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Foto do escritorPhD. Roberto Simões

YOGAR DE OUVIDO

Atualizado: 17 de ago. de 2022


Beleza professor, mas o que é Yoga então se você defende a multiplicidade de estéticas de existência yoguica?
Não se perderá aí a essência do yoga?
A multiplicidade, é a própria essência do yogar autêntico.
Ah, tá fugindo da reposta que é o que define essas “infinitas forças” que formam e possibilitam alguém afirmar que isso ou aquilo é, ou não yoga?

Yoga é toda força aliada que agencie intensidades passarem em corpos promovendo a diminuição da alienação dos ordenadores de realidade dominantes. Yoga então não são as técnicas, mantras, gentes ou livros, mas qualquer coisa que lhe deixe à espreita. Por exemplo, o dársana-yoga de Patanjali construiu uma gigantesca máquina-yoguica óctupla que funciona exorcizando demônios-klesas: ignorância, medo de morrer, apego, aversão e orgulho. Já as diversas escolas tântricas organizaram suas máquinas-yoga na desobstrução dos canais corporais prânicos (nadis e chackras), pois segundo essa perspectiva de yogar, o estar à espreita dos aparelhos-de-captura ou ordenadores-de-realidade-Estado se infiltram em corpos doentes e não em quem segue ou não moralismos (e os bons-costumes) de um yamas-niyamas, de “nobres verdades”, das vidas celibatárias, etc.


Mesmo yogares modernos, essas dobras das máquinas-yoga tântricas e óctuplas de Patanjali, não são meras réplicas, mas genuínas linhas-de-fuga daquelas. O Iyengar-Yoga, por exemplo, fundamenta seus agenciamentos de forças no alinhamento corporal para ganho de espaços necessários em fazer passar intensidades. Já o yogar Asthanga-Vinyasa de Jois, orbita em produções caloríferas corpóreas como sinal do fluir prânico, portanto, livre dos obstáculos-demônios-klesas para que intensidades possam agora passar.


Entre as máquinas-yoga de motrizes brasileiras, o Método de Yoga Restaurativa de Miila Derzett operacionaliza a fruição intensiva do seu yogar no alcance de matizes relaxantes profundas agenciadas pela experiência da morte em variações do savasana. Mas há muitos yogas que não objetivam alcançar o fim das ilusões (mayas) desatentas (avidya) que nos organizam a viver capturados; estes agem como terapêuticas e possuem suas próprias clínicas: o yoga hormonal da Profa.Dinah é um exemplo dentre tantos outros possíveis de se elencar. O que não os fazem menores, cognitiva e|ou epistemicamente de qualquer outra máquina-yoga, como a vedântica-moderna ou a vedântica-shankara; são apenas formas de forças perspectivas possíveis de se yogar.


Vamos tentar operacionalizar todos os Yogares-Máquinas:


(1) um programa precisa ser traçado, minuciosamente, da margem do rio em que vivemos - em que estamos organizados socialmente ou em mayas compartilhados -, rumo à segunda margem do rio ou samadhi, onde o plano de imanência se encontra desestratificado ou caosmótico.


(2) deverá acontecer uma tentativa, muito prudente, de desterritorialização ou mergulho momentâneo na caosmose samádhica. Não há yogar autêntico algum, sem algo ou alguém morrer, momentaneamente, para então, renascer sob novos signos e desejos.


(3) a travessia rumo à margem 2 exige muita atenção e esforço (há uma ascese aqui). A escolha do lugar e aliados adequados são imprescindíveis nas tentativas estéticas de existir.


(4) já em terras movediças samadhísticas da segunda margem, avistamos, ao longe, os mayas que nos organiza(va)m na primeira margem da cotidianidade compartilhada: a terra dos distraídos. É um processo lento e gradual essa abertura perceptiva.


(5) muitos yogares, no entanto, se quer desembarcam à segunda margem, só navegando em águas yoguicas|meditativas calmantes; alguns yogares, pode ser programados, inclusive, para docilizar corpos yoguicos. Muitas vezes, só esse passeio (saindo do porto da margem 1 ao meio do rio) é o que desejam yogins, ou seja, yogam para se afastarem, de tal feito, tomarem distância da pressão cotidiana dos mayas que o sufocam. Desejam, precisam ou só conseguem isso hoje, e, compreenda, talvez já seja bastante coisa, pode acreditar. Aqui é o limite de muitos yogares e yogins-nosso-de-cada-dia.


(6) entrementes, pisar em solo desorganizativo da segunda margem não é o fim. Plenos em seus próprios pés sob a segunda margem do rio, yogins conseguem avistar, ao longe, o coletivo em que vivem como espelhos ou observadores (purusas) das infinitas forças que os compõem e decompõem. Mas há os que intentam atravessar o espelho-purusa, e mergulham em direção à terceira margem do rio (o fundo de si), como bem explica o swami sertanejo G.Rosananda.


(7) aos raros que se aventuram a esse projeto, vivencia-se o não-ser ou o estar-sendo nos passos de Shiva, Matsyendra, Sidarta, Kali e outras nossas senhoras, tão (a)parecidas com Padilhas.


(8) ninguém sabe o que irá encontrar na terceira margem, pois cada um singular e coletivo, em simultaneamente. O fundo do rio, ou além-do-samadhi, é escuro e frio, pois a luz do sol diminui sua quentura tanto quanto mais se afundamenta em corporeidades-sem-órgãos. Há que inspirar fundo de um pouco do maya da margem 1 para não ser despedaçado vivo e de uma vez só, embebido de samadhi; faz-se um kumbhaka (retenção) profundo, e inicia a imersão. Encontraremos lama, pedras, algas, outros bichos, espectros, mostros e gentes, quem sabe o que não viveremos ali. Alcançaremos o fundo de nossas superfícies.


(9) todo esse programa pode não funcionar na primeira, segunda ou terceira vez. A eficácia yoguica aqui depende de muitos fatores: um bom yoga-programa-máquina-aliado, o lugar escolhido, a coragem e prudência do yogin, as intensidades... Viver|Yogar é sempre muito perigoso. Sigamos os conselhos do seu Carlos Jung.


(10) mas não dá para viver no fundo do rio (só enquanto tiver ar), ou construir abrigo na segunda margem para sempre. Isso seria caso de uma esquizofrenia de hospital: Jesus voltou do deserto onde falou com o diabo, Buda do nirvana na ideia com Mara e suas filhas, Maomé de Jannah nas asas de Gabriel, e Krishnamurti cagava e fodia como qualquer um de nós. Há que voltar para a primeira margem com segurança. Um dos passos mais negligenciados, hoje em dia, é não planejar um traçado seguro de retorno de volta a primeira margem. Quais resíduos dessa jornada fica? O que se passa ou passou? Quais encontros ocorreram? São perguntas dignas de se fazer (e responder). Um diário de bordo é essencial aqui, já que são de vivekas (discernimentos, intuições e sacações) que se define uma vida de yogin autêntico.


(11) o conhecimento intuitivo nasce dos resíduos de incursões yoguicas. Cada máquina-yoga, como já descrevemos algumas acima, possui suas próprias cartas náuticas, cartografias de rio, potência de motor, autonomia de combustível... Assim, cada yogin precisa aprender sobre os ventos que lhe atravessam, corpos que o (de)compõem, levar consigo um calendário das marés, planejar em qual lua sair (ou ficar) e qual yogar-máquina utilizar afinado com seu propósito (sankalpa). Dessas reflexões e planejamentos que uma máquina-yoga X ou Y pode ser mais eficaz em seu voo xamã, ou não. É uma escolha baseada na vida vivida. Somos todes, no fundo da carne exposta, yogins de ouvido.


(12) ao longo de várias incursões ENTRE margens 1-3, mais e mais percebemos ritornelos que insistem em ficar ressoando em nós, como refrões de músicas-chiclete. Todo retorno de qualquer processo yoguístico autêntico, pequenos pedaços de novas terras serão trazidas à carne firme para a primeira margem. Quiçá aquele maya que lhe organizava deixa de fazer sentido e outras novas e potentes (ou decompositivas) utopias ativas surgirão?


(13) quem sabe um dia, você, enfim, retoma o processo criativo de sua própria vida e inventa um novo maya para chamar de seu ou até, um yogar-máquina que será aliado para outros yogins? Só não esqueça de uma coisa, tudo sempre será só mais uma ficção (ficções que curam); até seu eu|Self e tudo descrito até aqui ou em qualquer outro manual de yoga, será só mais uma perspectiva.


E o yoga em si?

Só mais um maya dessa caosmose linda de se viver em que estamos brincando e dançado (maha-lila). Somos tudo e todes inacabamentos, por isso livres (kaivalya).


 

Inspiração: Moraes Moreira, In: Yogue de ouvido


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