara e sucinta o que ela entende quando usa a expressão “Nova Era” em cinco tópicos que reproduz-se abaixo:

1) Herdeiros da contracultura com suas propostas de comunidades alternativas;

2) Um discurso de autodesenvolvimento, com base em tratamentos terapêuticos, experiências místicas e filosofias holistas, buscando integrá-las às mais modernas teses científicas;

3) Curiosos pelo oculto e movimentos esotéricos do século XIX e pelo encontro com as religiões orientais, populares e indígenas;

4) Discurso ecológico forte de sacralização da natureza e do encontro do sujeito com o cósmico e sua “verdadeira essência” (CONTEPOMI, 1999, p.139-140);

5) Religiosidade voltada à perfeição interior, através dos “serviços new age”, como meditação, yoga, medicinas tradicionais e etc.

Ao longo deste artigo, tentará se argumentar que estas descrições acima, que ilustram de modo abrangente o que venha ser a cultura Nova Era, nutrem estreitas e íntimas relações ideológicas e religiosas com as organizações que professam o Yoga atualmente também, sendo elas fruto de uma mesma e única mentalidade de uma sociedade líquida pós-moderna (BAUMAN, 2005).

MOVIMENTO ERRANTE

Segundo Amaral (1999), o movimento Nova Era não tem nada de novo, mas constitui-se num grupo de pessoas que buscam ressignificar elementos de tradições religiosas, místicas, científicas e filosóficas já existentes e fazer desses elementos metáforas que expresse de forma singular e nova uma determinada visão (p.47). A tese desta autora diz respeito ao “deslocamento de diferenças híbridas”; ou seja, a característica sincrética das religiões Nova Era “vem deixando de ter um lugar fixo de hibridação” (Ibid., p.48).

Segundo a mesma autora, o movimento é errante, eles não se reconhecem como adeptos ou devotos de nenhuma expressão religiosa exclusivamente, não se preocupam em se estabelecer a lugares fixos e migram de “espaços-em-espaços” buscando vivências, workshops e cursos de caráter terapêuticos que os auxiliem em suas buscas pessoais de transcendências e religiosidades, tendo as cidades como local principal de atuação nos chamados Centros Holísticos.

Esses Centros Holísticos estão espalhados pelas cidades e pelo mundo, e com funções bem definidas e acertadas, sempre respondendo a demandas, necessidades e escolhas singulares de cada adepto. Desta forma cada adepto da Nova Era possui hoje o direito de edificar um tipo de “experiência religiosa errante” (AMARAL, 1999, p.49).

Essa é a hipótese defendida por Leila Amaral, que o movimento Nova Era não se estabelece institucionalmente como uma igreja tradicional, com “pastores”, “mestres” ou “padres” em um lugar específico e fixo, mas “errante”. São os simpatizantes dessa nova cultura que acompanham em centros diversos os cursos, as palestras e vivências que os interessem sem a obrigação de a uma “sistematicidade, regularidade ou continuidade, porque o que se oferece nos diversos eventos acaba ao final de cada um deles”, durando um final de semana muitas vezes. Esse fato reflete um caráter individualista de religiosidade e ao mesmo tempo um conceito universal de comunidade global líquida (BAUMAN, 2005).

EM BUSCA DA ESSÊNCIA NO IMPROVISO

Outro ponto crucial em relação à Nova Era, é que como esse movimento, aparentemente não possui preconceito por outras tradições religiosas, muitos adeptos acreditam resgatar a “essência” de religiões como o Cristianismo, o Budismo, o Hinduísmo ou o Xamanismo, por exemplo, pelo improviso ritual, uma espécie de procura pelo primitivismo delas, uma idéia que no início das religiões é que se guarda ainda a sua “verdade”. Há uma busca incessante por tentativa(s) rituai(s) de resgate a uma nova tradução das religiões ou uma redescoberta de suas “essências”.

Amaral (1999) descreve um ritual musical com gongos onde a Banda Mysterious Tremendum, “criam uma música ou um som primal, sem qualquer referência cultural – mesmo em relação à sua própria”6. Nas palavras de um dos participantes: “Uma máquina divina afetando os meridianos do corpo; uma massagem espiritual que nos faz ressoar mutuamente” (p.51). Os indivíduos, sempre sob forte emoção, aprendem “verdades muito simples que há séculos regulam a existência; são sabidas, mas não são praticadas” (p.56). Analogamente ao que ocorre com o Yoga nos chamados satsanghas, bhajans e kirtans que acontecem em workshops e vivências em Centros Holísticos espalhados pelas cidades do mundo inteiro e outras religiões como o Santo Daime, por exemplo.

A cultura da Nova Era acredita de certa forma, que as religiões (tradicionais e instituídas)) não servem mais a seu propósito e buscam ressignificar seus sentidos e mensagens numa mescla de todas elas; talvez não em busca da “verdade”, mas de “mais verdade”, isto é, na busca por sua “essencialidade” e não do interior fixo do “sagrado” (AMARAL, 1999, p.56), por isso o caráter errante de suas buscas e o improviso de seus ritos, na crença que é a emoção e não a razão que os conectam ao religioso de cada um de nós7; a liberdade está no interior dos indivíduos e se alcança isso praticando o desapego, acreditam os seus adeptos.

O discurso Nova Era, portanto, torna-se, para os seus adeptos, anti-dogmático e anti-autoritário; luta contra qualquer tipo de fundamentalismo, seja religioso ou político, as hierarquias e a obediência sem criticidade. Acreditam eles que deve-se apenas obedecer ao “mestre interior” (CONTEPOMI, 1999, p.137). Estes fatos evidenciam uma clara repulsa por todo o tipo de cultura capitalista de consumo e autoritarismo. Talvez aí resida o fato do movimento Nova Era não possuir doutrinas ou dogmas propriamente ditos, mas releituras livres de preceitos religiosos, filosóficos e científicos.

SABEDORIA DIRETA, SEM INTERCESSÕES

O novaerismo, ao contrário de outras religiões, não necessita muitas vezes de intercessores entre os mundos “divinos” e o “terreno”, pois os deuses, espíritos da natureza, amparadores e outros intercedem diretamente com eles; e, de certa forma, como iguais. Isso acontece, segundo seus simpatizantes, pela urgência que o estado atual do mundo e dos seres humanos pede. Esse fato ilustra a posição pós-moderna que acompanha todo esse movimento religioso, como fica claro no Encontro Nacional de Comunidades Alternativas (ENCA), onde a autora Leila Amaral (1999) ouve ensinamentos diretamente do mundo “extra-físico” pelo amparador da Grande Fraternidade Branca, Abarcon, um “espírito da natureza” (p.57). Amaral aponta três questões formativas principais desses encontros:

a) A relação entre cura e o processo de transformação constante do mundo8;

b) A relação entre essa idéia de transformação e a idéia de um mundo constituído de realidades múltiplas e transformáveis umas nas outras – isto é, um mundo de realidades porosas, em destaque as fronteiras fluidas entre o humano e o divino;

c) A afirmação do self como participante da criação;

10 O ser humano intra-físico é igual aos “deuses” (“amparadores”), o que os diferencia são seus graus de evolução, por isso, possuem uma parcela de contribuição para transformação do mundo e não apenas “espectadores”, todos podem atuar como “deuses” por assim dizer. Haja vista o setor de estudos da UNIFESP que se dedica a pesquisar e validar muitas dessas técnicas como o yoga, a meditação, o reiki e outros.

TEMPO RITUAL DOS CRAFTS

Dentro da exposição de pesquisas sobre o Movimento Nova Era (1999, p.68) fica evidente ainda a presença de técnicas das mais diversas no intuito de conduzir os seus participantes a um “tempo novo”, a “viver o presente”, longe das amarras do passado e das ciladas do futuro: “O que se pode afirmar é que na base dessa crença na unidade essencial instala-se a própria diversidade”, esclarece a autora (HEELAS, 1996, p.225-226; AMARAL, 1999, p.68). O objetivo das técnicas oferecidas intituladas como crafts (técnicas e artes com pouca teoria e muita prática), está em permitir aos adeptos ou simples participantes uma sensação de “abertura”, “passagem”, “processo”, “viagem para outros planos” ou “estados alterados de consciência”, no sentido de recuperar para a experiência imediata um estado superior que incorpore o pleno potencial do “belo”, do “amor”, da “felicidade” ou da “nostalgia metafísica” (HEELAS, 1996; AMARAL, 1999, p.64; CONTEPOMI, 1999, p.135) e de cura propriamente dita.

Essa concepção de enxergar o divino como algo que permeia todas as religiões abre um trânsito religioso, que possibilita encontros momentâneos que duram enquanto acontecer o ritual, vivência ou encontro (CONTEPOMI, 1999, p.65). Dentro dessa perspectiva, os crafts possibilita, favorece e convida o livre trânsito de qualquer pessoa, independente de seu credo, a se integrar no ritual pelo sentir e construindo naquele momento, sozinho, a sua própria religiosidade (Ibid., p.74). Contepomi ainda sustenta que o novaerismo vem resgatando esses crafts de medicinas tradicionais, como a chinesa e a indiana, porém não mais com o título de alternativas, mas integrativas e complementares ou de novas racionalidades médicas, numa clara crítica à nossa medicina oficial (ocidental) que não enxerga mais os indivíduos como integrais, mas em partes, segundo eles, por isso reivindicam para si as “formas de conhecimento e técnicas de cura sustentadas em antigos princípios e crenças” (HEELAS, 1996; CONTEPOMI, 1999, p.136).

A pesquisadora Mª.Contepomi continua afirmando que dentro desse espírito, o movimento Nova Era pode permear muitas tradições religiosas sem deixar que elas percam a sua identidade: Hare Krishna, Santo Daime, Catolicismo, Espiritismo, Protestantismo, Igreja Messiânica, Fé Baha´i, Seicho-no-iê, Axé Epô Afonjé, Yoga, Umbanda e outras podem conviver juntas, favorecendo o ecumenismo e o gosto pelas práticas inter-religiosas. Como fica evidente na fala de adeptos da Nova Era: A fé está com a gente, então, não existiria isto de “servir a Deus e ao Diabo”. Deus é para todos e está em todas as religiões, porque uma andorinha apenas não faz verão (CONTEPOMI, 1999, p.70).

Em outras palavras, Contepomi nos esclarece dizendo que o individuo é o início e centro da sua própria transformação e construção religiosa e do qual, por força dessa mudança pessoal transforma o seu ambiente e ecoa em ressignificações conjuntas com outros, como um multiplicador (CONTEPOMI, 1999, p.136).

CONCLUSÃO

Como se viu, os “errantes da Nova Era” vem desenvolvendo um conceito de religiosidade aberta e que se apropria de práticas (ou técnicas) espirituais mais variadas (crafts) que os possibilitem experienciar uma “essência” que permearia todas as religiões. Em outras palavras, se eu sinto o “divino”, “deus”, “a luz” com essa técnica (craft) eu a utilizo independentemente de sua origem religiosa (ou espiritual), porque ela faz “parte de mim”. Fica evidente também que o movimento Nova Era pode ser entendido como um sistema de idéias e valores pós-modernos que integram, junto com outras manifestações, uma das expressões mais destacadas de nossa cultura, que postula a busca da realização pessoal, respeitando a singularidade subjetiva e a tendência para a diversificação (CONTEPOMI, 1999, p.131; BAUMAN, 2005).

A pesquisa de Leila Amaral (1999) salienta algumas características importantes dessa nova cultura que surge e reafirma as proposições de Contepomi (1999) e a pretensão aqui de relacioná-las com os yogues atuais:

1) Não se compreendem as religiões em confronto, em luta ou resistência uma em relação às outras;

2) A experimentação é a idéia matriz da cultura Nova Era face aos modelos morais e religiosos contemporâneos, apontando para um elemento crítico que penetra em seus espaços rituais;

3) Há um desejo de exceder os limites de significação impostos pela cultura moderna, ordenadora do trânsito, levando, ao invés da afirmação da tradição dominante, a uma abertura de seus campos de sentido.

O conteúdo das crenças e a teologia não são os sedimentos que fortalecem essa cultura nova, mas o relacionamento destes errantes com os diversos campos de crença (CONTEPOMI, 1999, p.72). Identifica-se certo descontentamento dos adeptos da cultura Nova Era com a condição pós-moderna (Ibid., p.130) do ser humano e por uma busca ressignificativa dos indivíduos na inesgotável busca pelo essencial refletido muito mais do que por ideologias ou políticas, mas no descontentamento com a diluição do sujeito no mundo moderno (HEELAS, 1996, p.15-40; BAUMAN, 2005).

O novaerismo aponta, portanto, semelhanças entre os seres humanos e procura identificar pontos em comum entre as diversas religiões, como que sofrêssemos também por uma globalização religiosa, onde todos, independentes de suas crenças pudessem comungar dos mesmos ritos e divindades como iguais e não mais como pecadores ou menores no âmbito religioso. Isso marca a quebra de um paradigma que coloca o ser humano no mesmo degrau dos deuses na escala evolutiva, com as mesmas responsabilidades e direitos, diferenciados apenas pelo grau de consciência. A cultura da Nova Era e o Yoga moderno põe seus indivíduos como iguais, que não mais competem, mas ajudam-se uns aos outros na senda de seu próprio desenvolvimento humano e planetário.

Assim, deve-se investigar a Nova Era e o Yoga hoje como que construído por sujeitos de nossa sociedade atual que pensam, formulam, conceitualizam e entendem não de forma solitária e desvinculada da consciência coletiva, mas por estados simbólicos do mundo externo que os permeia, fruto de uma sociedade em que vivem. É neste contexto multicultural formado por sociedades líquidas que os yogues de hoje têm surgido e ocupado o seu espaço no campo religioso das sociedades urbanas modernas.

Deve-se discutir o Yoga moderno incluindo a cultura da Nova Era no bojo da sua compreensão, pois mesmo que o Yoga tenha a sua história perdida com os dravidianos, é sabido que mesclou-se desde sempre em outras culturas, religiões e filosofias e, quem busca compreender modernamente os yogues deve voltar os seus olhos também para as suas relações com a cultura e religiosidade que os envolvem. ​

Referências Bibliográficas

AMARAL, L. 1999. Sincretismo em movimento. O estilo nova era de lidar com o sagrado. In: CAROZZI, M.J. (org). A Nova Era no MERCOSUL, Petrópolis, Vozes.

BAUMAN, Z. 2005. Vida líquida. 2ª.Edição. Rio de Janeiro: Zahar.

CONTEPOMI, M.R. 1999. Nova era e pós-modernidade: valores, crenças e práticas no contexto sociocultural contemporâneo. In: CAROZZI, M.J. (org) A Nova Era no MERCOSUL, Petrópolis, Vozes.

HEELAS, P. 1996. The New Age Movement. Cambridge: Blackwell Publ.

GOUVÊA, M. 2001. Contextuação e descrição de um paradigma da integralidade nos meios populares brasileiros. REVER, 1.

SILVA, M.S. 2004. Religião, Diversidade e Valores Culturais: conceitos teóricos e a educação para a Cidadania. REVER, 2: 1-14.

SIMÕES, R.S. 2011. Fisiologia da Religião: Uma análise sobre vários estudos da prática religiosa do Yoga. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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