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Dr.Roberto Simões

As investigações com o Yoga hoje em dia concentram-se, sobremaneira, em seus benefícios para a saúde (uma forma laica de praticar e vivenciar o Yoga), além de suas repercussões experienciais místico-religiosas (dos chamados "neuroteólogos", que também não levam em consideração a sua doutrina religiosa/espiritual). Assim, pouco se sabe das reais repercussões comportamentais a longo prazo da vivência yoguica em seu contexto, pode-se dizer, "original", ou seja, religioso/espiritual. Acredita-se que mesmo praticado em ambiente laico, mais de 40% dos praticantes de meditação desenvolvam uma certa religiosidade/espiritualidade (CARDOSO, em seu livro sobre meditação).

O Yoga crê que o aumento da "atividade mental" ou do estado de desatenção (citta vrttis), e de mais 4 comportamentos (de apego, de aversão, de medo e de orgulho ou falsa identidade de si mesmo) conhecidos como klesas são a causa (ou fruto) da ignorância (avidya), que por sua vez, são o motivo de todo o sofrimento humano, gerando mais ignorância, mais desatenção e mais comportamentos nefastos. As práticas psicofísicas do Yoga e a sua doutrina religiosa/espiritual focam-se, dessa forma, na ruptura desse ciclo vicioso (roda de samsara ou ciclo reencarnatório) por meio de um caminho óctuplo (asthanga yoga): yamas, niyamas (10 códigos de conduta ético/moral), ásanas e pranayamas (posturas e respiratórios), prathyahara (estado consciencial de menor percepção e resposta autônoma dos estímulos sensoriais externos), dharana e dhyana (meditação propriamente dita) e samadhi (experiência místico-religiosa/espiritual de transcendência).

Sabendo que o Yoga possui um proposta soteriológica bem definida (descrita acima), assim, será possivel investigar a construção do comportamento religioso/espiritual do yogue por meio de análise psicofisiológica?

O conhecimento (realidade) do yogue, segundo os seus textos, advém não somente da leitura de sua doutrina ou de práticas isoladas, mas sobretudo ao longo das suas vivências, ou seja, do desenvolvimento de certa religiosidade/espiritualidade específica. Sabe-se muito bem que a elaboração do conhecimento (realidade) religioso/espiritual vai sendo construído pelo meio social e por nossa corporeidade (BERGER; BOURDIEU; DAMASIO; LAKOFF & JOHNSON). Dessa forma, parece lícito supor que o desenvolvimento do conhecimento (realidade) yoguico deve acompanhar alterações psicofisiológicas juntamente de mudanças comportamentais. Os neurotransmissores serotonina (5-HT), dopamina (DA) e as endorfinas já se sabe, estão envolvidos nas sensações de bem-estar, diminuição da dor e do medo, aumento da euforia e no sistemas neurais de recompensa; já o hormônio cortisol está envolvido com o eixo do estresse e, consequentemente, menor envolvimento de certos estímulos externos nefastos. Há inúmeros estudos que associam estes neurotransmissores e hormônio à prática do Yoga.

Considerando, sob a perspectiva do conhecimento científico, que a religião/espiritualidade é um constructo humano, portanto, pertencente tanto ao meio social, psicológico-cognitivo, semântico-semiótico (elaboração de cosmovisões) e neurofisiológico dos seres humanos (segundo teoria biocultural da religião de AM Geertz), hipotetiza-se aqui que estas substâncias neuroquímicas investigadas estejam também associadas ao comportamento específico de seus adeptos.

A minha hipótese é que a vivência do Yoga (práticas e doutrina) poderá predispor o seu adepto a um estado psicofísico de vivenciar esse mundo com menor temor, maior desapego frente as suas vicissitudes, realizações e ideias (que poderá ser verificado pelo menor secreção de cortisol, aumento da serotonina e dopamina, por ex., assim como testes psicológicos e análises qualitativas). Mas isso não significará a garantia do seu sucesso no Yoga, ou seja, o alcance da "iluminação", de kaivalya (lit.libertação) apenas realizando corretamente posturas, respiratórios e técnicas meditativas. A vivência do Yoga deverá construir uma realidade específica que propiciará ao seu adepto viver o "mundo do Yoga", com a esperança, a fé ou a graça (de Ishvara?) de que, em posse dessa maior "sabedoria discriminadora" (lit.viveka), o adepto alcance a libertação desse mundo ilusório, do sofrimento, da alienação, de samsara, de avidya ou de maya.

Por outro lado, será mesmo que o Yoga nos liberta ou nos aprisiona? As religiões /espiritualidades/ ciências/ filosofias tem, todas, o poder tanto de nos alienar quanto de nos desalienar ao mesmo tempo. O que separa o joio do trigo nesse momento talvez seja quando o devoto, o cientista ou o filósofo seguidor de tal tradição compreenda que existem muitas realidades, e dentro da sua "tradição" outras tantas; mas aí, este não será mais um yogue ou umbandista da tradição "x", um kantiano, um freudiano ou um cientista evolucionista, quântico ou qualquer outra designação, será simplesmente um Ser Humano, livre e desperto (e esperto). Será possível isso? Talvez sim, mas quando alcançarmos tal lucidez já teremos vivido, lido, visto e se envolvido tanto em contendas estéreis de quem tem a razão, que não vamos querer contestar mais nada, apenas contemplar, do alto, do que acontece quando não tem mais nada a acontecer.


Como entender por que pessoas normais (sem patologias) aderem a práticas religiosas consideradas descabidas, sem nenhuma ordem "lógica/racional"? "Se os seres humanos são racionais, por que dedicam tanto tempo, energia e recursos a atividades doloroas ou, no mínimo, desconfortáveis? (…) por que crenças, práticas e instituições religiosas continuam a ser um componente essencial da vida social humana?"

Há um plano adaptativo, do ponto de vista da teoria evolucionista, que explica isso? "Os ecólogos comportamentais supõem que a seleção natural moldou o sistema nervoso de forma que este responda com êxito às várias circunstâncias do meio. (…) a seleção natural formou nossos mecanismos de tomada de decisão para melhorar o modo com que obtemos recursos sob diversas condições do ambiente - uma previsão do forregeamento ótimo". No entanto, as práticas religiosas parecem ser contraproducentes para muitos.

Malinowski, antropólogo funcionalista, entendia que a religião servia para atenuar o nosso medo da morte e proporcionar alguma satisfação à incessante busca por respostas, mas não explicava os rituais.

William Irons, ecólogo comportamental diz que "o principal beneficio da religião é a colaboração no interior do grupo em relação a atividades fundamentais em nossa história evolutiva". Para ele, a religião funciona como um mecanismo social para que a cooperação seja equânime entre os parceiros e ninguem tire proveito da outra. O dispêndio de energia em um ritual aparentemente inócuo para sobrevivencia da espécie humana se torna importante, pois mostra que este pertence a um grupo especifico, como quando um judeu se veste com pesadas roupas no verão do Brasil, ele está dizendo que a sua fé é maior do que um outro, pois ele pertence a um grupo ortodoxo, por exemplo. Eles estão mostrando o seu grau de adesão a um grupo religioso.

Quais as vantagens da adesão? Pois é sabido que quanto maior as exigências a um grupo religioso, maior o números dos seus adeptos. Finke & Stark, analisaram uma baixa no número de cristãos depois do 2o. Concilio do Vaticano em 1962 que diminuiu as exigências católicas para ser um cristão.

"A crença em agentes sobrenaturais como deuses e espiritos parece ser crucial à capacidade da religião de promover cooperação a longo prazo" (Boyer e Atran, em Natureza contraintuiitiva). Roy Rappaport explica que, entre os religiosos, ironicamente, as crenças e proposições que não podem ser falseadas, e portanto estão, além da possibilidade de investigação critica, geram maior adesão, pois só podem ser confirmadas emocionalmente. Viver em uma sociedade solidária entre si, fato proporcionado muito mais entre grupos religiosos com fortes restrições, é uma das grandes vantagens adaptativas proporcionada pela religião, pois unificados (adesão/filiação) sempre facilitou a defesa e a competição com os outros grupos. Em nível neurofisiologico, persistimos em uma tarefa por ação do nosso "centro de recompensa e prazer" neural - a via dopaminergica -e que nos proporciona a sensação de bem-estar - via serotonina e das endorfinas. Parece licito supor a participação destas vias neurofisiológicas na adesão/filiação/conversão(?), ainda mais quando nossas ações só podem ser confirmadas pelas emoções e não pela "razão", mas por crenças não verificáveis criticamente.

Com isso não quero "reduzir" a filiação religiosa a fisiologia, mas mostrar que o nosso corpo tem sim participação neste processo, ao lado do aspecto social, psicolólogico, filosófico e semiótico.


Mas, o que tipo de conhecimento é produzido pelo yoga e como ele se relaciona com o saber científico? Assim como outras religiões/espiritualidades, o yoga proporciona sentido último para a nossa existência. Como? Durante a prática do yoga nos mantemos centrados atentivamente em nosso corpo, principalmente em nossa respiração e, percebemos por experiência, que nossa consciência vagueia incessantemente alimentada pelas sensações que nos afetam. Lembranças, esperanças, medos, devaneios são percebidas na contemplação passiva de nossos pensamentos.

Formações mentais, que raramente nos apercebemos em nossa vida atribulada (ficam inconscientes, mas encarnadas), são concretizadas pela prática contínua do yoga (trazidos à consciência). A partir dessa observação passiva, dessa atenção plena ao nosso corpo, entendemos (compreensão) que todos os nossos vícios, sofrimentos, angústias e alegrias advêm de reações, muitas vezes, automatizadas às sensações de prazer e desprazer que direcionam nossas atitudes (comportamentos) e nos condicionam, portanto, nossas vidas. Esses pensamentos condicionados, ao longo e anos de prática meditativa (atenção plena), podem ir perdendo a sua força de imprimir hábitos inconscientes, de imprimir a sua marca neuronal, conhecidos na neurociência como engramas.

Na prática yoguica, observando objetivamente nosso corpo sem reagir às suas sensações de forma autônoma, vamos percebendo o ciclo vicioso em que vivemos (samsara, maya). Todas as emoções que produzimos, muitas vezes, são respostas reativas às sensações físicas do mundo e, pela compreensão dessa natureza impermanente (ambivalente) as pessoas podem desenvolver respostas conscientes às suas emoções e sentir a emoção (sentimento) de viver a sua integridade, que segundo o yoga, é perene, e assim, vivemos no dharma, éticos e moralmente corretos (kaivalya), ou seja, libertos em vida, na vida.

Ora, um dos princípios mais clássicos do yoga que conhecemos é a utilização de posturas físicas e respiratórias para se direcionar a consciência. Esse é um pressuposto totalmente aceitável e compreendido pela ótica da neurociência, da filosofia "encarnada" (Lakoff e Johnson) e da psicologia, pois as posturas corporais e a forma como respiramos, traçam estreitas e íntimas relações com o que pensamos também. Quando, após as posturas e os respiratórios do yoga, podemos atingir um estado de consciência onde nossos neurônios e, portanto, pensamentos diminuem em ativações (hiperpolarizam); torna-se assim, mais claro a observação passiva do que somos, como promulga também a doutrina yoguica (prathyahara).

Neste momento, permanecendo centrado na prática meditativa (dharana/dhyana), uma enxurrada de alterações fisiológicas se faz presente que, segundo alguns fisiologistas (ou biólogos) da religião (área ainda em desenvolvimento dentro das ciências da religião), poderiam produzir estados conscienciais ímpares que nos proporcionariam uma visão de mundo mais compassiva a todos os seres (O PAVIO SE ALONGA!), muito parecidos com os relatos de yogues e místicos de diversas outras religiões também. Seria um estado corporal que conduz seu adepto a romper com o senso-comum de uma vida sem sentido e de sofrimento.

O yoga preconiza que todo sofrimento humano vem de sua identificação passiva e sem análise da ambivalência humana. Aí, você pode estar aí se perguntando (ou ansiando) o yoga vai exterminar todo o meu sofrimento mesmo? Bem, pode ser, dependerá muito da sua fé, mas uma coisa é certa, nenhum dos "iluminados" do yoga se diz verdadeiramente sem dor, pois mesmo que a sua tenha se extinguido, ainda existe a dos outros, que com certeza, afeta sempre o todo, inclusive o mais alto sacerdote de qualquer tradição religiosa/espiritual.

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