O que buscarei demonstrar com as próximas publicações (uma série de textos ao longo dos próximos meses, todo dia 13 de cada mês), é apresentar todo o meu trabalho acadêmico desde o meu mestrado até o meu pós-doutoramento em meados de 2019. A partir deste ensaio aqui, vocês terão a oportunidade de entrar em todo os caminhos e descaminhos em busca de compreender melhor o Yoga e a sociedade brasileira. Para isso, início na Índia da virada do séc. XIX até a chegada do primeiro swami aos EUA e a chegada do yoga, como expressão bastante nebulosa nos países latino-americanos. Boa leitura e divirtam-se!
RESUMO
Buscou-se aqui apresentar a história e as influências dos primeiros personagens da yoga em América latina, pois existe uma lacuna de pesquisa acadêmica sobre a yoga latino-americano entre os anos de 1900 e 1950, quando ainda não havia nenhum yogue indiano no continente. Este isolamento, em vez de adiar o advento da religiosidade yoguica, trouxe problemas e soluções que cinco figuras-chave procuraram responder, oferecendo uma certa singularidade ao estabelecimento de yoga latino-americano. Os personagens Katherine Tingley, Cesar Della Rosa, Leo Costet, Serge Raynaud e Benjamin Guzman são os principais precursores do yoga, pois foram os primeiros a introduzir, à sua maneira, o yoga em terras latino-americanas. Mas, ao contrário de europeus e norte-americanos que, no mesmo período histórico, receberam suas primeiras instruções do Yoga das mãos dos próprios yogues indianos, os latino-americanos criaram suas próprias explicações sem instruções de yogues legitimados pelas grandes escolas indianas. Aproximações do Yoga com religiões de matriz africana e católica como a Umbanda, ou amazônica como o Santo Daime por exemplo, possuem suas origens entre os latino-americanos.
INTRODUÇÃO
O foco da pesquisa foi investigar uma espiritualidade transplantada da Índia em terras latino-americanas: o Yoga. Contaremos a história do yoga sob outra perspectiva, que não é nem a do seu valor terapêutico ou nem de sua “cientificidade” moderna. Interessa-me o amplo aspecto “humano” do yoga no Brasil: sociológico, histórico e antropológico na ciência da religião, muito mais do que o biológico ou epistemológico de suas escrituras sagradas. O conceito “brasileiro” do yoga, como aqui denomino, está embebido do sincretismo e hibridismo do Brasil. O Yoga Brasileiro traz consigo o valor espiritual do país de, mesmo em condições desfavoráveis, conseguir extrair o melhor que pode do pouco ofertado. A pesquisa se concentrou, sobretudo, com a espiritualidade do brasileiro adepto ao yoga, com todos os seus sincretismos e paradoxalidades.
Mas essa “singularidade” do Yoga no Brasil pode vir a server de cadinho para se compreender a transplantação do yoga de forma diversa, multiforme e ajudar a outros pesquisadores do tema ampliarem a ótica do yoga como um verdadeiro fenômeno religioso moderno e não apenas um “desdobramento” do Hinduísmo pura e simplesmente. O yoga no Brasil, por exemplo, mesmo sem nenhuma influência hinduísta de importância no país, conquistou contornos próprios, singulares. Por mais que discursos yoguicos pelo mundo busquem unificar seu saber como pertencente a uma única tradição, isso não é totalmente verdade. O yoga brasileiro, assim como em outras partes do planeta, sofreu influências e se adaptou a diversas culturas, sociedades e períodos da história.
Atualmente, dentre outras influências, o yoga latino-americano dialoga com a ciência biomédica, o movimento religioso nova era e a educação física desde o final do século XIX. Algumas pesquisas apontam, inclusive, uma nova tipologia de yogues nascendo, o que indica inovações sobre o papel do yoga em sociedades modernas. Mas isso não significa que o yoga venha perdendo a sua espiritualidade ou desencantando-se no encontro de sociedades seculares. Demonstrei que os yogues souberam transformar o discurso do yoga indiano antigo para um discurso ao mesmo tempo que, embebido de científico não se furta de dialogar com as religiões brasileiras. Essa composição, difusa e nebulosa para um outsider, não “profana” o yoga, pelo contrário, o enriquece e permite pensarmos em um Yoga brasileiro. No Brasil, desde os anos de 1960, expressões católicas, espíritas, daimistas e umbandistas vêm se integrando (e emprestando concepções cosmológicas) aos yogues brasileiros. E este é o ponto nevrálgico da pesquisa: o yoga no Brasil vem produzindo sincretismos e bricolagens mas, em vez de nos preocupar com as transformações para o yoga dessa dialética, identificamos as transformações em processo aos brasileiros com a perspectiva espiritual do yoga. Parte da religiosidade brasileira vestida com a “pele” yoga, revela matizes da sua própria natureza.
O que é o Yoga moderno?
O Yoga moderno, antes um dársana ou “escola filosófica” de viés religioso” hinduísta ortodoxa, parece, à primeira vista, revelar-se um misto de terapia biomédica e aula de ginástica; em que a ciência, mais do que qualquer outra instituição, mostrase legitimadora do seu discurso em núcleos sociais modernos (ver ALTER, 2004). A inclusão do ioga pelo Ministério da Saúde brasileiro em seu Sistema Único de Saúde (SUS), e debates que acontecem sobre o papel do yoga como prática médica nãoconvencional (SIEGEL, 2010) são exemplos dessa busca da “desmitificação” e “desespiritualização” do yoga. Ou seja, tornar o yoga de origem metafísica desde a sua primeira sistematização por um brâmane hinduísta na Índia do século II a.C., em uma perspectiva quase que materialista histórica.
A esta altura, seria lícito supor um yoga sendo praticado destituído de suas singulares características espirituais, como ocorreu com a acupuntura; haja vista a difusão indistinta de fundamentos antigos ioguicos com outras espiritualidades novaeristas. Percebe-se claramente a inclusão dos seus ritos corporais em laboratórios científicos e hospitais, ou seja, em ambientes totalmente laicos e seculares. No entanto, não é isso o que vem ocorrendo. A Ciência vem influenciando mais o yoga do que apenas a ressignificação simbólica dos seus preceitos metafísicos em termos da sua anatomia e fisiologia convencional. Digo isso, pois durante a minha pesquisa de doutoramento constatei que yogues e praticantes o quanto do discurso yoguico não perdera a sua essência espiritual/religiosa. Mais do que isso, o discurso yoguico moderno havia se modificado (ou adaptado) sensivelmente.
No primeiro momento, uma espécie de fase zero de transplante do yoga indiano, a fisiologia sutil do yoga por exemplo ganharam contornos da fisiologia biomédica. Entretanto, outra transformação se desenhava a essas ressignificações fisiológicas: os klesas, a grande causa do sofrimento humano para os yogues, não pareciam mais advir dos comportamentos associados a clássica teoria espiritual que identifica a raiz do Mal/ignorância humanos nos comportamentos de apego, aversão, medo da morte e orgulho. Os klesas, como concebidos entre os indianos antigos, não pareciam mais pertencer ao discurso espiritual dos yogues brasileiros. Os yogues brasileiros, de forma adaptativa, forneceram um novo sentido à fonte do Mal do yoga indiano. A ética yoguica entre os brasileiros, foi sendo transformada em novas narrativas espirituais.
Novas narrativas religiosas do yoga moderno
Ao contrário do que se apregoava antigamente, os yogues modernos no mundo manifestam, modernamente, maior interesse na aquisição de saúde, estética e bem-estar do que reverenciar algum tipo específico de ética e moral religiosa, conduta espiritual de culto a Deus ou a qualquer outro valor ao espírito (ALTER, 2004). Estudos mostram, inclusive, que as diferenças que caracterizam a passagem do yoga antigo para o moderno reside na sua medicalização e na popularização dos seus ritos corporais em técnicas laicas de combate ao estresse (DeMICHELIS, 2008, p.23–27). O mais paradoxal a um cientista da religião é acompanhar os estreitos laços estabelecidos entre o yoga e a biomedicina sem, todavia, incorrer na perda total do seu cariz espiritual.
Em uma pesquisa realizada em Londres, em 2002, com 750 praticantes de yoga, descobriu-se que 80–83% desses yogues compreendiam as suas práticas tanto como auxiliares no combate ao estresse e demais doenças mentais, como ansiedade, depressão e transtorno de atenção, quanto na experiência igualmente válida de uma vida espiritual plena. A autora dessa pesquisa, pelo contrário, chegou a classificar o yoga moderno como uma religião mística (NEWCOMBE, 2005); e místicos, como se sabe, são pessoas que estabelecem uma relação direta com Deus sem a necessidade da intermediação de sacerdotes ou escrituras. Os místicos são os que alcançam o conhecimento espiritual de sua religião sozinhos; e os yogues agora estão sendo classificados como místicos, mas em vez de cavernas úmidas, meditam dentro de ressonantes magnéticos dos mais modernos laboratórios universitários. Parece um contrassenso, pois a Ciência surge como área do saber justamente para desmistificar!
Qual a relação que poderia vir a existir entre doenças mentais advindas do estresse e o conhecimento religioso? Essa demanda a pesquisadora não incluiu em suas perguntas, mas as suas descobertas ganham mais sentido quando expomos a tradição yoguica investigada por ela: B.K.S. Iyengar. Iyengar é um dos líderes de yoga moderno mais populares e respeitados do mundo, sobretudo nos países da Europa e Estados Unidos. Segundo ele, vejam só: “a pessoa indisciplinada é alguém sem religião; a pessoa disciplinada é religiosa; a saúde é religião; a doença é falta de religião” (IYENGAR, 2001, p.38). O seu discurso associado à nossa argumentação até aqui nos leva a concluir a existência de uma estreita relação se estabelecendo entre a biomedicina e a religiosidade do yoga moderno.
Medicalizar o yoga, atribuindo a ele associações como atenuante do estresse, foi a porta que se abriu para os yogues modernos difundirem as suas convicções espirituais entre a sociedade ocidental. No Brasil, não obstante, temos o yogue conhecido por Prof. Hermógenes, o mais conhecido e carismático do país, que conquistou notoriedade e respeito aliando a medicalização das práticas yoguicas com propostas cristãs e do espiritismo brasileiro. E como o Prof. Hermógenes mesmo afirmava, o seu intento estava em difundir a saúde física e mental em busca da “autoperfeição pelo hatha-yoga”. O yoga brasileiro, portanto mais popularizado entre as décadas de 1960–2000 foi uma terapia espiritual para “nervosos” (HERMÓGENES, 2010; 2011).
Talvez a medicalização do yoga, como se viu na pesquisa londrina e nos livros do Prof.Hermógenes seja uma tendência mundial e não apenas brasileira. No entanto, outro personagem entre os brasileiros cresceu em paralelo ao de Hermógenes. O Mestre DeRose, como ficou popularizado, é um outro importante yogue brasileiro e contemporâneo ao Prof.Hermógenes. O interessante é que a sua narrativa religiosa yoguica cresceu absolutamente equidistante, podendo afirmar até mesmo rivais e concorrentes. Enquanto a narrative yoguica hermogeana, como apresentamos, cresceu pautada na biomedicina e aquisição de “combate ao estresse”, DeRose construiu um discurso yoguico para aumento da “performance e bem-estar”. O yoga de Hermógenes se afirma “terapêutico” e plural (para todas as pessoas, independente do gênero, idade e nível de saúde, e o yoga deroseano se posiciona para jovens (predominantemente) homens e saudáveis. Dessa forma, o Brasil (e a América Latina como um todo) pode ser um “laboratório” para se estudar as transformações da transplantação do denominado Yoga Postural Moderno e que foge dos estudos europeus e norte-americanos (SINGLETON, 2010; JAIN, 2014).
OBJETIVOS
Objetivo geral
Caracterizar o yoga como um novo fenômeno religioso desvinculado do Hinduísmo, mas aproximando-se das religiões nativas da América Latina, assim como não poderia de ser, com o Cristianismo, mas também com a Ciência Biomédica. Buscar diferenciar alguns aspectos do yoga latino-americano da transplantação yoguica em outros países, fora deste contexto geográfico, portanto, político e econômico e social.
Objetivos específicos
Traçar a história do yoga na América Latina e as suas etapas de transplantação religiosa;
Identificar os principais agentes religiosos de cada uma de suas fases históricas, assim como as influências destes, na constituição do Yoga no Brasil;
Comparar as influências destes primeiros agentes religiosos do Yoga Latino-Americano aos yogues das gerações posteriores, sobretudo, Prof.Hermógenes, Mestre DeRose e Prem Baba no Brasil.
Determinar as construções narrativas destes 3 personagens yoguicos brasileiros na geração posterior e atual contexto religioso do Yoga no país.
Desvelar a partir disso, o diálogo que os yogues brasileiros estabelecem com sociedade buscando encontrar seus espaços de fala no campo social religioso do país.
ATIVIDADES REALIZADAS
Participação em Congressos
- Boston Annual Meeting 2017 – American Academy of Religion
- XIX Jornadas sobre alternativas religiosas en América Latina: “Itinerarios y nuevas cartografias religiosas en América Latina” que aconteceu entre 14-17/11/2018, Santiago - Chile, com a apresentação “Ioga como uma nova religião no Brasil: Yogaterapia de Hermógenes, Swásthya Yôga de DeRose e o Awaken Love de Prem Baba” no GT6. Religiones oriundas de la India y el Extremo Oriente en América Latina.
- XVI Congresso Internacional de ALADAA: Las nuevas fronteras de la interculturalidade: Asia y África desde América Latina que aconteceu entre 01-04/08/2018, Lima – Perú, com a apresentação “As raízes do Yoga na América Latina”.