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Foto do escritorPhD. Roberto Simões

"Anti-Plenitude": Um ensaio (somente) aos Livres-Pensadores do Yoga


Introdução

É muito comum entre os yogues brasileiros contemporâneos uma associação espontânea entre a espiritualidade do Yoga à noção de busca pela “Plenitude”, como sinônimo de inteiro, perfeito ou completo. Entretanto, os yogues, ao contrário dos cristãos por exemplo, acreditam já nascerem plenos. Portanto, falar em busca não faz sentido dentro da filosofia yoguica, pois buscar enseja que algo falta e deseja-se alcançar. Para um cristão é lícito desejar a "Plenitude/Redenção", pois se compreendem imperfeitos e, portanto, pecadores. Por isso os cristãos (e devotos religiosos advindos de filosofias dualistas, como os judeus, protestantes e mulçumanos por exemplo) denominam essa busca final espiritual de Redenção; ou seja, redimir ou recuperar as suas falhas e faltas para alcançar o Céu e não decair no Inferno - ou algo similar. Mas entre os yogues, considerando-se Perfeitos, completos, inteiros desde o "nascimento", nada deseja-se obter: seja a própria plenitude, autoconsciência, aumento da performance, vida plena ou qualquer outro Desejo na falta. A promessa da Plenitude, nascendo do desejo, da falta, mais especificamente da espera(nça) de completude que ainda não-sou, é de origem dualista do mundo (Sócrates, Platão, Descartes e cia. - nada contra, mas é outras perspectiva de realidade). De forma mais direta, ou a Plenitude dos yogues que a desejam está em outro lugar (metafísico), e se é preciso transcender este mundo para obtê-la; ou, ignorando alcançar a Perfeição que já Sou e almejo, então o yogue precisa apenas "compreendê-la" (experienciando-a/ sentido-a) em si-mesmo.

Desta feita, vamos tentar esmiuçar essa confusão que aproxima a filosofia espiritual do Yoga ao mundo cristão e o afasta da verdade imanente de não ser outra coisa do que um corpo e uma mente/alma advindos de Deus/Natureza/Isvara. Por isso, defendo esse yogue contemporâneo que vive em constante processo/nomadismo de desapego, de uma forma criativa de vida altruísta e singular, com coragem em (re)criar-se sempre e, ao mesmo tempo, capaz de não levar-se tão a sério, pois sabe que tudo é maya/ilusão - é o sadhana (o caminho) do "Yogue Anti-Plenitude" (do senso-comum explanado acima).

Platão foi um dos mais importantes filósofos da civilização ocidental e mestre de Aristóteles, seu principal e mais conhecido discípulo. Ambos forneceram a base filosófica para que a espiritualidade cristã prosperasse como instituição social religiosa no Ocidente. Para os cristãos, tradutores do platonismo e aristotelismo, a busca pela Plenitude, como não poderia deixar de ser, acontece em outro mundo pois, nascidos pecadores/imperfeitos, os seres humanos só alcançariam a completude na transcendência. Platão e Aristóteles acreditaram, assim, em um outro mundo melhor/perfeito do que este aqui. Com Aristóteles a questão ganha requintes mais interessantes, pois ele associou a busca pela Plenitude/Redenção com a ideia de continuidade. Haveria uma espécie de linha ascendente transmigratória de almas; das mais inferiores as mais superiores, em direção a Deus - o Pleno em si-mesmo, por assim dizer –, ou a verdade absoluta e inquestionável. Dito de outra forma, para Platão, Aristóteles e a Igreja Católica[1] haveria uma subordinação ontológica[2], portanto, uma ordem social e biológica obrigatória a ser obedecida por assim dizer, dos seres inferiores aos superiores. Se ainda não ficou claro: o passarinho curió é submisso aos homens e mulheres devido ao desenvolvimento “superior” ontológico dos bichos humanos aos não-humanos, assim como os escravos deveriam servir aos seus donos por “direito” (algo que Aristóteles defendia). Cada um de nós nasceria com uma (pré)disposição bem definida no universo (ditado pelo Deus transcendente), e a Plenitude/Redenção consistiria em encontrar o seu papel na sociedade com a certeza de ser feliz a partir de então. O fim do sofrimento em Platão (e, portanto, aos adoradores do Deus Outsider) significa “sair da caverna” e perceber que tudo o que você sente com o corpo são “sombras/ilusões". O corpo, dessa forma, inibe a percepção correta da realidade. É necessário, aos dualistas (adoradores do Deus Outsider), controlar os desejos, sacou?

Mas a filosofia yoguica não se desenvolve a partir do platonismo, aristotelismo ou cristianismo. O Yoga (ao menos a partir da filosofia não-dual de Shankara - talvez, este, inspiração de Espinosa) acredita que sofremos não por sermos pecadores/imperfeitos, mas Ignorantes da Plenitude imanente[3] que já somos (adoradores dos deuses Insiders). O Yoga, dessa forma, adveio de outra cultura com suas próprias filosofias e religiões que o abalizaram como narrativa legítima na sociedade que o erigiu. Ao invés de um outro mundo transcendente (o mundo ideal de Platão, o Céu cristão ou o Nosso Lar espírita kardecista), a Plenitude (lit. Ananda em sânscrito) está aqui, na imanência, e não lá, na transcendência.

Agora, talvez seja importante algumas linhas a mais aos não-iniciados a estes termos filosóficos: imanência e transcendência. O conceito do Deus imanente comporta um mundo não-dual, ou seja, Deus é a causa (e não a medida) de todas as coisas que estão Nele e, nada existe fora Dele. Tal teoria é totalmente oposta ao do Deus transcendente platônico, aristotélico e cristão, que atribui a Deus uma existência separada das coisas. Em resumo, o Deus na transcendência é o Criador de coisas (você, a pedra e o nosso passarinho curió) e possui uma existência separada. O Deus na imanência é todas as coisas (orgânicas e inorgânicas) que são transformações/modificações da mesma Substância Divina - ou Deus/Natureza/Isvara, sacou a diferença?

Na transcendência, quando você morrer, acreditam os adoradores do Deus Outsider, algo continuará vivo e transmigrará entre os mundos (o de lá para cá e vice-versa). Na imanência, quando você morrer, não há “algo” que sobrevive. Mais simples, para os adoradores dos deuses Insiders, o curió, o “guru iluminado” e o xamã da floresta voltarão (ou continuarão) a serem Deus/Natureza – já que são partes do Todo/Deus/Natureza/Isvara, e não sua “imagem e semelhança”.

Yogues convertidos e os Yogues Nômades

Sim, isso lhe confunde né? Pois você, brasileiro, foi socializado em uma realidade que o fez crer que a Plenitude/Redenção/Felicidade/Potência (ou qualquer outro nome que deseje) não está em você mas em outro “lugar”: em Deus, na natureza, nas plêiades ou em uma comunidade do interior de alguma cidade com nome estranho. E esse é ponto que retomo mais uma vez, pois irei, ao longo deste ensaio, tentar lhe apresentar uma outra atitude (Tesão) de conviver com o conceito de Plenitude e Deus no Yoga. Esta realidade yoguica que estou lhe expondo não delega a outro bicho humano sua caminhada espiritual do encontro com o que você já é: não há ninguém autorizado para organizar de fora a sua vida. O intuito estará, já adianto desde já, em transformá-lo em um "Livre-pensador no Yoga", alguém disposto a retomar o processo criativo de sua própria vida, e não mais um subordinado/domesticado/anestesiado a gurus que lhe prometem a vida eterna. Mesmo porque, a eternidade só existe na realidade dualista de Platão e cia., como já expomos. Para isso, vou denominar de yogues convertidos aos que se dedicam prestar culto a um Deus transcendente/Outsides; Deus que estabeleceu uma “linha de chegada” para a plenitude; e nômades aos yogues que decidiram, por conta própria, caminhar de corpo e mente/alma em direção ao divino da imanência (adoradores dos deuses Insiders), aqui e agora.

Como os yogues convertidos [ao deus transcendente] vivem? Espera(ndo) a vida boa (Plena, portanto) em outro mundo. É um jogo de barganha espiritual: lhe entrego oferendas, realizo todos os dias asanas e canto mantras em sânscirto perfeito esperando a Bem-Aventurança. O que mais eles se focam é na espera(nça), pois se convenceram (ou foram convencidos, por isso, convertidos) que sua vida é um processo de evolução. Mais simples, se percebem como “seres celestiais” em desenvolvimento, e o futuro a “Deus pertence”, pensam eles, delegando diariamente sua Liberação/"Redenção" (kaivalya) a outro(s): uma vida organizada de fora. E como há “franquias” deste Deus transcendente aqui (escolas, linhagens, tradições, igrejas), é só encontrar um “representante franqueado” certo e entregar a sua vida nas mãos deles. Outra característica dos yogues convertidos ao Deus Outsider (perspectiva yoguica dual da vida). Decorrência disso, esta a crença na existência de apenas uma verdade/Deus - a deles, óbvio. Pois se a verdade deles for mais uma dentre outras, seu Deus pode estar errado e não saberão a quem rezar e/ou prestar culto; eles não aprenderam a serem singularidades criativas e donos de seus próprios corpos e mentes/almas. Eles não foram educador a conviver na diferença.

Observe a dificuldade de alguns em lerem este ensaio pois, a Plenitude na imanência é menos óbvia (leia-se não está no senso-comum/socializada) aos yogues brasileiros (mesmo sabendo de cor o Vedanta Advaita, lit. não-dual, e isso não é incrível? E aqui cabe um parênteses maior: o vedanta advaita de Shankara é influência ao Yoga do período medieval indiano, o Hatha-Yoga, e não o seu único e "mais elevado" postulado filosófico; ao lado de Shankara, temos as escrituras budistas, a alquimia muçulmana, o tantrismo e outras tantas influências, ok?). Isso ocorre devido a socialização primária dos brasileiros terem ocorrido por instituições espirituais dualistas. Não obstante, defendo também, pelo engano que alguns yogues-gurus brasileiros cometem ao "vender a Plenitude" como um conjunto de regras e condutas morais. Na imanência dos yogues-nômades, adoradores dos deuses Insiders, a Plenitude está diametralmente afastada da perspectiva de "receituário", como ficará mais claro até o final do ensaio.

Os yogues nômades que vivem em comunhão com Deus imanente, não tecem esperança de um outro mundo existir, pois só há este (mundo - Samsara). Nesta perspectiva não-dual de viver, não há, portanto, uma só verdade, pois a crença em um Deus transcendente, fora do mundo ditando as regras do jogo (que só Ele sabe), é mais uma ilusão criada pelos bichos humanos, compreendem os yogues-nômades espirituais. Ou você acha que foi pura coincidência sociedades que cultuavam (e cultuam ainda) vários deuses serem denominadas como “primitivas” e habitadas por “selvagens” – exceto a grega, pois se converteu a tempo[4].

Os yogues nômades sob perspectiva imanente, assim, são criadores de formas de viver e realidades e, com elas, novas verdades em constante mutação convivendo entre si (nem sempre em "harmonia" dentro da racionalidade que os yogues-convertidos creem existir, mas no caos que os yogues-nômades sabem ser). A Plenitude neste Yoga Nômade é o fim da Ignorância (Avidya) e não da Ilusão (Maya), como preconizado por alguns yogues convertidos e "espontâneos".

No Yoga Anti-Plenitude, o fim do sofrimento esta associado à Ignorância (Avidya) também sendo eliminada, mas não em vistas de aniquilar as Ilusões da vida (Maya). Estes pois sabem, os yogues nômades que, se tudo é Deus (imanência), as ilusões que criamos são a Sua “Graça” também, e nos auxiliam [as ilusões/Maya] a (con)viver melhor e com maior pluralidade (diferença) no único mundo que existe. Mas, para as Ilusões da vida auxiliarem aos yogues nômades em suas sendas espirituais (sadhana), precisam destruir a espera(nça) da "Plenitude transcendente". Em outras palavras, primeiro é necessário subir o Véu de Maya e vislumbrar que não há nada mais do que utopias criadoras na vida/morte imanente e cessar de carregar como camelos os compêndios moralistas de outros. Em segundo momento, depois de saber que só há maya/ilusões, como um leão enfurecido, compreender/experienciar/sentir em quais ilusões se vive e reagir contra, revolucionando a sua vida. Em terceiro, a fase de cognitiva mais complexa, deve-se aceitar, como uma criança, a realidade e saltar no abismo das incertezas, experienciar Maya em que se vive e, brincar (lit. Lila em sânscrito) na criação de Deus, que é você – e através de você.

Fontes do sofrimento

O Yoga visa a Libertação em vida (Kaivalya em sânscrito) do sofrimento. E por quê se sofre pergunta o yogue nômade, potência de Deus/Natureza/Isvara? Porque os seres humanos, tendo consciência da sua finitude[5] desenvolveram a sua “arma natural” mais potente[6]: a antecipação de perigos - físicos/orgânicos e imaginários/psicológicos – ambos em diálogo sempre. E não importa se é um farfalhar de folhas secas no chão ou um leão correndo para te atacar, seu organismo (corpo e mente/alma) responde prontamente lhe preparando para enfrentar o perigo ou correr dele: resposta clássica do estresse luta-fuga a qualquer sinal de fome, dor, raiva e medo (sejam eles, repito, físicos ou imaginados).

Com a antecipação de perigos, além da resposta inata do estresse, o bicho homem desenvolveu outra "ferramenta" fundamental para a sua vida: a fala, e com ela (ou por causa?), ficções terapêuticas ou narrativas ordenadoras da realidade. As filosofias, as religiões, os mitos, o senso-comum e a Ciência são manifestações desta força criativa de afastar a verdade da morte do corpo/mente. Por isso mesmo que aos yogues nômades (adoradores do Deus imanente/Insider), as ilusões/Maya não são as causas dos seus sofrimentos, mas “esquecer” que são apenas mentiras necessárias é a própria Ignorância a ser vencida pelo Yoga Nomadismo.

Alguém sem nenhuma ilusão, se torna um bicho humano angustiado, ansioso, medroso e depressivo, pois des-iludido. Em poucas palavras, um ser humano sem nenhum poder criador frente a vida (Maya), forte/potente o suficiente para vencer a grande verdade inexorável da vida: a morte e a falta de sentido, "perece em vida" espera(ndo) um outro mundo que (pode) não existir. Entenda, essa é uma aposta tola: se o outro mundo existir, viveu este alegre (e não esperando outro "melhor"); mas se não existir outro mundo, perdeu sua única oportunidade de viver a boa vida (como Deus/Natureza/Isvara).

Assim, acreditar no Deus transcendente (ou em nada e ser ateu) não é o problema, mas acreditar que isso seja a única potência da vida ou não possuir nenhuma, essa é a razão do sofrimento (dukkha). Os momentos de solitude proporcionado pelas práticas contemplativas do Yoga (samadhi) podem facilitar essa descoberta espiritual (viveka).

A Espera(nça) da Plenitude como mais uma Ilusão/Maya

É lícito pensar que herdamos muitas mentiras/narrativas/ficções/ilusões (Mayas) de outros bichos humanos na gregaridade pois, ao longo de nossa socialização poucos foram autorizados a subverter a ilusão do Deus outsider/dualista (único criador); e nenhum outro bicho humano autorizado criar/brincar com a sua própria “versão”/ilusão (Maya) da vida. Todavia, alguns homens e mulheres de coragem geraram as suas próprias narrativas de vida e morte, quebrando paradigmas existenciais; e isso foi ótimo! O engodo, contudo, está no imperativo de convencer outros a segui-las (leia-se, convertê-los), como "realidade última".

Invariavelmente, esses poucos bichos humanos de coragem, mas convertidos na visão dualista de mundo (adoradores do Deus transcendente), podem vir a se transformar em "especialistas de conversões" de suas próprias ilusões, os denominados sacerdotes. Por avaliarem que as suas próprias versões da realidade serviram muito bem a eles (e convertidos na visão dual do mundo), os "especialistas em conversões" agora, se esquecem do poder criativo que agiram neles, renegam a divindade que agiu neles e passam a se dedicar, exclusivamente, em converter outros na própria ilusão em que criaram e vivem. Exemplos? Os discípulos dos rishis que escreveram as ficções védicas, os budistas que narraram criativamente as nobres verdades, os apóstolos cristãos com as suas ilusões bíblicas da Criação do Mundo, e o mais próximo a nós yogues brasileiros, Patanjali com suas mentiras terapêuticas contidas no Yoga Sutras.

Interessante aqui neste ponto, você leitor auto-avaliar seus sentimentos e emoções ao ler estas últimas linhas acima. Haverá talvez aqueles que saltem de vossos assentos com termos como "ficções védicas", "narrativas budistas", "ilusões bíblicas" e/ou "mentiras yoguicas"; quiçá, estes mesmos, não se importariam de ler grafadas as palavras “fantasias supersticiosas” às danças da chuva ameríndias ou às possessões vodus de haitianos rurais. Os yogues convertidos na falácia da busca pela Plenitude (dualistas) se convenceram na versão de maya que o próprio Yoga busca desvelar. E não adianta procurar deslegitimar os argumentos acima, buscando referências em seus próprios textos “sagrados”, pois o Deus imanente confere a todos os bichos humanos o mesmo poder dos rishis, sacerdotes, xamãs e pais-de-santo. Não há nada que nos diferencie: todos amam, odeiam, sentem fome e medo disparando o eixo inato de luta-fuga. Somos todos animais criadores de histórias que afastam a morte para longe de nossas camas (cavernas) para termos coragem de enfrentar o abismo a cada aurora, seja com fluoxetina ou a série 1 do asthanga vinyasa yoga.

E sim, este ensaio inteiro é mais uma ilusão também. A diferença que agora, enquanto componho e me cativo na composição, revisão, gravação, edição e argumentação aqui proposta sou Deus mais uma vez criando, pois parte Dele e não seu reflexo distorcido e imperfeito, como ensejam os yogues convertidos ao Deus transcendente/outsider. Agora mesmo, neste momento, sou a própria Plenitude que os tolos almejam (mas não vivem) em outro momento que não agora. Não há busca da Plenitude no Yoga, só ação, vida criando, destruindo e se recriando novamente! Shiva, não é mesmo?

Um yogue nômade, assim, se extasia em gozo com tal perspectiva de leitura - mesmo não concordando com nada exposto, pois sabe que a potência de viver vem da fonte intuitiva da criação. Enquanto isso, o yogue convertido busca (com ódio e ressentimento ou "calmo e sereno" - de cima de sua "sabedoria") argumentos para a confirmação da versão gregária (e única) de viver, ler, interpretar e traduzir textos erigidos por outros há séculos e até milênios antes, na fútil espera(nça) de, se seguir os preceitos de yamas e niyamas por exemplo, ser agraciado (talvez) pela Bem-Aventurança... depois de "iniciado" por alguém ou qualquer outra bobagem. Este, o yogue convertido, só aceita mudanças quando seus sacerdotes o assim legitimarem (seja com um nome auferido, cordão branco, mantra sagrado ou qualquer outro subterfúgio que postergue o que ele já possui). Por não acreditar na sua intuição/corpo/alma, delega a outro que ele entende mais "autorizado" do que nele mesmo.

Enquanto isso, o yogue nômade/criança se beneficia (ou simplesmente descarta) dos pensamentos aqui apresentados por saber que são apenas "pensamentos"; mais uma narrativa de outro "louco" (013), mas criador como ele das infinitas formas de viver), inventada no intuito de expor em linguagem a intuição divina que o atravessa como pura potência. O convertido, por outro lado, ignora solenemente toda e qualquer exposição de uma verdade que não venha dos seus "especialistas em conversões". Ele está proibido, pois foi impelido a “des-compreender” (refrear seus afetos/emoções) toda força imanente da Plenitude nele. Esta “des-compreensão” foi inculcada no yogue convertido para que tudo que venha de fora do escopo gregário em que vive, adentre seu ser como ideias perigosas (do Mal/Diabo) - há o medo intrínseco que uma forma de viver sobrepuje a única vida que escolheu, ou pior, tenha sido "escolhida" para ele. Se só existe um Deus, uma Verdade ou qualquer outro “jeito” de viver é ameaçador, pois adquire potencial poder em subverter a sua "pequena" e em "espera" existência.

Proposta peregrina para ser um Livre-pensador do Yoga

A saída yoguica desse enrosco filosófico espiritual é se tornar um "nômade" e não um "convertido". O Yoga não é um modelo a seguir, não há trilha. O nomadismo percorre todos os caminhos ciente de maya existir e estar intrínseco à vida, pois seu Deus é imanente[9]. O convertido se apega a apenas uma verdade e busca aniquilar outras (óbvio, todas as diferentes dele). Essa retórica da aniquilação, tão comum aos religiosos convertidos ao monoteísmo, sobretudo quando relemos a história e observamos os jesuítas catequizando os ameríndios brasileiros; afinal, era um “dever moral” cristão trazer a palavra do Salvador aos que não conheciam “a” verdade/deus [deles: os "escolhidos"].

Desta feita, quando yogues convertidos ao Deus transcendente levantam a bandeira da “perfeição que já somos”, mas reivindicando para si o “dever moral” de esclarecer a verdade (a sua ou da tradição a que representa, não importa) "vendem bens de salvação" de uma cosmologia dual e gregária. E tudo bem, pois tudo é uma ilusão na perspectiva imanente, tudo é uma narrativa possível de vida para que convivamos com a diversidade. Na pluralidade de mundos, a versão dual da realidade também reina. A questão é que se explique aos novos discípulos convertidos ao Deus transcendente o que estão oferecendo. Dito de forma mais direta, optar pela vida com base no transcendente (Deus outsider) é escolher pelo fim do seu poder criador e a acatar resignado a Plenitude não neste mundo, mas na promessa que esteja em outro (depois da sua morte).

Aos nômades livre-pensadores do Yoga (os Yogues Anti-Plenitude do título), a Perfeição que somos é o de criadores de realidades e verdades, e nunca de "guardiões esperançosos" de uma beatitude que só existe em uma geografia e fisiologia transcendente e imaginada como única e absoluta. O yogue livre-pensador, por exemplo, sabe que prana e kundalini existem, mas como processos potencializadores/agenciadores da força imanente em um "corpo sem órgãos"/afetivo/"sutil". Não obstante, não há condutas morais a seguir, pois não acreditam mais no Deus-fora/outsider, mas experienciam por seus próprios métodos rituais de experimentação o Deus fluindo neles/Insider. Assim, dispensam (mas não menosprezam, pois convivem com) os sacerdotes definindo o que devem comer, beber, se vestir ou cantar, pois se transformam, eles mesmos em suas próprias versões de sacerdotes, magos, místicos, mulheres, homens, bichos, putas, veados, loucos... pois, artistas. Tudo é dança cósmica de Shiva e não há uma verdade “plena” espera(ndo). Ele mesmo, o yogue nômade, vai viver a sua Plenitude, pois sabe que ninguém pode lhe indicar o caminho; cada um constrói a sua espiritualidade e a destrói alguns passos a frente para recriar de novo e de novo... transformando a sua própria vida em uma obra de arte.

Esse é o “ponto de mutação” que os "mercadores dos bens de salvação yoguicos" contemporâneos no Brasil não expõem (por desconhecimento ou cinismo): não há nenhuma via a percorrer. A verdade é um diálogo contínuo com o mundo/natureza/Deus/Isvara. O Yoga, uma potente ilusão criadora por exemplo possui Shiva como seu Deus decodificador: um Deus andrógino, destruidor, dançarino e ambivalente com rompantes de fúria e senso de humor raro, pois a cada folha derrubada ao chão pelo vento, alimenta a terra e possibilita o nascer de outras vidas desta que se esvai. Tudo no mundo que acontece é fruição, sob a perspectiva Divina da imanência. Somos o Todo, por isso Kaivalya (lit. isolamento ou solidão) no Yoga é conjecturado como a experiência/estado de “liberação em vida do sofrimento”, e não em morte.

Em termos mais simples, nada garante que se alcance uma condição distinta no universo e não se experimente mais as agruras da vida, a promessa da Plenitude que se vende pelos mercadores da salvação yoguica brasileira. Pelo contrário, quando um bicho homem/mulher qualquer (como você, sua avó, a tiazinha de Lululemon ou o jornaleiro da esquina) intui[10] ser o universo e parte divina, aí a Plenitude age. E compreenda isso não como uma metáfora[11] como os cristãos nova-eras e não-praticantes do Brasil às vezes se convergem, mas como a realidade transitória e da pluralidade infinita de verdades que se possa criar, manter e destruir. Mais simples ainda, chackra não é uma palavra que designa outra (um signo), mas um “canal concentrador de energia prânica” que compõe uma fisiologia não-orgânica, uma fisiologia, assim, espiritual. Mas, para não apenas “compreender” a fisiologia de um corpo sutil que existe como verdade entre os yogues (de um corpo sem órgãos), é necessário vivencia-la como um antropólogo convivendo nas narrativas/ilusões (Maya) de um coletivo tribal. O Deus imanente não é algo outsider do mundo com austera moralidade, mas é o seu gozo, a sua raiva e o medo e você lendo essas linhas e se esmerando para alcançar o que eu (bicho humano qualquer, parte de Deus como você) almejo expressar.

Esse texto, como parte intuitiva de Deus/Natureza/Isvara em modo corpóreo/mental fluindo em mim (pois parte Dele que sou), exige não um tratamento racional-empírico para a sua compreensão, mas uma deglutição/ruminação demorada com o tempo particular (liso) do seu ser em ler/ouvir em voz alta várias várias e várias vezes (sem vírgula mesmo pois no tempo liso e não estriado marcado pelo relógio) Talvez atinja a cognição espiritual (viveka) que não "eu" quis dizer mas o Deus dos yogues peregrinos pretendeu expressar em mim.

Yogues Anti-Plenitude

A concepção narrativa e ordenadora da realidade dos chackras, dos nadis, dos exús-mirins, de kundalini ou da terapia da “homeostase quântica” não são mais nada do que ideias, pensamentos que organizam a vida e fornecem sentido divino aos que (podem) delas se potencializam criativamente. Eles existem de verdade? Claro que sim, mas para todos aqueles que se permitiram viver suas narrativas cósmicas. São [chackras, kundalini, exús e a glossolalia], portanto, todos potências criativas permitindo, aos nômades/malandros do Yoga, caminharem de cabeça erguida e passo firme todas as manhãs pelas clareiras da floresta da vida.

Me explico melhor, acreditar na Plenitude Yoguica como receita pronta em 3, 5, 8 ou 10 passos moralistas nos limita a alçar voos solos. Os Yogues Anti-Plenitude almejam viver suas vidas por conta própria, tomando as rédeas e (re)descobrindo quem realmente é: potências de corpos finitos e se pensando infinitos dotados de mentes imaginárias, racionais e intuitivas. É preciso, para ser um nômade livre-pensador do Yoga, conseguir ler a realidade que se apresenta em momentos de solidão e convívio de amigos que os estimulem a pensar criativamente a vida. Não há verdade absoluta a se alcançar na perspectiva filosófica espiritual imanente; a liberdade yoguica (Kaivalya) depende desta visão não-dual, caso contrário, o yogue terá que encontrar um mundo outsider, uma geografia religiosa e esperar. Em suma, será um re-ssentindo: alguém, a vida inteira, existindo sempre com a mesma sensação de mundo (por isso re-sentem-se) e não se permitindo viver/sentir de outra forma - invariavelmente sentindo-se culpado, com medo e triste.

Meditar, praticar posturas combinados com “respiratórios” e participar de processos rituais purificadores e/ou entoando sons em sânscrito não abrirá as portas perceptivas para uma verdade por si só, pois a realidade é uma construção social e há várias instituições encarregadas de defini-las a você. Por isso ser muito mais interessante, como Arjuna aconselhado por Krishna aprendeu, enfrentar os desafios de se viver, "matando" aqueles que amam/apegam-se em suas construções narrativas/mayas e não largam mais (verdade absoluta?). Os processos rituais yoguicos não-duais estão mais como “portais” que, quando abertos, lhe permitem, por um tempo limitado (no início), vislumbrar não “maya/ilusão” em que vive, mas no plural: as ilusões em que criaram para você e outras tantas que você mesmo erigiu de forma divina.

Mas não há mais nada do que maya no mundo, volto a reiterar. Não se medita para sair do mundo, mas entrar em sua "brincadeira criativa" (Maha-Lila). Assim, tomar os conceitos yoguicos como a priori, ou seja, como condição inequívoca e absoluta para aquisição Bem-Aventurança/Kaivalya, é renegar uma ilusão (por exemplo, os dogmas cristãos em que você cresceu) e se converter às crenças do Yoga: acreditar que ser vegetariano, por exemplo, é condição sine qua non para alcançar a Beatitude. O Yoga se tornará as suas próprias jaulas morais e dogmáticas se não perceber o Yoga como uma "máquina de guerra" para abrir a sua própria clareira na floresta da sua vida..

Considerações finais

Então qual é a saída? A pergunta está sendo formulada errada, pois é um questionamento de quem percebe o mundo transcendente ainda. Quem busca a "saída" é o covarde que se amedronta perante a vida e espera a “salvação” e a "redenção dos pecados" com medo do julgamento final (ou Karma que carregará na próxima vida - versão do pecado entre os yogues tolos, convertidos ao mundo cristão no yoga, por isso tolos). Vivem, continuo, como se a Plenitude fosse um presente do Deus outsider aos mais afortunados: “aos que tiveram méritos na passagem por esse mundo de dor e sofrimento”, bradam os conservadores/sacerdotes de ilusões. Na verdade do nomadismo do Yoga, sendo Deus imanente/Insider e o mundo em constante mutação, pois é criado, destruído e recriado novamente, a pergunta mais correta[12] seria: qual a saída para a minha angústia/dor/sofrimento que eu devo criar (e parar de buscar) agora? Quero me tornar um revolucionário de ilusões: o yogue que se caracteriza pela inovação, pela originalidade, pela possibilidade de renovar os padrões estabelecidos, e ousado.

Yogue tolo pergunta (em desespero, rindo de nervoso): "E as respostas já erigidas pelos “grandes” gurus que já existiram?" Sem dúvidas, desenvolveram excelentes narrativas, ficções, mayas para eles e os seus, talvez.

Mais uma vez, ele pergunta ressentido agora: "Mas as religiões/espiritualidades não são universais?" Sim, mas para os que se converteram ao Deus único, pois a eles só existe uma verdade e realidade. Por isso que muçulmanos e cristãos travaram a Guerra Santa[13]. Aos yogues nômades livre-pensadores/anti-plenitude e não se converteram a um Deus transcendente mas ao imanente, há vários (ou nenhum) [deuses]; pois, consequentemente, haverá sempre uma infinitude de realidades e verdades a serem descobertas e desenvolvidas.

Para buscar definir melhor a ideia proposta neste ensaio, pense na concepção do eterno retorno, e aqui também serve o da transmigração das almas (“reencarnação”). Você pode encarar essa narrativa [eterno retorno do mesmo] como uma verdade absoluta pertencente a uma perspectiva da realidade absoluta e transcendente, e aí você “realmente” desenvolve uma convicção que poderá voltar com alguma característica "sua"/única/"essência", literalmente. Essa é uma possibilidade. E vamos nos aprofundar um pouco mais nela. Se algo em você consegue, realmente, retornar a vida é porque essa coisa é imortal. Mas essa coisa imortal, é você! Sendo imortal, pensa comigo, você não pode ser parte de Deus, mas apenas Sua “imagem e semelhança”.

Não há como ser parte do Divino e, ao mesmo tempo, ser imortal. Ser imortal pressupõe que não há retorno, pois volta a ser o que você sempre foi: Deus. E se você é apenas parte D’Ele então, és imperfeito; pois perfeito apenas Ele, o Criador. Sendo imortal, parte D’Ele, e imperfeito, você será eternamente passível de erros, ou seja, um pecador ontologicamente falando na linguagem monoteísta cristã. A construção lógica está correta. Você não é Deus, mas uma "centelha divina", ou seja, partícula ígnea ou iluminada que salta de um corpo [Deus transcendente] em brasa; fagulha, faísca. Dito de outra forma, para ser perfeito em si-mesmo, portanto, “Pleno”, você precisa ser Deus e não parte ["faísca"] D’Ele. Deste modo, a perspectiva yoguica de Plenitude (aquela que advém da filosofia não-dual de Shankara ou Espinosa, por exemplo) só faz sentido lógico se você for parte Dele mesmo (Deus imanente). Mas para ser o próprio fogo e não apenas sua fagulha, deve-se um dia morrer de corpo e mente/alma (e sem trocadilho: o fogo se apaga ou retorna para a fogueira - para manter a metáfora). Assim sendo, a cosmologia imanente da vida, pressupõe morrer por “inteiro” e a coisa imortal que você se imaginava ser, é maya também, e se extingue junto na finitude do seu corpo e mente/alma, voltando a ser, o que sempre foi, Deus; este sim imortal, Perfeito e etc. Como entidade viva e parte do Deus/Natureza imanente[14] você (e todas as suas criações) voltarão um dia para Deus/Natureza, que é o Todo.

Voltando agora a nossa perspectiva do Eterno Retorno, mas agora sob o ponto de vista do nômade imanente - o próprio Deus em bicho humano -, você e eu (e o curió) tem o próprio poder criador e destruidor de Deus em si – Plenitude é isso ao nomadismo do Yoga. Então, o que você faria se soubesse que retornaria eternamente para este mesmo ponto da sua vida que está agora, lendo essas linhas? Você mudaria algo? Pois observe, não existe na imanência um Ser outsider que resolverá esse problema: não existe destino, anjos, entidades ou qualquer outro intermediário divino[15]. Não há um outro mundo melhor, por isso não existe com quem (e por quê) se lamentar, ressentir-se ou buscar purificar corpo/alma na espera de um Outro mundo. Só há esta realidade (Samsara) se repetindo, se repetindo e se repetindo outra vez. Talvez, se a sua vida estiver muito bem e lhe alegrando e aumentando a sua potência de vida, não empreenderá grandes esforços revolucionários. Entretanto, pelo contrário, se você estiver agora infeliz, miserável e pensando em abreviar a sua própria existência - não resolverá muito partir daqui, pois não há um ali paradisíaco lhe espera(ndo).

Demore-se um pouco mais na ideia do eterno retorno com a imanência ainda ecoando em seu peito, pernas e fígado e todo esse "corpo sem órgãos" que criaste (ou foi criado para você). Perpetue-se com a ideia do eterno retorno; você “acordará” infinitas vezes neste exato momento, lendo ou me ouvindo infinitas vezes. Posso arriscar que, se mergulhar de cabeça nessa imaginação, poderá se angustiar por alguns minutos, horas e até dias ou meses, mas não terá outra saída (trilha a percorrer) do que encontrar uma solução criativa/intuitiva de transformar imediatamente a sua vida (árvores a derrubar, ervas a queimar e uma clareira a abrir com as suas próprias mãos). Em outras palavras, observar comportamentos nefastos, se distanciar talvez de algumas pessoas (buscar recolhimento e solidão) que lhe afetam de forma indesejada/infeliz (removem a sua potência de viver e criar) e mais um milhão de possibilidades. Mas entenda, só você poderá empreender êxito nesta análise pessoal. Precisará desenvolver um acurado discernimento de si-mesmo e da influência dos outros sobre seu corpo e mente/alma. Desta feita, o Yoga de Shiva (deus da destruição/Insider) se aproxima muito mais do Deus dos nômades imanentes do que o Deus outsider dos convertidos transcendentes que erigiram uma receita moral do bem-viver - tanto para eles quanto para um ameríndio guarani e um maori?

Os yogues nômades anti-pletnitude serão, necessariamente (não há outra saída), impelidos a agir (relembre mais uma vez de Arjuna no Gita). Já os convertidos poderão agir, mas também a esperar ou até a aceitar as condições “absolutas”, ontológicas, a priori, do “destino”, de Deus que acreditam no fim, por toda as tristezas ou alegrias da sua vida, entregando-a na esperança (resignação) de dias melhores - que não virão (se o mundo “verdadeiro” for o imanente). É uma aposta, volto a repetir pedagogicamente, que você sempre perde se não agir agora.

A Plenitude, portanto, pode não estar (apenas?) em alcançar uma compreensão “divina” e não mais “sofrer”. Essa concepção de espera e resignação tem produzido muitos “gurus-yogues” a adotar fala mansa e se fantasiar de sacerdote indiano (cospaly) a discursar em nome do Deus da transcendência, mas que não habita o panteão plural yoguico. Eles veem convertendo yogues em avidya (ignorância espiritual) e não em ananda (Plenitude/Bem-Aventurança) como se fosse o Deus da imanência.

Não, kaivalya é compreender a dança de Shiva como uma “brincadeira cósmica” (Maha-Lila) - repito propositadamente como recurso de um professor do oprimido que não teme e é ousado. O Deus nômade da imanência, como representado em Shiva aos yogues, quer convidar você não a esperar (derivação da teologia transcendente com base moral na esperança) um mundo que não existe, um mundo de castigo e punição e que reprime para não produzir criadores por temer o pluralismo.

“Ah!” – bradam os adoradores do deus absoluto/transcendente que promete a liberdade/salvação em outro mundo – “mas aí, vira um caos, pois cada bicho humano poderá fazer o que quiser!”. Leia-se, tenho medo dos meus instintos desejosos, agressivos, medrosos e arrogantes – em suma, do meu e do seu corpo, por isso o reprimo e o castigo quando me desobedecer - seja praticando as mais austeras práticas de asanas e kriyas até ajoelhar no milho orando a Deus. Todavia, não há porque temer o corpo/mente e seus desejos, se é tudo o que temos e vem de Deus Imanente o que somos. E, se somos partes d’Deus, qual o receio de fazer a Sua vontade?

Neste ponto da leitura, os moralistas, adoradores do Deus outsider protestam mais uma vez com lábios trêmulos e contraídos: “Só há uma realidade e, não sou eu que falo isso, mas é a tradição que fala através de mim”. Sim, neste ponto acho que todos que chegaram até aqui concordam também. Sim, você, yogue convertido e adorador do Deus transcendente, não consegue (não se sente autorizado, seria melhor empregado a palavra) falar por si mesmo, pois teme o seu corpo/mente, pois o subjuga e, por causa da repressão, condena os libertos e se sentem culpados por não conseguirem “segurar a carne” - "cavalo" ou o "aparelho", diriam outros.

Entretanto, os nômades yogues livre-pensadores e conhecedores dos corpos e almas/mente como parte Dele, não reprimem as suas forças criadoras e as canalizam para a produção da arte, da filosofia, dos mitos em que vivem, do saber científico que publicam, da realização intuitiva na dança dos asanas com pranayamas... "nós não tememos mais o que somos (e nem condenamos a sua escolha de viver em stand-by perpétuo de outro mundo para ser “Pleno”), pois somos livres para (re)criar o mundo em que vivemos agora" - responde o yogue peregrino, um verdadeiro "Anti-Plenitude".

Quando se adota a perspectiva imanente (deuses Insiders) do universo no Yoga, não há nada a resgatar ou conservar (mesmo a Tradição/Igreja/Linhagem ou qualquer outra instituição em que vive), pois a existência só será Plena, quando Livre. E liberdade é algo que nós yogues nômades/malandros/marginais conhecemos bem, pois sabemos, assim como os "budas", que a vida é uma ilusão/maya, e quem criou fui eu, mas porque quis.

Notas

[1] A mensagem do bicho humano Jesus Cristo agora institucionalizada.

[2] Ontologia é um termo filosófico que significa mais ou menos, “nascemos assim”.

[3] Imanente, outro temo da filosofia que significa o que está contido na natureza e é possível ser captado pelos sentidos.

[4] Aqui, também pode haver conservadores do seu panteão, mas a possibilidade sincretismos e hibridismos será sempre maior. Se você transportar essa ideia ao panteão hindu teremos infinitas possibilidades de arranjo e rearranjo de verdades/deuses competindo entre si, ao contrário da Igreja Católica que há apenas uma versão da verdade.

[5] Ter consciência da Vida na imanência é ter certeza da morte, essa sim, um saber ontológico inexorável, pois saber que vai morrer mas não quando; pense, isso é bem aterrorizador.

[6] Que os fez, animais fracos que somos e desenvolvedores do estresse crônico.

[7] O medo por algo que eu não consigo localizar uma fonte.

[8] Na grande maioria, que inventaram na socialização primária quando ainda éramos crianças.

[9] Lembre que o vedanta advaita é a base filosófica para a espiritualidade Hatha-Ioga nascer e elegeram Shiva como seu deus representante: andrógino (metáfora que dispensa muitas explicações da plenitude) e símbolo da destruição (o seu mito o representa coberto com cinzas dos mortos pois venceu o medo da morte e, portanto, renasce sempre).

[10] Repito propositadamente de forma didática, por compreender deus imanente – não fora do mundo, mas comparte da casca de uma árvore ao veneno de uma cobra.

[11] Designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança (p.ex., ele tem uma vontade de ferro, para designar uma vontade forte, como o ferro).

[12] Sob a perspectiva imanente, onde você e tudo o mais que existe aqui é parte de deus que é o todo – para ser mais claro, você é parte de deus.

[13] Claro que houve motivos não-espirituais a isso, mas a mola propulsora estava na predominância da minha verdade/realidade sobre a sua – que só poder ser mentira.

[14] Assim, morrem também qualquer elemento/parte “sua”, como mente, ego, consciência e todas essas narrativas ocidentais psicanalíticas e psicológicas científicas – que são mais um ordenador de realidade: psicanálise e ciência.

[15] A não ser os narrados criativamente para resolver nossos mais diversos problemas de forma criativa.

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