top of page
Prof.Dr.Roberto Simões &

Imposturas do Yoga BR (parte 2)


Discussão

Resultados da Pesquisa

Meus primeiros passos na Ciência da Religião sempre foram um tanto quanto incertos, cautelosos, trôpegos até em muitos momentos. Sem saber muito bem por onde seguir, como não poderia ser diferente, fui tateando áreas afins ao meu conhecimento, como a fisiologia, o yoga, a sociedade brasileira e a filosofia do corpo. Deste modo, desde o mestrado trilhei um caminho que envolveu os aspectos funcionais do corpo, como as experiências sensoriais e perceptivas das práticas rituais religiosas e seus reflexos no comportamento de seus adeptos. O movimento religioso Nova Era, pela sua proximidade com o proselitismo yoguico, sempre esteve muito associado de minhas investigações, mas a difícil identificação e delimitação do “nova era” me fez obrigado a adentrar com mais enfoque na sociologia da religião para compreender os atores sociais do yoga e suas construções narrativas, formação de novos mitos, ressignificação de suas antigas escrituras, o surgimento de novas comunidades, a subversão e reação frentes as transformações inevitáveis de seu núcleo. Por consequência, presenciei a geração de novas experiências e novos hábitos coerentes aos espaços públicos e privados em que o yoga foi sendo apresentado desde a Índia hinduísta até aos bairros mais abastados de São Paulo e demais metrópoles brasileiras. Mas um fato gerava curiosidade em mim como pesquisador, por que o yoga não prosperava em bairros periféricos e economicamente desprovidos?

Os resultados do pós-doutorado, consequência legítima do meu mestrado e doutorado, identificou os primeiros atores sociais religiosos que compuseram e influenciaram outros tantos novos agentes que iriam formar o campo social religioso yoguico brasileiro. Esse campo religioso era já totalmente desvinculado do hinduísmo, o que, por consequência, erigia instituições/métodos/escolas ou organizações religiosas (ou Igrejas Yoguicas) nativas do yoga (como o Awaken Love, o Swasthya Yôga, a Yoga Restaurativa e a Yogaterapia, por exemplo), assim como, esse campo religioso yoguico em andamento, importava instituições de yoga modernas diretas da Índia (como o Asthanga Vinyasa Yoga, o Iyengar Yoga, Kaivalyadhama, dentre tantas outras). Outro fenômeno oferecido, em decorrência dessa institucionalização religiosa do Yoga brasileiro, foi a chegada (mais recente, por volta de 2010) do Sikhismo (Kundalini Yoga da 3HO Brasil) com características de Yoga mas elementos fundantes da religião sikhi.

Identificamos também que as ações dos primeiros personagens yoguicos na América Latina, entre os anos de 1900-1960, formaram as bases da inclusão do yoga/meditação nas escolas e métodos de ensino voltados para a atenção plena e a importância do “relaxamento” no aprendizado e diminuição de sintomas psicológicos como ansiedade e depressão. Além disso, a inclusão do yoga/meditação no sistema único de saúde, como terapia alternativa ou integrativa-complementar à medicina convencional, já havia sendo experimentado entre os primeiros yogues. Outra característica advinda dessa primeira fase de transplantação do yoga na América Latina (entre os anos de 1900-1960) e, muito comum hoje, foi a disseminação em larga escala das “escolas/estúdios de yoga/meditação” – que viriam a ser, algumas delas, novas “igrejas yoguicas’, como o Swásthya Yôga e o Awaken Love, como veremos. Essa inovação foi contemporânea a mesma estratégia proselitista que os indianos implantaram, quase no mesmo período histórico na Índia e outros países, mas aqui, pelo contrário, dispensava os yogues indianos, pois foi sendo realizado por europeus e um yogue chileno.

Serão, portanto, essas instituições/igrejas yoguicas, como a Igreja Expectante, no Rio de Janeiro, do yogue francês Leo Costet ou Swami Sevananda, e o Grupo Independente de Estudos Esotéricos - que mais tarde incentivará a formação da Escola Internacional de Yoga no Uruguai e demais países sul-americanos -, do yogue francês Swami Asuri Kapila ou Cesar Della Rosa, que podem ser consideradas propulsoras das inúmeras escolas de yoga que presenciamos hoje no país.

O último ponto a salientar entre os resultados da pesquisa reside nos caminhos criativos que os yogues descobriram para legitimar um darsana (lit. ponto de vista ou perspectiva filosófica) da religião hinduísta, o Yoga, numa sociedade sem nenhum conhecimento da sua religião base, e possuindo o cristianismo como sua religião dominante. Para ser mais claro, foi necessário uma grande engenharia teológica para legitimar o yoga, advinda de uma sociedade dominada por um ponto de vista religioso politeísta (Índia), ser aceito num coletivo eminentemente monoteísta cristão, como entre os latino-americanos. Especificamente no Brasil, o difusor do yoga foi o francês Leo Costet que conseguiu, apresentando uma narrativa yoguica apocalíptica de surgimento de uma “nova raça de humanos”, difundir os princípios e práticsa hinduístas numa roupagem cristã, onde Jesus Cristo, por exemplo, era considerado um yogue perfeito e também “terapeuta holista” – por influência dos escritos essênios, segundo o próprio Costet.

O yoga no Brasil vem, mesmo aos mais desavisados sobre o assunto yoga no país, ocupando cada vez mais espaço nos campo públicos brasileiros, como escolas, hospitais e até nas universidades. Mesmo ainda de forma incipiente e obscura, entretanto, por vezes buscando um discurso laico e secular, o yoga conquistou terreno no campo social religioso e seus atores sociais aumentam em números expressivos no Brasil. Podemos afirmar que, desde o início do yoga no Brasil, por volta de 1940-50, com a fundação da Igreja de Leo Costet, o yoga, sem nenhum tipo de aspas ou receio em afirmar, é um novo fenômeno religioso no país com suas próprias experiências, comunidades distintas, vem consolidando suas próprias escrituras e um sistema de atos rituais bem singulares.

Há inclusive, como adiantamos anteriormente, instituições genuinamente brasileiras e outras transplantadas da Índia, e de outros locais do mundo. Todas elas (as instituições) com seus próprios líderes religiosos atuando no campo social religioso do país. Estas instituições do yoga, aventei, são mantidas por um conjunto de 4 elementos que as constituem em similaridade, numa espécie de estrutura-estruturante, como as denominei em meu doutoramento e me aprofundei nesta pesquisa ao longo das minhas produções e cursos proferidos: 1) Cursos de formação de novos adeptos, responsáveis a divulgar os princípios religiosos destes líderes e se tornando atores sociais proselitistas dos princípios de seus líderes; 2) Promoção de viagens/peregrinações a “locais sagrados” que auxiliam na legitimação da instituição yoguica em que fazem parte ou apenas “frequentam/praticam” (ou simpatizam); 3) comercialização de produtos religiosos do yoga, que variam desde camisetas até workshops e retiros religiosos; e, mais recentemente, a 4) Produção de grandes “eventos” como o Yoga Pela Paz ou o Congresso Carioca de Yoga, dentre outros, todos voltados na busca de expandir a cultura religiosa do yoga entre os brasileiros.

bottom of page