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Dr.Roberto Simões

Os primeiros estudos da fisiologia da religião sobre o ioga


Desde 1889 que a ciência se envolve em pesquisas fisiológicas das práticas religiosas como se viu, mas é a partir de 1920 com o indiano Kuvalayananda, que elas passam a ocorrer de forma sistemática a partir das suas análises laboratoriais com o Yoga (ALTER, 2004, p.78). Um reflexo destas investigações pode ser observado na diferenciação dos tipos de yogues que começa a haver no início do séc.XX. Assim como W.James, que diferenciou entre dois tipos de religiosos, os textos do swami Kuvalayananda (2005) também já distinguiam, em 1920 entre, as classes de yogues. A primeira que, na realização dos ásanas, dos mudras, dos bandhas, dos pranayamas e do samyama, procurava resultados apenas para fins “medicinais” ou “terapêuticos”; outra que pratica estas mesmas posturas, métodos respiratórios e de introspecção do Yoga, mas com fins espirituais (p.44).

Kuvalayananda, entre uma das suas descobertas mais interessantes, há uma sobre o estudo do kriya nauli, em que ele e a sua equipe, durante a execução desta prática tradicional de limpeza orgânico-religiosa, descobrem um vácuo relativo no cólon. Como se descreveu no primeiro capítulo, o nauli é uma prática religiosa que visa, ao lado de outras (satkarmas kriya), eliminar as toxinas (ou obstruções) de uma fisiologia sutil para que a kundalini seja elevada até ao último chackra (ver p.44-45). Kuvalayananda, no entanto, com o intuito de elevar as práticas yoguicas ao nível de científicas, tentou compreender, pelo estudo da fisiologia padrão, os efeitos sobre o organismo dos ásanas, dos pranayamas e dos kriyas. Ele e os seus colegas, em Kaivalyadhama (Instituto Yoguico com fins de pesquisa, formação acadêmica e divulgação salvífica), percebem que alguns cientistas argumentam que a execução do nauli poderia gerar uma ação anti-peristáltica no reto e no canal anal, causando assim uma grave prisão de ventre e, consequentemente, um estado de auto-intoxicação. Como se sabe, o nauli é uma das mais importantes práticas fisiológicas sutis de limpeza do Yoga e, há séculos, todos yogues por meio das suas escrituras sagradas. No entanto, em meados de 1920, a ciência fisiológica padrão moderna condenava a sua prática além de pura crença religiosa popular como prejudicial à saúde, fazendo com que Kuvalayananda (2008) se pronunciasse a favor do Yoga.

A prática de Nauli nunca atraiu atenção séria dos homens de ciência, em virtude de seus preconceitos quanto a cultura yoguica. (...) Não podíamos acreditar em tal hipótese (de sua prática ser “anti-natural” e prejudicial a saúde), principalmente porque contradizia a experiência de séculos. Então, analisamos o problema no laboratório e logo concluímos que havia uma série de absurdos científicos na hipótese. (p.281-282)

Kuvalayananda se coloca então a favor do Yoga e, munido de um tubo de borracha e um barômetro, mede a pressão através do reto em um praticante experiente, durante a execução do nauli, percebendo de imediato que existia um vácuo relativo entre 30 e 47 mm. Isto recomenda o uso do nauli, anulando a hipótese anti-peristáltica, segundo Kuvalayananda, pois o isolamento dos músculos reto-abdominais, em conjunto com a elevação do diafragma, aumenta o volume do abdome. Este volume aumentado pela a ação deste kriya reduz a pressão intra-abdominal e induz à dilatação do cólon sob a ação da pressão dos gases internos. Deste modo, o volume dos gases intestinais também aumenta, levando a uma proporcional diminuição da sua pressão, por conseguinte do barômetro conectado ao cólon durante a execução do nauli. Kuvalayananda (2008) então faz a descoberta científica do Vácuo Madhavadasa, que aboliu a ideia vigente na época que a prática religiosa do nauli poderia causar algum dano à saúde (p.284-289; ALTER, 2004, p.91).

As investigações fisiológicas de Kuvalayananda e dos seus colegas continuam até aos nossos dias, por meio da sua instituição, e as suas descobertas impulsionaram outros estudos com o Yoga, em particular, com fins terapêuticos. As suas pioneiras abordagens prepararam o terreno para as modernas pesquisas com as práticas religiosas e, também, a tentativa de tornar compreensiva a fisiologia religiosa sutil destes atos à luz da fisiologia padrão (ALTER, 2004, p.73-108). Em 1954, os primeiros trabalhos sobre a eletroencefalografia (EEG) foram realizados pelos japoneses Okuma et.al. (1957) com praticantes da meditação zen-budistas, tendo sido observado um padrão eletroencefalográfico de ondas alfa.

Na década de sessenta, Anand, Chhina e Baldev (1961), pioneiros da neurofisiologia indiana, relatam as suas descobertas numa interessante pesquisa com quatro yogues monitorados pelo EEG. Os cientistas citados acima possibilitaram que as práticas meditativas fossem bem aceitas e aplicadas em hospitais do mundo inteiro como metodologias integrativas e complementares dos tratamentos convencionais (KOZASA, 2002).

Anand, Chhina & Singh (1961) e pesquisadores do Instituto Indiano de Ciências Médicas em Nova Deli, apesar de não terem divulgado os níveis de experiência dos seus voluntários, relatados de forma explícita no trabalho, muito provavelmente recorreram a praticantes bem experientes. Dois dos quatro yogues participantes da experiência foram monitorados através do EEG, durante o estado de repouso pré-meditativo, o estado meditativo propriamente dito, assim como, o estado meditativo associado a inúmeros estímulos externos, como os visuais, pela exposição a uma forte luz; os auditivos, pela exposição a um forte ruído; os térmicos, pela exposição da pele a um tubo de vidro aquecido; e os vibratórios, pela exposição a contatos corporais desequilibrantes.

Os resultados da pesquisa indicaram que os yogues se mantiveram em um persistente estado de atividade eletroencefalográfica, com predominância das ondas alfa. Este estado não foi alterado por nenhum dos estímulos externos, fato extremamente intrigante para a fisiologia padrão, uma vez que para a maioria das pessoas não versadas em meditação, porém em repouso, qualquer estímulo sensorial, por menor que seja, é capaz de alterar o padrão elétrico cerebral presente nos momentos de tranquilidade.

Os pesquisadores ainda investigaram outros dois yogues os quais tiveram os seus EEG´s gravados durante um processo de meditação, em que ambos mantiveram as mãos imersas em água gelada a 4°C. Mais uma vez, o EEG indicou uma atividade alfa inabalável durante todo o processo. Os yogues presentes conseguiram isolar os estímulos dolorosos durante o período em que se mantiveram em meditação, fazendo lembrar o quinto passo proposto por Patanjali no seu Asthanga-Yoga, o estágio do prathyahara ou da abstração dos estímulos externos.

A despeito da maioria dos trabalhos iniciais terem encontrado o padrão elétrico cerebral alfa, na Índia, dois estudos, conduzidos por pesquisadores independentes, indicaram diferentes padrões de comportamento durante as práticas meditativas. Das e Gastaut (1957) estudaram a meditação em sete yogues altamente experientes, na modalidade Kriya-Yoga (variante do HY que se descreverá no capítulo 3), tendo identificado uma ativação do sistema nervoso autônomo simpático, assim como uma maior ativação no EEG. Esses autores talvez tenham sido os primeiros a concluir que as observações das pesquisas voltadas à contemplação religiosa eram dependentes das práticas utilizadas e do grau de experiência dos seus praticantes, como se sabe atualmente. Os pesquisadores vão um pouco mais além ao proporem a hipótese que a grande maioria dos estudos focados na meditação, conduzidos no ocidente, não teve resultados similares aos deles, pelo fato de que os praticantes ocidentais, quando comparados aos yogues orientais, não atingiram graus elevados de concentração e atenção durante suas práticas.

Wallace (1970), um dos pioneiros nos estudos fisiológicos yoguicos com ocidentais, se interessou por meditação, em especial pela popularizada pelo método do Swami Maharishi Mahesh, yogue das “estrelas” norte-americanas como os Beatles, entre tantos outros. Os trabalhos de Wallace descrevendo os registros eletroencefalográficos, o padrão metabólico, a ritmicidade cardíaca e a variação na pressão arterial durante a Meditação Transcendental (MT), foram realizadas no Departamento de Fisiologia da Universidade da Califórnia e, pela primeira vez, abordaram o controle de certas funções vegetativas nos praticantes de Yoga. A partir daí, podem-se afirmar que começa, verdadeiramente, o fomento das pesquisas em fisiologia religiosa no ocidente.

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