Sim. Gosto desse blá todo de nomadismo, livre-pensador, não ser capturado pelos aparelhos conservadores de ordenamento das realidades yoguicas.... mas no dia-a-dia, eu dando minhas aulas aos alunos e|ou na minha prática meditativa pessoal, como é a aplicabilidade dessa filosofia “esquizoyoguica” e “bonsensual” (leia Michel Debrun) que você fala tanto?
Então vamos lá. Muito inspirado nas minhas observações do Método Restaurativo da Profa. Miila Derzett, há 20 alunos na sala e a liberdade yoguica é construída na prática.
Primeiro, é necessário ter claro o respeito pelo conhecimento dos alunes, eles não são receptáculos do “saber tradicional”.
Ninguém está vazio a ser preenchido por você: quebra-se imediatamente a barreira professore-alune; são todos professores-alunes. Sendo mais prático ainda: se há uma torção a ser realizada, as opções são de pé, sentado ou deitado + a opção “não vou fazer”, ou prefiro só deitar e alongar agora ou apenas sentar e meditar ou me pendurar na kurunta ou cantar o pai-nosso ou um ponto de Oxóssi.
“Mas aí vira um caos!”.
Pra você e seu ordenador de realidade talvez, mas e para a perspectiva de seus alunes? Tu sabe qual é o ordenador de realidade deles? Você, ao contrário de um “professor tradicional-sedentário” não é e nunca será a régua do yoga-Outro.
E agora tiozão?
O propósito dos yogas não deveria estar na execução mecânica de gestos coordenados em conjunto. Yoga é um processo ritual (sim, de Victor Turner em seu “Floresta de Símbolos) - quem já estudou comigo sabe do que me refiro. Um ritual yoguico está longe da organização das aula de fitness ou balé, e está mais próximo à pedagogia freireana, filosofia deleuzeana e do contemporâneo nas artes.
As práticas rituais yoguicas nomádicas são pautadas no processo dialógico e do encontro, e não da repetição e do “ajuste”. Nós, yogi(ni)s-nômades|contemporâneos, já compreendemos que repetir gestos (asanas, pranayamas, mantras e etc) por repetir, imitando exemplos, não serve. Não há universais e um Self a atingir. Mas também “selfes” únicos, singulares e sempre em devir.
As práticas rituais yoguicas nomádicas então, visam viveka (discernimento ou alteridades, o oposto de alienação), muito mais do que samadhis. Já sacamos que não há asanas perfeitos a alcançar; nos livramos da esper(anç)a do “faz que vai dar certo”: não há o “dar certo”; o que existe é diálogo e encontros.
Por isso denomino a prática ritual nomádica de EsquiZoYoga: do diferente, o oposto das aulas “tradicionais” (ou modernas), pautadas na replicação modelos do “perfeito em si-mesmos”. Não há modelos. É o fim dos ideais.
O processo “prático” dos yogi(ni)s nomádicos visa (de forma lenta, gradual e dialógica) libertar da servidão voluntária yogi(ni)s que vivem sob a égide das consensualidades yoguicas dominantes que capturaram seus desejos, ou seja, os obriga a desejar os “desejos certos”.
Os “professores nômades” não visam formas mas os “corpos sem órgãos” (CsO), aqueles não capturados pela moral institucional yoguica ou “corpos não-docilizados” (ver Foucault: tem um curso na plataforma ead sobre esse assunto).
E agora, invertemos os sistemas de validação hegemônicos: a “medida” do “yoga certo” vai se deslocando das qualidades psicofísicas de aumento de força, flexibilidade, resiliência, fim do estresse para encontros tesudos com os CsO.
Em outras palavras, necessita-se envolver|permitir aos “alunos nomádicos”, durante as “aulas esquizoyoguicas”, abrirem suas próprias clareiras yoguicas; há um exercício de desapego a estes: ao invés do modelo, do “amparo”, do “fazer correto”, o diálogo e o devir-yoga se expressa pleno em seus “afundamentos” - não fundamentos, pois devir|transformação.
Há, assim, a transição do consensual yoguico ao bonsensual yoguico-devir, sempre singular.
“Mais carai, mó trampo né?”.
Sim, seu yoga então vai se movendo da “esteira de produção (neoliberal) de corpos yoguicos dóceis” para “oficina artesanais de corpos yoguicos insurgentes”.
Dito mais simples, vai-se retomando os processos criativos em se viver com (e não do) yoga. O yoga aqui é plural. Em uma mesma “aula” 20-30 corpos|yogas surgem abrindo suas próprias formas de viver yogas.
Você, “professore” se transforma junto, aprende e ensina junto, está em devir-yoga e, aquele desânimo, falta de tesão pelo yoga retoma sua potência, pois percebe seu propósito, que não está em “ensinar SEU yoga”, mas participar “regando” novas vidas yoguicas a florir: não iguais a você (replicantes) e sua tradição, mas a tantos outros infinitos yogas surgirem de seu “jardim” (sangha, shala, sala de prática, escola ou seilaoque).
Agora você percebe que ministrar aulas esquizoyoguicas para crianças é muito mais fácil do que na “alfabetização de adultos”, pois aqueles pequenos seres ainda não foram capturados pelas estruturas institucionais yoguicas que docilizam corpos e ordenam realidades: os corpos dóceis (capturados) “travam” entre os yogi(ni)s nômades e seus esquizoyogas (são esquiZitos demais a seus mundos yoguicos prontos).
A filosofia bonsensual yoguica, base dos yogi(ni)s nomádicos, não está isenta de conflitos e divergências, pelo contrário, essa é a garantia (pela força hegemônica narrativa) dos yogi(ni)s sedentários.
Ser livre requer coragem. Você se torna responsável por suas escolhas. Não há "ombro" amigo para depositar suas dúvidas, angústias, medos. Você comanda o show frequentemente sem saber se o resultado será bom. Isso é liberdade, liberdade para descobertas e para rejeições.
Parabéns, pelo texto e sobretudo por todo seu trabalho!