É, pois, mui difícil escapar dos aparelhos de captura, os Yogas-Estado. Mas compreendo também o medo que se forma (e encarna, e haveria outro jeito de sentir medo?) em corpos yoguicos trans-formados por yogares sedentários e sedentarizantes; e aqui brinco com a ideia das perspectivas transcendentalistas yoguicas lutando entre si em busca da razão ou verdade, mas aniquilando o diferente: não importa se duais ou não-duais, aos transcendentalistas só um pode conVIVER.
Entre yogins nômades o desejo não é de aniquilação do diferente, mas comê-los num banquete ritual. O outro não morre e nem aquele se torna replicante deste: é a vespa e a flor: yogas como aliados.
Sempre que ouço (e isso é mais frequente do que gostaria e mais próximo do que esperaria): "só há um yoga" ou que "há vários, mas a raiz é a mesma", me pego perguntando que ainda não está óbvio que o yoga-darsana de Patanjali, o yoga-natha de Goraksa, o yoga-aghori de Dattatreya ou o yoga-vedanta de Shankara (?) não são a mesma coisa? Eles diferem tanto entre si, como ainda resiste o delírio de serem iguais? Mas há sempre um: “mas a RAIZ é a mesma”. Eu espio no fundo do olho, e digo: "Você se refere as técnicas, aos conceitos, aos livros, a geofilosofia... qual raiz é a mesma?".
Essa suposta raiz e obsessiva busca do big-bang yoguico é pura especulação imaginativa. O que está por trás dessa contenda é fruto do próprio racionalismo que herdamos (nós, latino-americanos) de europeus colonizadores que visavam tornar tudo e a todos como eles (ou em espectros inferiores: um quase-eles). Entenda, nenhum yogin indiano (na verdade, penso que nenhum yogin mesmo) se preocupa com isso. A real “raiz do problema” (me perdoem o trocadilho) é o pavor das desintegrações estruturais que a falta de filiação replicante extensiva causa nos yogins sedentários e|ou edipianizados: o desejo em looping pela volta de um passado idílico que nunca viveram, uma espécie de “céu yoguico”.
Há uma paranoia na interpretação ao invés de experimentação dos pensamentos yoguicos. Os paranoicos (capturados pelo essencialismo: desejam Ser ao invés de vivenciar o Estar) e|ou neurotizados (capturados pela falta: desejam ser Plenos, temendo as oscilações do caos) pelos Yogas-Estado. Mais simples (talvez), estes imaginam necessitar, antes de qualquer coisa, mudar seu plano de consistência (e com isso seus nomes, se vestem diferentes, pintam bindus na testa, falam em línguas estranhas, cultuam deuses novos…) pois, removendo tudo o que são, passam a sentir Yoga. Mas sendo Nadas, percebem o vazio em que vivem, passando a desejar o que nunca serão, capturados estão agora.
Propomos algo diferente, não se desfazer do que se já é, mas, nesse Tudo que estamos Sendo, aliarmo-nos a um YOGAR para fazer passar algo novo, inesperado e reaprender a retomar o processo criativo da vida: nem vida de camelo que carrega os valores de outros nas costas, nem apenas se rebelar disso tudo na vida de leão, mas devir-criança. É uma mudança de paradigma experiencial e não intelectivo racionalizante de categorias normativas. Em outras palavras, vivenciar essa multiplicidade de yogares como rizoma e não raiz.
As capturas capitalistas do yoga estão mais próximas dos yogas-Estado do que os yogas-Aldeias nascidos de ventres yoguicos nômades, pois não se domina yogins em movimento, artesãos de corpos - corpos de yogins rebolativos, corpos de yogins restaurativos ou periféricos. Não é o caso também de imaginar os yogins dotados de uma neurofisiologia peculiar, todos nós possuímos a nossa, somos singulares por natureza - mesmo o mais sedentário dos yogins, é único. Se trata aqui dos modos que os conceitos yoguicos operam, sejam eles hinduístas, budistas, jainistas, do norte ou sul da Bahia, Tocantins, zona norte fluminense, sem ou com motrizes indianas. São infinitas as estéticas de existências yoguicas.
Essa perspectiva é mui diferente do que os yogins-interpretes pensam ser|estar. Não é uma questão em delimitar o que é ou não (o que pode ou não) ser considerado Yoga, mas dos conceitos que os diferentes yogins (aliados e não interpretes ou representantes de algum Yoga-Estado) formularam sobre o mundo, diferentes entre si.
Yoga é revoada de pássaros, você encontra seu contorno, mas não é fixo, enquanto os pássaros se movem constantemente, o yoga-revoada pode se desfazer a qualquer momento, abrindo outras linhas-de-fuga yoguicas ou não-yoguicas mas inspiradas em - veja o Pilates e os diferentes métodos de alongamento da Educação Física.
Cada yoga-pássaro é um yogar singular, mas que juntos são Yoga. Yogares-pássaro são modos ou linhas-de-força yoguicas. Existiriam bandos de yoga por aí, cada um agenciando yogares-pássaros novos?
Alguns yogas-pássaro podem morrer pelo caminho, ser devorado por um yoga-predador ou qualquer outra força da natureza; outros yogas nascerão e se juntarão ao bando, outros se acasalarão e gerarão novos pássaros (veja Iyengar e Jois e o próprio Krishnamacharya); mas há também yogas que surgiram do poliamor entre animais de espécies diferentes, mas também na relação vegetal ou mineral de outras revoadas não-yoguicas, como os Nathas que nasceram de uma orgia: tantra, sufismo, budismo, alquimia, etc. Mil platôs.
Qual origem, quem foi o primeiro yoga-pássaro a começar a revoada-yoga, o mais forte dentre os que compõem um bando hoje? São perguntas tolas, pois yogares devem ser experimentados com o nosso pensamento no desenvolver do cuidar de si e não, necessariamente, na substituição de um Eu que nunca foi ou de outro Self Maior ou Menor que nunca serei. Você, eu e o rabo-do-tatu inter-estamos-sendo|somos. Yoga é aliado que agencia forças em relação tonal-nagual.
Obrigado, é sempre bom degustar mais uma reflexão no banquete ritual nomádico. Da digestão desse manjar novos yogares são gerados, uns mais próximos outros mais distantes, da tentativa vã de procurar um pensamento linear cronológico. Que os diferentes yogares transcendem o espaço é fácil de constatar um pouco por todo o mundo, talvez este jeito malandro de yogar também transcenda o tempo, saltitando do passado para o futuro, recuperando tradições antigas e inventando novas linhagens, sendo dor de cabeça para a academia ou piada cósmica para quem corre por fora.