Os que são os klesas para o ioga? São as causas do sofrimento humano. A Ignorância, como primeiro klesa (lit.veneno) seria a "mãe" de mais 4 comportamentos nefastos a todo praticante/adepto a cosmovisão ioguica: Apego, Aversão, Medo da Morte e "Orgulho" ou a Falsa Identidade de Si-mesmo. Seriam os klesas que causariam o "turbilhão da mente/consciência" que nos enredaria mais e mais em um ciclo infinito de dor e transmigração da alma. A proposta do yoga "clássico" elaborado por um brâmane hinduísta (Patanjali) estaria em seguir um caminho espiritual de 8 passos: Yamas e Niyamas (espécie de código de conduta), Asana e Pranayama, que conduziria a Prathyahara (experiência/estado onde os estímulos sensoriais externos diminuiriam a sua influência interna), Dharana e Dhyana (a meditação propriamente dita) e Samadhi (uma espécie de epifania yoguica ou encontro com deus/Isvara). Qual a graça do artigo aqui na sua frente? Pensar os klesas como emoções e não como um "código moral" absoluto advindo de mundos transcedentes - mesmo porque o yoga não acredita na transcendência, mas na imanência. E como "expurgar" os venenos/klesas do corpo/alma/mente? Por meio de rituais de purificação como qualquer outra denominação espiritual/religiosa o faria também.
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Ao que tudo indica, as práticas corporais do ioga, estariam como rituais de purificação da ação nefasta dos klesas/Mal/demônios/estresse. Há inclusive uma das modernas escolas de ioga — o Asthanga Vinyasa Yoga do mestre Pattabhi Jois — que se destaca por suas rígidas séries de posturas combinadas com respirações, contrações musculares específicas e saltos, em que o objetivo está, literalmente (e [trans]fisiologicamente), na elevação do calor corporal no intuito de “eliminar substâncias nocivas ao corpo”. A orientação é praticar com janelas e portas fechadas para aumentar a sudorese e produzir o que eles denominam de tapas, como purificador energético e (trans)corpóreo.
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A expressão tapas, significa, literalmente, austeridade dentro da cosmovisão hinduísta em que o ioga nasceu, mas como deriva da palavra tap, pode exprimir também “fornecer calor” ou ainda “fazer-se quente” (SMITH, 2008, p.143–150). Vejamos a correlação possível em estabelecer o conceito de tapas com o samadhi, mas, sobretudo, de seu diálogo com o corpo do iogue e seus novos rituais de exorcismo/purificação do(s) corpo(s) :
Tapas provê ao devoto um “calor na cabeça” [head heat], transformando-o em um vidente. De um modo semelhante, o esforço da prática ascética acende o “fogo interior” [inner fire] da iluminação, em uma visão de êxtase. Como o rsis [feiticeiros hindus], o asceta, através de tapas, é capaz de “ver” [a sua Ignorância]. Neste contexto, tapas adquire a forma de um “meditar cognitivo” [cognitive brooding], ou “intensa meditação”. O poder aqui empregado para tapas é claramente de “poder contemplativo” (KAEBLER, 1989, p.145–146)
Com o calor corporal gerado pela prática ritual ioguica, o praticante pode alcançar a “iluminação” (ou samadhi) e ser capaz de “ver” como os antigos rishis ou feiticeiros hindus. Ou seja, para o ioga moderno, o corpo adquire caráter não só de “templo divino” — herdado dos hatha-iogues medievais indianos —, mas de referência no caminho espiritual e determinante no alcance de vislumbre da alma imaculada (purusa) ou estado permanente de equilíbrio — do poder de visão da plenitude que já somos – uma espécie de “redenção” cristã.
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Em outro artigo, a filósofa Anindita Balslev aprofunda essa discussão sobre a nova concepção dos klesas, aproximando-os aos conceitos da emoção. Segundo Balslev, o objetivo do ioga é diminuir as agitações da mente/consciência conforme o senso-comum do ioga proclama. No entanto, baseado nos comentários de Vyasa, ela explica, citando-o: “O rio chamado mente flui em duas direções” (BALSLEV, 1991). E Balslev continua:
A imagem das “duas direções” transformam o fluxo da vida mental. As duas direções são primeiro caracterizadas como fluindo em direção ao bem e através do mal (vahati kalyaanaaya vahati papaayaca), pelos quais expressam primariamente uma consideração ética. (…) fluir em direção a discriminação (viveka) e isolamento/salvação (kaivalya) é o bem, enquanto o que nos prende na existência neste mundo (samsara) é o mal, claramente indicando uma proposta soteriológica. (…) Esta metáfora da mente como um rio em duas direções, porém, adquire um significado técnico no Yoga-Sutras introduzindo uma divisão dos estados da mente, classificando-as em dois grupos: klista [ou klesa como dor espiritual e Mal] e aklista-vrtti [aquele vrtti em direção ao não-sofrimento ou Bem].
Em outras palavras, Balslev argumenta que a palavra klesa é utilizada sempre como sinônimo de dukha ou sofrimento no ioga antigo e medieval indianos, mas que dukha não é meramente o oposto de sukha ou prazer. O significado de klesa, segundo Balslev, é uma oposição à busca libertadora em direção ao rompimento do ciclo de samsara ou renascimentos (kaivalya). A autora busca os correspondentes emocionais dos klesas que nos acorrentam no ciclo de samsara. Mais do que destruir os venenos dos klesas, a proposta moral do ioga antigo poderia estar em afastar de tudo que nos prende na existência deste mundo (samsara).
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“Mas como nascem os klesas?”, pergunta Balslev. É um ciclo vicioso: nascemos ignorantes da natureza da alma pura e agitamos a mente/consciência; essa agitação produz comportamentos indevidos que nos tornam mais ignorantes. Este é o ciclo de samsara, a vida alienante espiritualmente, como já adiantamos em outra subseção. A filósofa argumenta que o klesa-Aversão viria das sementes da dor e a falsa cognição de certos objetos da mente/consciência. Estes, associados à dor, causariam sempre sofrimento, por isso, mesmo inconscientes, nos manteríamos afastados desses objetos, portanto, em aversão a eles. E o contrário também obedece a mesma lógica: o klesa-Apego nasceria das sementes do prazer e do desejo, o que nos manteriam conectados a eles. Assim, pondera Balslev, objetos mentais/conscienciais denominados de klesa-Aversão e klesa-Apego estariam associados aos sentimentos de retaliação, de malícia, da vingança e do ódio, e a sua contraparte, ao desejo, apetites e prazer. Segundo a filósofa, o desejo e o ódio seriam, portanto, os núcleos emocionais dos klesas-Apego e Aversão a serem evitados pelos iogues.
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Para a autora, o klesa-Medo da morte, incidiria do temor angustiante dos seres humanos em saber que vão morrer, mas não quando. O medo, assim, instalaria respostas de lutar ou fugir, a mesma resposta psicofisiológica inata associada ao eixo neurofisiológico do estresse. O klesa-Orgulho, por seu lado, nasceria do erro de julgamento dos correspondentes emocionais dos três klesas identificados anteriormente: os duplos Apego-Desejo, Aversão-Ódio, Medo da Morte-Medo. Segundo a autora, o klesa-Orgulho, possui sua raiz emocional no egoísmo e individualismo; pois, se nossa alma é perfeita em Si-mesma (purusa), conclui a autora, não haveria razão de sentirmos emoções negativas como desejo, ódio, medo ou egoísmo.
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Esses klesas, com núcleos emocionais, se manifestariam no corpo originando todo o tipo de malefícios físicos e mentais. Em suma, agitando a mente/consciência. Essas quatro aflições emocionais (Desejo, Ódio, Medo e Egoísmo), comenta Balslev, não estariam sempre presentes em suas formas totalmente manifestas. Baseada nos comentários de Vyasa ao Yoga Sutras — especificamente na descrição dos klesas encontradas no IS 2:4 — os klesas podem se apresentar dormentes (prasupra), atenuados (tanu), interceptados (vicchinna) e manifestos plenamente (udaara).
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A mente, como o Yoga o vê, é naturalmente atraída em direção a samsara. A mente é cativa dos klesas. Suas modificações incessantes estão, em grande parte, ligados a isso. Egoísmo, desejo, ódio e medo dominam a vida mental, mal dando-lhe uma chance para discriminar a si mesmo. Assim, falhando por causa da ignorância em descobrir a sua fundação não-intencional. O purusa carrega a ideia errônea sobre a natureza do eu: raiz do klesa asmita [ignorância]. Este, por sua vez, envolve-se mais com as polaridades que são características do redemoinho de existência que é samsara. Virtude e vício, prazer e dor, e apego e aversão são os seis raios da roda de samsara [ou ciclo de renascimentos]. Transcendendo o papel psicológico e ético da vida mental, a descrição soteriológica emerge. A vida mental é percebida não apenas como uma teia de estados coloridos com aflições; estes são interceptados por aqueles que se opõem a esta tendência. Para usar o imaginário do Yoga, estes aklista vrttis (movimento da mente não causador do sofrimento) produzem brechas que podem orientar para o conhecimento discriminativo (viveka) e para a salvação [kaivalya].
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Em resumo, pode-se pensar que há emoções que deveriam ser cultivadas para ajudar diretamente na criação de um estado de espírito apropriado, portanto, moral para a prática de ioga. Seriam essas emoções que, gradualmente e eventualmente, “purgariam” a mente/consciência de suas impurezas do espírito. No discurso de Balslev nos comentários de Vyasa, sob a estrita perspectiva fisiológica, as séries de Asthanga-Yoga do iogue moderno P. Jois, comentadas anteriormente, devem purgar mais do que apenas o suor produzido pelo calor corporal, incluindo também as impurezas dos klesas materializadas em emoções nefastas como desejo, ódio, medo e egoísmo, todos filhos emocionais do klesa Ignorância.
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Dispondo os klesas como emoções, Balslev argumenta que não seriam meramente consequência de uma ação, mas os principais responsáveis (motivação) pelas ações humanas; uma espécie de aspecto natural dos seres humanos ainda enredados na alienação da vida espiritual. Os klesas teriam, segundo a autora, uma natureza propulsora de ações e seriam responsáveis pela permanência dos homens e mulheres em samsara, a vida infeliz. Balslev esclarece ainda que a mente/consciência (citta), na filosofia do ioga, seria espontaneamente cativa dos klesas. Purusa ou alma, que é imaculada e perene, ou seja, não contaminada pelo corpo/emoções, é o objetivo do ioga. Kaivalya, então, significaria o retorno da nossa mente/consciência, livre das perturbações emocionais dos klesas (interpretadas aqui por egoísmo/Orgulho, desejo/Apego, ódio/Aversão e medo/Medo da Morte), ao estado de equilíbrio eterno de purusa ou alma. Sendo a Ignorância ou alienação espiritual, a matriz dos klesas, a busca espiritual do yogue estaria em conhecer a verdade por trás das perturbações conscienciais vindas dos klesas (BALSLEV, 1991), esta eterna e absoluta.
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Outro ponto ressaltado pela autora está não somente no puro e simples “cessar da mente”, mas no interromper do fluir da mente presa na “direção” das emoções atreladas aos klesas. Assim, as práticas do ioga deveriam conduzir o devoto ao arrefecer da influência dos klesas, e, sobretudo, fluir em direção oposta ao fluxo das emoções manifestas psicocorporais dos klesas. Em palavras mais simples, em vez do Desejo (núcleo emocional do klesa-Apego), as práticas e escrituras ioguicas visariam a conquista do Desapego; do Ódio (klesa-Aversão) ao Amor; do Medo (klesa-Medo da Morte) para a Coragem frente à Vida; e do Egoísmo (klesa-Orgulho) ao sentido da Compaixão. As práticas de ioga, sob essa perspectiva, poderiam ser compreendidas por rituais de cura de emoções nefastas específicas que podem, de alguma forma, revelar doenças psicofísicas pela nova cosmovisão mítica ioguica moderna.
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Mesmo que os klesas possam não ter valor moral ou imoral, racional ou irracional, o iogue, sabendo por suas escrituras (e experiência psicofísica e espiritual) via prática ritual que os klesas os mantém em samsara — portanto, em uma vida infeliz e longe de kaivalya —, se torna moral ao buscar uma vida em direção à Sabedoria (oposto do klesa-Ignorância), ao Desapego (oposto do klesa-Apego), ao Amor (oposto ao klesa-Aversão), à Coragem (oposto ao klesa-Medo da Morte) e à Compaixão (oposto ao klesa-Orgulho).
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Mas essa busca espiritual (sadhana) em busca de Deus/Bem-Aventuraçã/Aumento da Performance ou qualquer outra denominação que faça mais sentido a você, precisa, obrigatoriamente, passar a fazer sentido ético em sua vida, ser uma ficção que o faça superar as "tretas" mais profundas do seu ser.