Os yogas se perdem no tempo sua duração, modos, limites, escrituras e corpos, pois rizomáticos, não arborescentes. É moderna a narrativa mítica de sua origem "nobre" no Yoga-Sutra, onde yogares hatha-yoguicos "preparam" para um nível superior|nobre|arya de Yoga (raja) e o Vedanta, resumo do livro sagrado de uma elite sacerdotal, se entorna como "base sólida e indiscutível” dentre tantas outras epistemes yoguicas possíveis. Esse mito fundador foi se legitimando na parceria Eliade-Dasgupta, no mesmo tempo em que os indianos eram invadidos por europeus, igualzinho ao cenário colonial brasileiro, quando filhos de uma elite sudestina se entendiam mais brasileiros do que nortistas e nordestinos, estes, regionais e folclóricos.
Tudo foi uma escolha da intelectualidade indiana que lutava por sua independência do jugo britânico, e o yoga foi a principal bandeira nacionalista desse movimento, conhecido na história do país como Renascença Indiana. E deu tanto certo que talvez até você tenha tatuado no corpo, motivos e signos indianos, também aprendido sânscrito, começado a praticar yoga, cursado astrologia védica, consultado por médicos ayurvedas, tornado-se vegano, considera hoje as vacas, animais mais sagrados do que pardais, parou de rezar a Ave-Maria para mantrar a uma criança com cabeça de elefante, passou a desejar conversão ao hinduísmo (mesmo que impossível) e, quiçá, venha vivendo na persona cosplay de sacerdote hindu errante, na esperança de conquistar maior autoridade em telas de silício.
Surge, neste mesmo período (início do século XIX até 1947), um resgate da potência ancestral indiana que estava sendo subjugada pelo racionalismo e pragmatismo anglicano, anteriormente, muçulmano e, antes, budista. Mas nem tudo são flores e o crescente nacionalismo indiano carregou consigo ideais aniquiladores de tudo o que não eram eles, a elite hindu: veja só Narendra Moodi ainda hoje reverberando o mesmo espírito.
Os primeiros núcleos evangelizadores yoguicos aparecem a partir dos swamis Vivekananda, Sivananda e Kuvalayananda. Cada um constrói, pela primeira vez na história do Yoga, escolas ensinando yogares para exportação e divulgação da cultura indiana hinduísta para fora da Ásia. O yoga moderno nasce com eles, depois é claro, muitos outros nomes tão importantes quanto, seguem o mesmo modelo: o yoga inicia seu processo de transplantação para coletivos sem motrizes hinduístas, como os Estados Unidos, a Europa e América Latina, por exemplo.
Essa linha-de-fuga yoguica é extremamente inovadora e responsável pelas novas dobras em yogares modernos, em simultâneo, cresce o jogo de forças sobre o consenso do que é, pode ou deve ser considerado yoga, ou não. Estamos vivendo 100 anos de dominação do yoga-darsana, ou perspectiva hinduísta yoguica realizada por Patanjali (século II ou V a.C.) e legitimada por Mircea Eliade, H.Zimmer e G.Feuerstein. Houve, assim, um projeto bem orquestrado na disseminação de um yoga e suas cores pelo mundo, sobretudo, a partir da geração Beatnik, da banda The Beatles, movimento religioso Nova Era e a terapeutização da espiritualidade yoguica e, claro, todos os yogins indianos e suas proposições soteriológicas modernas.
Esse gigantesco deslocamento yoguico que ocorreu no século passado, dobra-se mais uma vez no início dos anos 2000, quando vão se gestando as primeiras experimentações de yogares com estéticas não-indianas, como as africanas, dos povos originários ameríndios, de cristãos, no Brasil com os kardecistas, mas também flertando com o cientificismo. É até curioso, pois a Ciência, ao invés de laicizar práticas e crenças yogas, encanta corpos em ajuda yogins modernos erigir novas mitológicas yoguicas para “vidas plenas”.
De certa forma, é lícito pensar, que o século XXI vê os yogares (re)aproximarem-se mais uma vez da ética fincada na estética da existência imanente e filosofias da diferença, e se afastarem da transcendência e essencialismos, que marcaram tanto os yogins modernos. Mesmo raro e tímido esse afastamento de estéticas yoguicas do além, já se ouve ecos de uma nova série surgindo com ventos do sul. Talvez, de tantas flexões, torções, invertidas, retenções, contrações e hiper-extensões, novas reflexões tornaram possíveis disposições nomádicas e selvagens, opondo-se ou apontado contradições da postura sedentária em que viveram tantos corpos yogins no Brasil dos anos de 1950 até 2000. Afinal, tanta força para indispor corpos a se locomoverem, só poderia liberar (em algum momento) fluxos de sentido contrário para flexibilizar o que nada passava, passava despercebido, ou totalmente insensível.
Os yogares antes da colonização britânica, ou seja, os pré-modernos ou antigos, sempre foram híbridos, portanto, em nomadismo, canibais, selvagens, pois não se deixavam domesticar. Havia então, não um ou dois, mas múltiplas motrizes de experienciar|viver Yoga. Elas disputavam entre si, não a dominância de quem era ou estava com a verdade do yoga, mas lutavam contra aparelhos-de-captura por uma única versão do yoga; abriam frestas o quanto podiam, ventilavam e conviviam bem com suas contradições: nathas, aghoris, aranyakas, nagas e as múltiplas facetas tântricas eram, são e continuarão sendo yogares diferentes que se orgulham dessa disposição ou indisciplina (tapas) por discordar. Mais fácil, ao invés de buscarem reviver e|ou replicar, inventavam yogas para continuarem em devir.
Com o modernismo, yogas se tornam apenas versões de outros yogares, não inovações. Todos os yogares modernos leem os mesmos livros e seus gurus devotam-se aos mesmos deuses. Por isso sempre concordo com yogins modernos quando afirmam que os "yogares contemporâneos deram errado, são marginais, periféricos e menores"'; eles estão corretos, todes os yogares em estéticas não-indianas, vivem devires minoritários e suas micropolíticas são devoradoras de yogas elitizados, brancos, sem asceses, assépticos, hierarquizados, masculinos-alfas. Desejo vida longa aos corpos desses yogins menores, corpos trans, vira-latas caramelos derrubando latas-de-lixo para comer os yogares-dominantes derramados pela rua. Todes yogins contemporâneos são contra Yogas-Estado, por isso resgatam o nomadismo não-aryano das yogins dravídicas loucas que, cavalgando em suas onças-pintadas, decepam cabeças de todos yogas cafonas, replicantes e sedentários, como se fossem o que nunca poderiam alcançar, pois seus terceiros-olhos abriram-se na nuca.
Por amarmos a Índia e seus yogares xamânicos, sacerdotais, florestais, canhotos e dos crematórios, não desejamos sê-los, isso seria uma afronta, por isso o devoramos como yogins antropofágicos que somos, filhes de africanos, caboclos, quilombolas, indígenas e de todos os bruxos, bichas, bailarines e feiticeiras da Europa ibérica desterrados pelas bandas de cá; estes mesmos que, antes sob jugo dos mouros pretos, aprenderam a sambar em roda nos terreiros aos pés de mantiqueiras, chapadas e urubicis, embriagados cantam em alto e bom som de tambores, sitares e maracás.
Exportação e divulgação da cultura indiana hinduísta para fora da Ásia, brada o autor-xamã no meio das árvores. Sim, não apenas indiana, todas as outras. Quer seja tibetana, tailandesa, chinesa, japonesa, outres ... Exportação cultural ... Na teoria é bom re-conhecer outras culturas, outros saberes, outros sabores, ... Na prática temos pessoas que após dominar a técnica, necessitam de dominar linguagem/pronúncia/cultura a um nível que as pessoas nativas nunca tiveram. Este conhecimento pouco útil na prática, serve também como estratégia de sobrevivência para escolas/linhagens/instruções formatarem os seus próprios sistemas de crenças e ordenamento de realidade, na cabeça de inocentes aprendizes que apenas desejam alcançar um maior bem-estar físico e mental. E o espiritual, como fica, recorda o autor xamã tocando…