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Foto do escritorPhD. Roberto Simões

Imposturas do Yoga BR (parte 4)

Atualizado: 12 de mar. de 2020


Questões Teóricas

Como o yoga moderno é um fenômeno religioso dentro da Ciência da Religião brasileira com poucas pesquisas, meus interlocutores reduzem-se sobremaneira. O lado pioneiro das investigações, que fomenta o ar “bandeirante” em desbravar novos territórios, esbarra rápido em autores que pesquisaram (e pesquisam ainda) um yoga que já não existe mais; me refiro aqui a Mircea Eliade, George Feuerstein e Henrich Zimmer, todos historiadores que estudaram o yoga indiano, ou seja, um yoga que não havia ainda saído do dossel hinduísta. Os colegas contemporâneos, e herdeiros dessa primeira vertente de pesquisa histórica, pode-se destacar os ingleses Mark Singleton e James Mallinson, dentre outros. Podemos considerar o esforço de todos eles a busca de um certo yoga não corruptível pela modernidade.

Os segundos interlocutores são os cientistas que possuem como grande objetivo a tradução e/ou interpretação das escrituras do yoga de sua língua original (como o sânscrito e o páli, por exemplo) ao português. Por isso os denomino de “exegetas do yoga”. Assim como os primeiros pesquisadores em busca do “elo perdido” do yoga, os cientistas-exegetas possuem certa verve idealista em resgatar a essência esquecida/perdida (na modernidade) do yoga antigo.

Contudo, existe também uma terceira categoria de cientistas que são os biomédicos-terapeutas. Estes fixam seus olhos única e exclusivamente em comparar os resultados fisiológicos orgânicos das práticas do yoga/meditação para a prevenção e tratamento de doenças. E aqui, temos a maior gama de pesquisas, compêndios e livros publicados sobre yoga/meditação e fomentam, sem sombra de dúvidas, a maior atenção da sociedade em geral no qual o yoga/meditação encontrou meios de prosperar como um novo fenômeno religioso. Volto a reiterar, os agentes religiosos e todos os demais atores sociais do yoga, legitimam suas crenças, ressignificam suas doutrinas, encontram elementos “explicativos” de suas experiências e comungam em comunidades, a partir dos resultados dessas pesquisas científicas e das traduções e interpretações das suas escrituras. As pesquisas científicas (biomédicas e exegéticas), mais do que o Hinduísmo, reforçam a “realidade” do yoga nas sociedades modernas.

Todas as três perspectivas investigatórias do yoga foram e são de suma importância. Contudo, entendo ser lícito considerar que enveredamos aqui nesta pesquisa por uma quarta via de análise científica. Uma via que denomino de “humana”, por considerar os aspectos históricos também como os primeiros, se utilizando da “exegese” dos segundos e, como não poderia de ser, das análise minuciosas da biologia, mas a diferença reside na ampliação da interpretação de todos esses dados considerando a sociologia, a antropologia e inclusive a fisiologia “sutil” ou religiosa do yoga. Essa perspectiva das humanidades sobre o yoga percebe-o real e não ideal; não há uma esperança de retorno ou esforço em “limpar” a contaminação moderna do yoga contemporâneo. O yoga que hoje vive e se dissemina é o próprio objeto de investigação objetivo e subjetivamente existindo no corpo e alma de todos os seus devotos/praticantes/adeptos-da-rua.

Deste modo, fomos buscar inspiração em Durkheim na sua questão da religião como fator de coesão social (em As Formas Elementares...) e interlocutores modernos como Andrea Jain (2014) que trabalham sob esse ponto de vista com o yoga moderno. Jain apresenta em seu livro Selling Yoga uma crítica a Singleton (2010) por essa busca imaginária de um yoga perdido em algum momento da história. Jain mostra que sim, o yoga atual se distanciou de sua raiz hinduísta e sofreu sincretismos e hibridismos na sociedade capitalista, mas segundo a pesquisadora, foi imprescindível essa aproximação para o yoga manter-se vivo e munido de sentido a um novo coletivo. O que complemento aqui, algo ainda não investigado é a mudança de características políticas, econômicas e religiosas da sociedade em que o yoga foi transplantado da virada do séc.XIX ao XX. O que pretendo aventar está não apenas da mudança da Índia para os EUA ou Europa em que o yoga foi transplantado, mas da singularidade de sociedade em que ele sofreu, pela primeira vez na sua história.

O yoga sempre sofreu transformações e contato com diversas outras formas religiosas. Na sua história indiana, o yoga sofreu ressignificações filosóficas advindas do Samkhya, Jainismo, Islamismo, Tantrismo, Budismo, obviamente do próprio Hinduísmo, e mais recentemente do Cristianismo. Todavia, os yogues sempre viveram sobre o regime social do modelo imperialista. O modelo social imperial é marcado, segundo Delleuze e Guatarri (2017, p.185-360), pela figura do déspota e da sobrecodificação e a desterritorialização dos seus indivíduos. O yoga, antes uma prática de caráter muito mais mágico (segundo a denominação de Weber, ou seja, que estabelece clientela e não adeptos/discípulos) no seu período histórico antigo. O período histórico antigo do Yoga é marcado por tribos semi-nômades e agrícolas no que nomeamos hoje como Índia antes de 2500 a.C. A transição de sociedades primitivas para sociedades urbanas organizadas no modelo de Estado imperial, inicia-se com as cidades de Harappa e Moenjodaro, por volta de 2500 a.C., no Vale do Indo. A partir daqui (2500 a.C.) até a saída dos britânicos (1947 d.C.), o Yoga ainda passou pelas civilizações imperiais védicas, máurias, aquemênidas, alexandrinas, nandas, todos os impérios da era clássica indiana dos anos 322 a.C. até a ascensão e queda do império Gupta (séc.IV-VI d.C.), além do surgimento dos impérios Chola e Rajaputros até as invasões islâmicas e a consolidação do império Mongol que sucumbe aos impérios Marata e Panjabe, até a estabilização do império britânico que coloniza os indianos (e o Yoga) até, como dissemos, 1947.

Assim sendo, mesmo com um quase infinito número de atravessamentos pelo qual o Yoga passou por todos esses séculos de ascensões e quedas imperiais, o modelo social, entretanto, não mudou de um modelo social imperial. É possível, dessa forma, hipotetizar aqui a passagem de um Yoga Primitivo e vivido por selvagens onde seus indivíduos são “marcados pela terra” em caráter de familismo (Ibid., p.194-254). O Yoga Imperial, diferentemente da formação social primitiva, é consolidado pela presença do Estado e a figura do déspota; neste modelo social, portanto, é lícito pensar, sobretudo a partir da sistematização do yoga pelo livro Yoga-Sutras do sacerdote brâmane Patanjali e, não por acaso, pertencente a mais alta casta imperial védica. Dito de forma mais simples, o yoga antes selvagem é sobrecodificado pelos símbolos imperiais que homogeneiza como única – clássica, o Raja-Yoga, lit. Yoga Real ou Nobre. Dentro desta nova perspectiva que apresento aqui, aquele Yoga Selvagem (ou Antigo) é oficialmente “imperializado” quando considerado um dársana hinduísta (lit. ponto de vista ou perspectiva da religião hinduísta). Em outras palavras, Patanjali desterritorializa o yoga e o torna aceito pelo novo modelo social imperial que ele representa, e nós o repetimos até hoje, como O original ou primeiro.

O processo de desterritorialização das sociedades imperiais funcionam destruindo a singularidade das comunidades primitivas e homogeneizando suas formas de existir em protótipo imperialista que os tornam modelos a serem seguidos regiamente. Por isso que Delleuze e Guatarri denominam as sociedades imperiais em despóticas (DELEUZE & GUATARRI, 2017, p.255-287). O yoga que conhecemos como “clássico”, não por acaso ou encontros fortuitos, advém da sistematização despótica de Patanjali desde o séc. II a.C. No entanto, sabe-se que mesmo em sociedades imperiais/despóticas surgem fluxos descodificados que apontam linhas de fuga como vetores na contramão do modelo adotado pelo império (Id.).

Exemplos disso na história do yoga pode ser citado quando, por exemplo, do surgimento do Hatha-Yoga nas comunidades religiosas Nathas. Os nathas, como expressão religiosa descodificada sofre grande influência do budismo e suas críticas a estratificação das castas indianas. Além disso, a mística dervixe do islã apresenta aos hatha-yogues nathas que é possível estabelecer uma relação direta com Deus sem a necessidade dos sacerdotes (brâmanes). Outro fluxo descodificador que atravessa o yoga dos nathas é a versão não-dual do Vedanta de Shankara. Este filósofo não-dual védico possibilita o Hatha-Yoga compreender que sendo Deus/Isvara o Todo e nós modificações Dele, poderia-se legitimar o corpo, não como um empecilho, mas o meio para se consolidar em direção a comunhão com o divino.

Não é à toa que as escrituras hatha-yoguicas do período medieval indiano (possivelmente entre os séc.X-XI d.C.) tenham se aproveitado do forte apelo ao corpo com minuciosas descrições fisiológicas. Entrementes, o Hatha-Yoga dos Nathas, por ter nascido como fluxo descodificado (e sobrevivido, e não expulso da Índia como o Budismo) em uma sociedade imperial, volta a ser territorializado, ou seja, perde seu caráter singular e aprende a se enquadrar aos moldes despóticos imperial da Índia hinduísta. Dito de forma, os esforços em territorializar/singularizar o Yoga em sociedades imperiais sofrem revés e tendem a se tornar homogêneos e tradicionais, como um darsana hinduísta, como já adiantamos.

O ponto que pretendia chegar é justamente este: a relevância do Yoga dito Moderno não está no seu transplante puro e simples de uma geografia a outra (Índia aos EUA, América Latina ou Europa), mas na passagem do Yoga vivendo num modelo social Imperial a um modelo social Capitalista. Diferentemente dos modelos sociais primitivos e imperiais, o capitalista, visa o lucro/capital. Ou seja, não importa que se criem fluxos descodificados em modelos capitalistas. Na verdade até se estimula esse processo, contanto, porém, que estes sempre façam gerar mais capital ao Estado. Dessa forma, o Yoga Capitalista possui como objetivo último produzir lucro, e os yogues que vivem dentro do modelo social capitalista produzem, aniquilam e mantém bens de salvação no intuito de promover o acúmulo de capital/lucro. E aqui, fujo do maniqueísmo do bem-mal, moral-ético, tradicional-herético ou certo-errado, mas uma condição em que tudo (e as religiões se enquadram aqui) neste modelo social precisa ir ser adequando ao modelo social vigente (Id., p.295-347).

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