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Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Atualizado: 4 de set. de 2022



O que é a harmonia entre corpo, mente e espírito do que voltar a acreditar no discurso do corpo?

Compreendo Yoga, esse rizoma que não se deixa capturar nem em suas definições e delimitações mais básicas contidas em escrituras, mas que, contraditoriamente, soube, de maneira elegante e simples, produzir corpos e mais vidas capazes de irem além do imediato apreendido. Todes yogins autênticos são filósofes do corpo (gymnosofistas) antes mesmo dessa personagem ser reconhecida - e não seria essa contradição uma autoexplicação per si de quem são os yogins?


Yogins selvagens, esses indomáveis, aprenderam a mediar constantemente o que estão-sendo-em-ato: um acontecendo-acontecido. O palco é a superfície de todos os corpos que se compõem, naturalmente, onde mais? Natureza-naturante e natureza-naturada. Yogar é muito mais Arte do que Ciência, e bem antes de uma Religião, mas que pode ser só isso também. A compreensão, isso que yogins tolos denominam de autoconhecimento, é nossoconhecimento, algo que se vivencia no entre-relacional.


A tecnologia corporal yoguica, erigida por suas mais diversas e esquizas ordens nômades primitivas, muito antes de yogins não-asiáticos, como Kierkegaard, Espinosa, Schopenhauer, Nietzsche, Ponty, Gaiarsa, Guatarri, Kopenawa e Viveiros de Castro souberam criar próprias linhas-de-fuga ou perspectivismos contra aparelhos-de-captura dos corpos desejantes que somos. Mas não se trata em destruí-los, não, isso é pequeno-fascismo; yogins autênticos, em seus yogares viscerais, fluem na força invisível aos yogas-performaticos, pois devoram tudo num banquete ritual antropofágico.



A principal captura dos yogins indianos nacionalistas corporais modernos, em que somos herdeirios, foi da Máquina-Yoga-Despótica. Figuras como Osho, Sai Baba, Kuvalayananda, Sivananda, Vivekananda, Jois, Yogananda e Iyengar (dentre muitos outres), são sobrecodificações despóticas em nós. Tivemos nossos corpos construídos de tal jeito a desejarmos ser como eles: um passado romântico paranóico. A mudança material que a colonização britânica produziu, o yogar postural moderno e seus ídolos, transformando a realidade material yoguica indiana. Houve uma desterritorialização. Qualquer tentativa de compreensão do yoga hoje sem considerar o assujeitamento dos corpos yogins indianos colonolizados, será superficial.


Estes yogins indianos se esforçaram muito em renegar o presente colonial numa busca de retorno a vidas que imaginavam serem melhores que aquelas que viviam. Esse panorama reflete no corpo e na mente de todos yogins posturais modernos e os contemporâneos (ou pós-modernos?). Os yogares posturais modernos orbitaram ao redor de seus livros sagrados, mestres ascensionados e coletivos idealizados ou "tradições" reinventadas. Os discípulos destes continuaram negando a realidade, se esforçando em replicar ensinamentos sem mudar nada (na verdade, se orgulham de seus sedentarismos), tornando-se replicadores de saberes resignados e portadores de niilismos passivos, abridores de terceiros olhos na nuca.


Yogins contemporâneos, os nascidos sob a lua minguante da transplantação yoguica postural moderna, após captura inicial, se libertam de toda herança discipular (parampara) e encapsulamentos religiosos (tradições); mas, pasmem, libertos, não sabem o que fazer com ela. Ficam se perguntando, já libertos: "ser livre do quê"? E não, livres para quê? Totalmente perdidos, são capturados pela Máquina-Yoga-Capitalística, sobretudo na sua versão neoliberal. Se transformam em yogins individualistas, relativistas, medrosos, depressivos, ressentidos: se transmutam em estetas-sem-existência.


E a saída?

A saída é entrar de onde nunca saíram, pois não há fora. Os yogins (conservadores despóticos e os capitalistas neuróticos) se esqueceram de voltar de seus mundos imaginários: do passado que nunca chega e do presente eternamente insuficiente. Na ânsia do fim de maya, inventaram desilusões que, distantes da realidade e da potência criativa de novas utopias, os vampirizam: yogins uberizados. Enquanto yogins paranóicos cartografam mundos delirantes, yogins neuróticos peregrinam suas faltas e carências entre retiros, formações, festivais e clínicas liberais de corpos endurecidos. Mas como assim a saída é entrar? Entrar no fluxo real, sem fechar seus chackras para as contradições que acompanham todos os corpos imersos na imanência.

O fim, mas que fim?
Nunca saíamos da Natureza!

Resignados com a morte do deus transcendente, abraçam seus yogares-coisa e não a vida vivida. Yogar é entrar na fruição vital que ora nos movimenta em velocidades, ora em lentidões. Desistir do empirismo tecnológico racional e experimentar o que se passa de real no pré-reflexivo, no irracional e visceral do resíduo (de tudo aquilo invisível que fica do pós-treino|prática no mat): o entre objeto que eu vejo fora e as sensações que ecoam dentro nas afecções em mim refletidas por purusa. Não seria o samadhi atravessar o espelho|purusa?



O que se propõe aqui é voltar para terra, ser marcado por ela e não por ideias. Abraçar a Grande-Máquina-Territorial-Yoga e voltar a se espantar com a realidade, estabelecer unidade imanente da terra como "motor imóvel". Todo yogar primitivo e selvagem (antigo, medieval, moderno ou contemporâneo) é uma máquina territorial em sentido estrito e não transcendente. Ela funciona declinando alianças e filiações definitivas, antes que estas se tornem Yogas-Estado: despótica ou capitalística. Busca-se aqui bio-filiações e novas alianças assimétricas em fluxos intensivos de pertença. Mas a eficácia mágica deste sadhana e suas asceses, só enquanto marcados pela terra (essa grande aldeia global) e, não, pertencente à estrutura. Essas bio-filiações funcionam muito mais como uma estratégia, uma práxis, nunca mera prática|treino. A produção não é mecânica, mas quântica.


O yogin nômade e selvagem é um caçador de fluxos. Sempre à espreita, esgota seus desejos nesse grande sertão: veredas. Esse yogin, sertanejo originário, estabelece filiação direta com deus, o diabo, orixás, botos, espectros, plantas de poder, Rochas e encantados da floresta na Terra do Sol. O yogar nômade não se assenta à produção de yogas em máquinas desejantes e linhas produtivas. Não, ele corre adjacente (não alheio, alienado), na periferia do sistema, pois não produze excedentes a serem comercializados. É um yogar sem silo.


Todo yogin nômade é um xamã-Conselheiro (uma benzedeira preta da rua) que se lança nas matas e caatingas, tipo Celso Antunes, para suas experimentações, seus acampamentos, sua Canudos e Palmares: liderança anárquica, intelectual orgânico. Prudente, invisível, vive em clareiras ou buracos abertas à beira da floresta, em aldeamentos, quilombos e assentamentos que se desfazem assim que a lua da colheita, da caça, do perigo e do rito se findam.


Yogin errante (budista, jaina, naga, natha, zumbi ou conselherista), de ontem, atual, das bandas de lá, de cá ou desbundando, se desloca com seus bandos, sem se fixar em lugar algum, pertence a todos os lugares, pois marcado pela Terra, estabelece bio-filiações inconstantes.


Toda desterritorialização que se efetua (inclusive agora, enquanto devora cada letra e palavra caçando significados e significantes) em incursões na floresta da vida, produzindo disruptivas momentâneas (que pode durar anos, meses, semanas, dias ou alguns minutos - você pode até largar tudo agora e voltar depois, talvez eu seja muito para você agora) de uma cadeia de significantes. Essa força disruptiva yoguica libera fluxos que podem (ou não, pois nem toda caça resulta em sucesso) produzir conexões xamânicas satisfatórias. Todo xamã experiente, malandro, sabe estabelecer comunicações esquizas com as forças da terra, pois aprendeu estar sempre à espreita (esse é um, habitus que adquiriu) para não ser capturado pelo inimigo nas batalhas que estabelece a cada yogar autêntico. Corre-se perigo ali.


Há produção de novos significados aos objetos da meditação escolhidos. Estes, quando em voos místicos, despedaçam corpos yoguicos. Descodificados, enquanto viajam à terceira margem, são, literalmente, seres marginais, periféricos, caramelos. Todo yogin xamã, esse autêntico yogar livre-pensador, deve marcar em todo corpo-terra, suas experimentações, atualizar-se, cartografar novos platôs de existência. Desse processo lento e gradual, algo se transmuta: um novo habitus ganha corpo, e aquele yogin inseguro, capturado, dócil que mantrava por saídas, se percebe indomável.







Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Atualizado: 1 de set. de 2022


Uma criança prende o ar quando sopramos em seu rosto, arregala os olhos, se fecha, contraindo os músculos da face e arqueando as sobrancelhas. Ele se assusta com a morte pelo corte abrupto ou falha no sistema que o alimenta de ar. Outro corpo enfia a cara para fora da janela num carro em alta velocidade. Ele experimenta a morte igual ao bebê, mas como já domina o registro da experiência mortífera, brinca com ela. Outro corpo, longe dali, em yogamento, treina morrer interrompendo, igualmente ao bebê e ao jovem, fluxos ventilatórios em kumbhaka o que intensifica a experimentação: (1) suga o abdome para dentro, (2) fecha o cu e (3) trava o queixo no peito por 2 minutos.


O que ele está fazendo?
Está em produção de um novo corpo e seus desejos.

Um corpo de yogin se expõe a morte consciente. Ele deseja essa vivência desintegradora controlada. Possui toda uma tecnologia para isso ocorrer com prudência. Ele marca em seu corpo um novo código.


Todas essas experimentações, não obstante, devem produzir intensidades, aberturas desejantes e produtoras de um residual dessa técnica de inscrição e memórias (mnemotécnica). Há outros modos para isso, talvez até melhores, isso não há dúvidas, mas frestas de realidades mediadas foram sentidas, concepções de mundo podem ter sido criadas ali no corpo desses experimentadores mortíferos.


Todos os manuais hatha-yoguicos estão repletos de referências corporais e ideias de como a realidade funciona por trás de maya, ou na pré-reflexão.


Muito da realidade é apreendida de forma imediata, mas há signos que produzimos ou reproduzimos imageticamente: tudo é mediado. Essas mediações retornam à realidade material, produzindo novos modos ou estéticas de se viver: se incorporam à cultura. Os yogins, os taoístas, os budistas, os jainistas, os maoris e os bororos são sujeitos da realidade material inscrita em seus corpos. Todos os desavisados idealizam|desconhecem esse processo.


Todo imediato, foi mediado, e toda mediação é corporal. A mente, vem depois. O signo se registra na mente: uma ideia produzida em corpos e consumida por uma cultura que assujeita corpos, que organiza e direciona os seus desejos corporais numa direção. Por que você acha que se sentiu atraída, desejou, yoga? Acaso? Destino? Vidas passadas?



Todo corpo é, portanto, um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas disPOSIÇÕES (vontades, desejos, potências, tesões, conatus) através da formulação de conceitos em uma ordem de existência (ética, propósito ou sentido). E, VESTIDO dessas concepções (habitus ou vasanas?) passam a parecer realidades. Se tornam, enfim, imediatas (é tio Clifox Geertz).


Há, aqui, um processo dialético entre seu corpo, outro corpo (corpo-árvore, corpo-cadeira, corpo-do-seu-pai) e a ideia do encontro (corporal), formando a realidade do rolê. Não caia no blá liberal do relativismo: “cada corpo sente o mundo de um jeito: vários mundos”. Não, seu corpo está assujeitado as condições materiais da sua cultura. Se deseja mudar o mundo, não adianta sentar e imaginar ele, tem que produzir as condições para que isso ocorra: microrrevoluções yoguicas por minuto (MYP).


Você acha que Sidarta Gautama imaginou um mundo se castas? Não, inventou meios materiais para que isso ocorresse: criou o budismo tiozão.


Sim, a realidade é dada, tá aí, mas você é bastante coisa também: uma máquina produtora, registradora e consumidora de realidades desejantes. Todos nós para construirmos algo, precisamos de uma concepção (ideia) dessa coisa, que só pode ser adquirida de forma simbólica (Geertz again). Mas a superfície conceptiva-registrante-consumista é somática.


Sinto, logo existo.

Pense na concepção cármica. Ela nasce e se estabelece culturalmente, para justificar “a qualidade social de cada indivíduo no sistema de castas pelo seu grau de qualificação religiosa no ciclo de transmigrações, prometendo uma subversão póstuma desta ordem, como soteriologias do além” (Bourdiezão na área).


O hinduísmo, como máquina-religiosa-desejante, conecta corpos bramânicos|védicos (e de outros hinduístas), desejosos em manter seus privilégios frente a outros corpos (como dos jainistas, dravídicos, persas...); registra esse desejo das castas como símbolo de sua cultura (Vedas), para estabelecer "poderosas disposições” nos corpos de seu coletivo, numa síntese conjuntiva de consumo desses desejos cármicos, tornando-os reais.


Rolê doido né? Louco mesmo é você acreditando que tudo isso veio do divino espírito Isvara, não? De rishis iluminados que revelaram ao mundo uma verdade universal.


Mas por que aceitam tal disposição?
Porque é real, ora bolas!


Os corpos hinduístas passam a desejar aquilo, organizando suas realidades. “Ah, mas eram povos primitivos, selvagens, só pode ser para aceitar tais signos”. A Alemanha, com os corpos\mentes mais bem-instruídos da Europa, passou a desejar o fascismo de Hitler e seu Terceiro Reich. Boa parte (30%) de corpos brasileiros hoje (2022), por anos de escravização, colonização e alienação de todo esse processo, desejam consumir Bolsonaro (um signo\símbolo cultural BR) e sua representação na defesa da ditadura, da tortura, do preconceito, do racismo, do privilégio e do ódio.


Corpos brasileiros desejam isso. Alguns brasileiros reproduzem o que fora registrado em seus corpos, por isso os consome com avidez.


A realidade é uma construção corporal; passa-se a desejar as intensidades que se registraram somaticamente, como se nada mais fosse possível, se apenas uma realidade única, ideal e acabada pudesse existir. Eles tem fome daquilo que foi produzido e replicado por seus corpos.


Corta para o yoga. O yoga é também uma máquina-desejante e, por isso, produtora, registradora e consumidora de desejos específicos. Quais os desejos que passam no seu yogamento diário e fica de resíduo ressoando em você?


É tudo sobre o sopro no rosto da criança. Estamos todos brincando com a morte, à beira do precipício com Zaratustra, paralisados no campo de batalha com Arjuna, bailando num círculo de fogo com Shiva.


O alerta aqui é não aderir ao yoga para o fim de maya\ilusões, mas desalienação. Yoga é aliado e não caminho, por isso, só venha se for de paz, revolucionárie e pelo Savasana.


Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Atualizado: 17 de nov. de 2022


O corpo é a base de qualquer yoga, meditação ou espiritualidade. E cada corpo experimenta o que pode. O que pode um corpo? Cogitar realidades. Há um corpo organizado e outro, desorganizado, pura potência: corpo vibrátil, como diz Suely Rolnik. O jeito que você anda, come, fode e caga é uma máquina desejante acoplada a outras em regimes associativos.


Não há metáforas aqui. Somos produção de fluxos que se intensificam, se conectam a outras máquinas-organismo|organizadas, mas também cortam, interrompem fruições em disjunções relacionais para novas adaptações: devires. Somos potências buscando potências. E tudo ocorre em platôs pré-reflexivos corporais: existimos, logo pensamos.


É o astro-rei, eu sei, mas vem depois.

Pensemos nas religiões e as diversas outras formas de espanto ao mistério dos encontros corporais. A verdade, essa deusa moderna, são perspectivas de coletivos corpóreos. Para ficar mais fácil, pensemos no Yoga como uma agência que conecta-convida desejos passarem. É a bigorna do ferreiro, o lápis do escritor, a prancha para um surfista.


Yoga vive em corpos. Corpos em yogamentos aprendem a tomar distância necessária para observar suas experimentações intensivas antes das nomeações. Só depois que doutrinas, escolas, ritos e um yogar-alguma-coisa nascem: Darsana-Yoga, Hatha-Yoga e o Iyengar-Yoga foram paridos de corpos yogando intensidades. Mas descrever as percepções, não são nada comparado as intenSões.


Não obstante, tudo isso pode falhar: experimentações, intensidades, sensações e percepções dos corpos em yogamentos. Não é fácil ou brincadeira. Você pode morrer. Pensando melhor, você deve morrer - não é savasana no final?


Posso sentir intensidades yoguicas de yogamentos, mas não ficar nada, pouco ou, o mais comum, não saber nomear, não deixar marcas ou criar memórias: ah, é gostosinho. Hipnose disfarçada de Yoga.


Por isso, a necessidade de fazer passar mais com yoga, em atualizar essas intensidades constantemente. Precisa, antes, surgir um sistema ritual organizado, como os sadhanas, os festejos e peregrinações, como o kumbha mela, as obrigações diárias, calendário de festas, culto aos ancestrais, e por aí vai. Essas invenções são para haver sulcos conectivos. Tudo para fazer passar mais e de novo, de novo. É um processo lento e gradual.


Tecnologia yoguica para criar uma memória, marcar na carne (às vezes até literalmente, como entre os kamphatas que furam as suas orelhas, os longos cabelos em dreadlocks dos nathas). Em suma, é preciso criar um habitus yoguico.

Bourdieu define habitus como "disposições, estilos de vida, maneiras e gostos incorporados e campo como um espaço social que possui estrutura própria e, relativamente, autônoma em relação a outros espaços sociais, com uma lógica própria de funcionamento, estratificação e princípios que regulam as relações entre os agentes sociais".


Yoga, como qualquer outra religião ou espiritualidade, é uma máquina ou aparelho social que agencia corpos a desejarem intensidades. E, para que tudo isso? Desalienação da construção social do seu corpo que, por sua vez, cria a realidade em que vive consensualmente no seu coletivo ou socius. O socius, é uma máquina de produção, reprodução, distribuição e consumo desejante de si-mesmo. Caso contrário, se todos seguissem suas vontades, desejo, libidos, tesões e tensões não haveria sociedade. Será mesmo? Não haveria um meio bonsensual ao invés do consenso?


E como isso se processa?

Primeiro há que desterritorializar aquele corpo codificado já desde o nascimento; desorganizar seus desejos, voltados para si-mesmo e, desa-habituá-lo de seu corpo, como que o introduzindo em uma nova máquina.


Os aparelhos de captura dos yogas-Estado ou yogas-Capital funcionam do mesmíssimo jeito. Por isso, a contradição da libertação. Há sempre que estar à espreita! Tudo pode falhar.

Depois desse longo e minucioso processo, pois é preciso ser cirúrgico e com doses de prudência, inserir o registro e o consumo na própria produção: Yogar para retomar, no seu, e em outros corpos (se você for professor de yoga) as produções de si, num mesmo processo.


Haverá aqui uma longa e dolorida sobrecodificação ou inserção no corpo dos novos signos: uma memorização ou mnemotécnicas, no nosso exemplo, de significações yoguicas. Lembra de você, nos seus anos de formação em yoga? Então, ali, lhe inseriram códigos interpretativos sobre chackras, kundalini, que yoga é "a diminuição do turbilhão da mente". Isso não foi intelectualmente, mas corporal, sempre é corpo, só depois, a mente forma uma ideia das sensações que lhe passaram nas práticas.


E ler textos, livros é corporal, certo?

Agora, com um habitus yoguico incorporado (onde mais?), o coletivo que lhe tatuou seus signos e "verdades" yoguicas, precisa atualizar eles periodicamente em você, pois, caso contrário, sensações que pululam no seu “corpo vibrátildesformado, não-organismo, um corpo sem-órgãos, podem (e irão) desarranjar tudo. E eu não estou falando da fisiologia sutil do yoga, com seus chackras, nadis e cobras enroladas no períneo. Não, porque isso, também foi organizado em escrituras, medicinas e filosofias e, incorporado em você no processo, certo? Me refiro ao antes dessa organização.


Não são também as células, os hormônios e neurônios que constroem os sistemas fisiológicos biológicos, pois isso aconteceu na escola, lembra das aulas de biologia e química orgânica? E nem a parafernália de Id’s, ego’s, mentes e memórias de uma psiquê. É antes, eu falo do corpo anterior, disforme, sem-órgãos, infra-estrutural do restante que inventaram para tentar ordenar um mundo que, desorganizado em seu corpo, é pura potência sensorial de intensidades tesudas ou tristes. O que lhe incorporaram é a super-estrutura, yogar (pode) lhe levar a tocar no antes, no pré-reflexivo, consciência (corporal) perceptiva.


Esse corpo perceptivo existe, é real, ta aí agora, não sente? É tudo o que acontece antes dos símbolos, essas são tentativas de significar esse antes que se passa. E passa onde? Só tem o corpo, onde mais, ora bolas?

Não caiamos na preguiça de se imaginar mundos transcendentes, ideais e delirantes. Estes, os sedentários do yoga, praticam suas saudações ao sol como preparação para subida aos céus. Mas vem surgindo novos yogins. Me refiro aos selvagens e nômades que, artistas contemporâneos do corpo, inventam métodos apropriados para cada tipo de exploração sensorial. Ao invés de japa-malas banhados no Ganges, incensos himalaicos ou lingas shivaístas da Caxemira, profanam o sagrado dos tradicionalistas com bundas rebolantes dançando Trap e morrendo em savasanas de duas horas de experimentação.


Num processo exploratório de seus corpos, aliados à yogas, criam espaços outros, distensionam as membranas duras do sedentarismo yoguico. Ao invés de templos, ashrams, mat’s e shalas, consagram em praças, praias, morros, calçadas, além de brincar em novas posições: imposturas. Seriam eles aqui os ascetas errantes de lá? Promovem uma espécie de reforma agrária que desapropria os “meios e modos de produção” subjetivo corporal yoguicos, retomando para si, a força criativa da potência em yogar. A tradição do yoga habita corpos loucos que dançam, bebem e fumam também.


Ele|as vêm ampliando também os objetos ou ferramentas yoguicas, como japamalas, mantras secretos, sutras sagrados, pranayamas espirituais e até, cordas pregadas em paredes (kuruntas) e todos os asanas que “conduzem à imortalidade” são devorados em banquetes antropofágicos para se incorporar poderes que, antes, nas mãos dos raros e nobres yogins autorizados por escrituras inventadas por eles próprios. Todos esses objetos, agora, benzidos por (em) corpos profanos cozidos no fogo de yogas sem “tradição” indiana. Assim como budistas, jainistas e outras “tribos” dravidicas, abrem-se novas linhas-de-fuga experimentativas.


Esse movimento subversivo e revolucionário contemporâneo e inovador, ao contrário do que os dominantes propalam, impedem que os yogas sejam mercantilizados, pois o que produzem só conseguem ser experimentados, como nas obras de Lygia Clark.



Exemplos concretos do que trago aqui, são os rebolados do yoga marginal, as aulas nas marquises, calçadas, praias, lajes, CAPS e praças do PerifaYoga/BA, do Coletivo Araras/TO, Yoga na Lage/SP, Fluindo Yoga/SP, no Yoga Popular e Revolucionário/SC de Paulo Vasconcelos e a Yoga Restaurativa/SC de Miila Derzett com coletivos vulneráveis.


Qual a diferença para os yogares tradicionais que também atuam em presídios e outras cartografias periféricas? É a pedagogia da autonomia que carregam e aberturas ao diálogo. Não são missionários, mas agentes sociais.


Eles desreificam os objetos yoguicos, pois os expõem fora do ritual. É o caso de Paulo Vasconcelos estimulando corpos artesãos na reconstrução de estéticas de existir em moradores de rua. Malu Damião, yogin preta envolvida no coletivo Cenoura e Tainá Antônio que incorpora a sarração em imposturas de yoga marginal. Mas há também Anderson Martins e seu yogar em devir-arara que envolve a arte das ruas de Araguaína, além de Marta Xavier e outras yogins baianas pelas praças periféricas de Salvador.


O|As yogins contemporâneos renegam categorias de santos, gurus, iluminados, mestres realizados para o de yogins-Gente inacabados. É o inacabamento que os libertam, pois enquanto corpos yogins capitalistas desejam a sacralidade dos conservadores, um círculo vicioso de lucro e axiomatizações retroalimenta o mercado gratiluz (seria isso samsara hoje?). Todes yogins contemporâneos, esse indóceis corpos inacabados, estão libertos, e continuam por aí liberando intensidades e plenos de novas sensações.


Mas não se enganem, em breve (ou se já não ocorre), seus yogares, hoje marginais, serão capturados pelo mercado hype do yoga capital. Entrementes, só conseguirão replicar as formas, nunca suas forças. Os inacabados, nômades e selvagens do yoga serão sempre uma maioria-minoria, vivendo yogares em suas micropolíticas quilombolas desviantes e desejantes por mais potência.


Mais fácil, os yogins buscadores de plenitude capitalística prometida pelos paranoicos conservadores, por delirarem Absolutos, matam qualquer yogar livre, se alimentando de fantasmas.


Esse jeito de yogar constrói defesas mais eficientes e menos rígidas, pois tudo se torna tão útil e pragmático que yoga para eles, se torna tudo o que pode ser vendável. Esse programa social aumenta o estresse, a depressão e a ansiedade, pois promete o que não existe, retroalimentando esse sistema yoguico doentio, mas absolutamente alinhado ao capitalismo neoliberal.


E os contemporâneos, como se articulam em seus guetos, quilombos e coletivos?

Afirmando a vida como força criadora. E isso depende de uma estética apreendida pelo corpo. Por isso a necessidade constante de novas experimentações, pois é aí que as potências se renovam. É uma proteção ao sedentarismo que domina os corpos tristes dos conservadores e capitalistas. Entre os inacabados, yoga é aliado e nunca caminho.


Tudo é ponto B.

Ao invés de buscar acabamentos pelo yoga, o culto ao “treino yoga”, por que não experimentar o jogo-jogado do yoga como obra de arte corpórea advinda da artesania que é Yogar de força autêntica?

Seja Bem-Vinde

Você adentrou um espaço em desconstrução. Desacreditamos metafísicas, por isso bricoleurs ou feiticeiros do Yoga quebrando a demanda de todo maya que lhe enfeitiça. Mas entenda, tudo é maya.

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