É claro que estas estatísticas (maio de 2016) de um podcast com a temática "contemporâneo" é um recorte pequeno, pois se fosse "ioga tradicional" ou de alguma linhagem específica teria outra leitura e acessos. Por exemplo, se o site fosse ioga e saúde e os podcasts sobre "o melhor asana para dor de cabeça", por exemplo, seria um outro público, outros entrevistados e, obviamente, outras estatísticas a comentar. Mas também é evidente que um católico praticante, que ouve Fábio Melo, ou um judeu ultra-ortodoxo com aqueles cachinhos no cabelo, não se interessariam em ouvir entrevistas com iogues brasileiros e muito menos bla-bla-bla meu sobre o ioga no país; assim, o público que acessa e ouve estes podcasts e compõem essa tabelinha ao lado, são indivíduos que no mínimo, sabem quem são esses professores. Mais simples, é um público não tão leigo assim na cultura do ioga brasileiro e mesmo pequeno pode ser representativa do microuniverso ioguico brasileiro.
Por que essa introdução? Para deixar claro, que mesmo sendo um recorte - e sempre em ciência são recortes - é uma análise que farei singela, mas lógica (portanto não-dogmática, assim, sujeita a críticas). Posto isto, para quem se interessa em pensar o ioga de fora da "caixa do ioga", e é um livre pensador que não alimenta ressentimentos, é deveras interessante perceber o grande descompasso de acessos, assim como também a disputa velada entre os seguidores/discípulos de linhagens ou métodos ioguicos brasileiros.
Penso que a polaridade Hermógenes e DeRose que se configurava entre os anos 1980-2000 se modificou. Hermógenes não parece ter conseguido substituir o seu carisma de grande divulgador como líder/referência; não apenas pelo reduzido número de acessos, mesmo porque o áudio dele foi bastante prejudicado pela captação em face a saúde do nosso querido Professor; entretanto, as respostas foram conduzidas muito bem pela intermediação de seu neto. Mas, e isso é interessante perceber também, o professor Hermógenes possui seus "discípulos/simpatizantes" entre os iogues entrevistados também. É evidente que Glauco Tavares, Marco Schultz, Duda Legal e Marcos Rojo compartilham muito mais dos ideais ioguicos de certo hibridismo com catolicismo/budismo e terapia do que outros mais "tradicionalistas" e fechados com suas próprias linhagens iniciáticas, o que conjura que poderia haver um grande número de acesso (leia-se, interesse no que estes têm a dizer sobre o ioga pelas similaridades de objeto com Hermógenes) por parte dos mais simpatizantes ao hibridismo e o ecletismo hermogeano. Em outras palavras, venceu o sectarismo e o elitismo deroseano, por quê?
Hoje, se nós observarmos com maior atenção a tabela ao lado, as duas lideranças com maiores escores - depois de DeRose - foram alunos deste. Em outras palavras, não é totalmente incorreto pensar, mesmo com claras distinções de ensino e posições intelectuais atuais, o ioga no país descende - você gostando ou não - de um líder/referência em comum: DeRose.
Calma, as construções dos ideais de ioga destes "discípulos de DeRose" se diferenciaram, mas o modelo empresarial continua o mesmo e fora incorporado por todos os outros iogues entrevistados também (e quase todos que você conhece). Para se ter uma ideia do que quero dizer, o Prof Hermógenes nunca produziu nenhum "curso de formação" e nem se preocupou em expandir as suas unidades de ensino. O máximo de produtos que produziu foram livros didáticos e de poesia. Pelo contrário, é o seu neto agora que tenta brecar esse "avanço" da marca do avô, pois há muitos que, percebendo essa lacuna no mercado ioguico, pretendem inaugurar uma "Academia de Yoga Hermógenes" e se beneficiar de todo capital simbólico que ele acumulou no país. E perceba, não faço nenhum juízo de valor aqui, quero mais que se expanda mais e mais escolas de sucesso do método de Hermógenes.
Entretanto, o modelo mercantil que se configura hoje como um "case" de sucesso ioguico foi consolidado por DeRose e não por Hermógenes, sobretudo por: 1) Curso de Formação e Aprofundamento no Yoga; 2) Venda de produtos dos mais diversos relacionados à sua marca; e 3) Um dos pioneiros em viajar à Índia em busca de autoconhecimento direto de mestres indianos, o que levou ao rentoso comércio de "peregrinações" a Índia atualmente; mas também a outros locais "sagrados" aos iogues modernos brasileiros (de Jerusalém ao Japão, passando por Machu Pichu e culto a Pacha Mama e beberagem de ayahuasca). E, vejam bem, há uma crescente da inclusão de técnicas de coaching também surgindo. Ou seja, esse modelo mercantilizado e de sucesso é "deroseano" e não "hermogeano".
Concluo assim, que se essa minha hipótese estiver certa, em breve os iogues migrarão para seus próprios "métodos" de cariz laico e secular para o desenvolvimento do potencial humano e não mais para o ideal místico-religioso de transcendência do Ser. Na verdade, isso já está em andamento, pois todos os professores e alunos de ioga no Brasil se orgulham de bater no peito que o ioga que praticam e ensinam não é "religioso, mas espiritual". Dizer isso é apenas uma outra forma de se afirmar não dogmáticos, ou quando não "científicos". E ser científico significaria dizer que o conhecimento do ioga é empírico, ou seja, advindo do Homem e não de rishis, brâmanes e sadhus místicos - o que eliminaria qualquer tipo de intervenção divina, espiritual ou de divindades e Isvara.
Em outras palavras, seria o saber ioguico estaria sujeito a críticas como qualquer outra filosofia; o que não é verdade, pois basta discordar com qualquer um dos apontamentos da Verdade como absoluta de suas escrituras (sagradas?) que receberá uma lição de moral ioguico de como você está equivocado e que Meu mestre tem mais razão do que o seu - ou uma resposta modelo espírita kardecista: "tolero o que diz, pois respeito o seu estágio evolutivo espiritual", obviamente, menor do que o meu.
Para quem não está me acompanhando ainda, tento ser mais pedagógico levando-o pela mão: o modelo mercantil exalta as diferenças e não as correspondências e vence apenas um no debate, e nunca dois. Em uma competição no campo religioso não há dois medalhistas de ouro! Não há um pluralismo, mas um absolutismo. Isso não é apregoado por um ou outro iogue, mas pela cultura que se instaurou ao microuniverso ioguico brasileiro ao longo de seus 70 anos de história e adaptação por aqui. O ioga é universal, contanto que seja o meu do qual se refira - talvez aqui tenhamos copiado igualzinho à religião mais dominante no país: o cristianismo, e alguns exemplos de intolerância e soberba. Talvez, um leitor mais perspicaz, poderia pensar que se tivéssemos desde o início da transplantação do ioga na América Latina um líder indiano autorizado por alguma linhagem religiosa isso tudo estaria diferente. Mas não acredito, é só observar a disputa no Brasil entre evangélicos e umbandistas e perceberemos que a disputa religiosa ainda permaneceria.
Não é coincidência também que uma parcela do microuniverso ioguico brasileiro se afete tanto por discursos mais ortodoxos de "retorno à tradição" nesta última década (leia-se ioga como religião/espiritualidade) e/ou filiação a ordens iniciáticas de swamis e sadhus. É um movimento absolutamente natural dentro de religiões em formação quando percebem a sua "tradição" (ou seu próprio grupo) perdendo força para um grupo melhor organizado e ganhando mais adeptos/discípulos. A estratégia é mercantil revestida de uma fina película de espiritualidade singular que os recobrem; pois, e fazendo as devidas e óbvias distinções, é o mesmo que ocorreu na contra-reforma católica com o avanço protestante.
Dessa contenda, acreditem, ninguém vai recuar, pois o modelo deroseano é muito mais lucrativo do que o hermogeano economicamente; assim, os tradicionalistas se organizarão em grupos mais fechados e sectários para preservar a sua autonomia, e os híbridos a expandir mais e mais seu terreno com novos tipos de ioga. Enquanto os primeiros continuarão a desferir golpes fortes a todos que se declaram "iogues", mas que não obedecem às suas dogmáticas - como por exemplo, que o vedanta é infalível ou dever obediência as condutas morais de yamas e niyamas -; os segundos lutarão formando mais professores e oferecendo mais aulas de seus métodos erigidos sem a legitimidade da "tradição" a torto e à direita.
Entretanto, o modelo mercantil do ioga consolidado por DeRose é utilizado pelos dois grupos e não se alterará tão cedo, a não ser que surja outro mais lucrativo - ou uma nova sociedade não baseada no consumo se consolide no Brasil (algo bastante improvável). Vivemos em um mundo pósmoderno, aonde o capital, é o guia, e as religiões/espiritualidades acompanham esse modelo também (todas as religiões - vejam os carismáticos e os evangélicos, ou mesmo a lojinha de japa-malas no espaço zen da Monja Coen no bairro do Pacaembú/SP ou a sua agenda na celebração de casamentos e o valor de seus cursos na Palas Athena - local de estudos da elite paulista "alternativa").
E você, simples consumidor desse mercado religioso, o que fará? Continuará alienado como está agora, comprando mais e mais coisas ioguicas e exigindo uma apostila e certificação de cada curso/workshop/aula que pagar, pois a grande maioria sempre será massa de manobra/leiga e medrosa, por isso mesmo investem tanta grana preta filiando-se a este ou aquele jeito de "ser iogue". Estes recuam frente a liberdade de Serem (vestindo-se igual, andando igual, reproduzindo os mesmos discursos, comendo os mesmos alimentos orgânicos/veganos, lendo os mesmos livros de auto-ajuda, assistindo os mesmos filmes "zen"...). Libertar-se, de forma devotamente religiosa realmente, da Ignorância mesmo, como preconiza o conceito de Kaivalya, exigiria dos praticantes de ioga, em algum momento, romper com o status quo do ioga que professam, e isso os obrigaria a perceber que não existem modelos ioguicos a seguir. É preciso, para ser Livre (leia-se buscar a Redenção como um cristão de verdade), coragem para criar o seu próprio método de ioga; e, conseguindo isso, não vendê-lo, pois ele servirá apenas para você.
Mas aí meu amigo? Primeiro: vai viver do quê os professores de ioga? Segundo: você (iogue em busca de ser livre) terá que lutar contra o mundo (do ioga brasileiro é claro) lhe dizendo o quanto está errado por sustentar-se com as suas próprias pernas, pois é preciso um líder/referência a seguir; afinal, perguntarão todos os iogues medrosos: "quem é você para erigir um ioga? O ioga tem séculos e não precisa ser criado". Aí, você, iogue corajoso, poderia responder: "Sim, mas eu não sou Patanjali, Shankara, Vyasa, Jois ou Iyengar. Por ser diferente e único, preciso de um Ioga-Eu e não um Ioga-Outro".
E aí, vai encarar? Hmm, acredito que não. É muito mais seguro seguir venerando quem for, de um mestre iogue ideal ou uma sociedade sem classes de Marx. Na verdade, tanto faz, é uma busca por algo que não existe no mundo real da vida vivida.
Deus nos livre de sermos Normais e nos dê forças para Sermos Fortes.
PS: Espero que alguns compreendam esta última frase como uma espécie de reconciliação no ioga do Brasil.